A Atenção Primária à Saúde (APS) é o primeiro contato que as pessoas têm com o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. A APS organiza o fluxo de atendimento, promove a equidade e oferece cuidados preventivos, curativos e de reabilitação. Além disso, fortalece a relação com a comunidade, identifica problemas de saúde locais e atua na redução de desigualdades, sendo essencial para a sustentabilidade do sistema. No entanto, especialistas sinalizam que as reformas das políticas sociais, inclusive na área da Saúde, sobretudo da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), empreendidas pelo governo federal, no período de 2018 a 2022, acentuaram as desigualdades e fortaleceram a mercantilização dos serviços da APS. O tema foi objeto do estudo da pesquisadora Regina Ferreira, mestre em Políticas Públicas em Saúde pela Escola de Governo Fiocruz-Brasília, que analisou os resultados práticos de mudanças de gestão governamental, do cuidado, da política e do programa de financiamento da APS no contexto do Distrito Federal (DF). Os dados estão expostos na dissertação Análise do Processo de Mudanças da Atenção Primária à Saúde: Resultados Pragmáticos no Distrito Federal, a qual Regina explana mais na entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”.
Qual é a importância da Atenção Primária à Saúde (APS) para o Sistema Único de Saúde (SUS)?
Regina Ferreira: A Atenção Primária à Saúde é o primeiro contato que as pessoas têm com o sistema de saúde. Nesse espaço, o cidadão pode acompanhar de perto a ação do Estado se concretizando na comunidade, esse espaço também é o local mais próximo do ambiente cotidiano das pessoas em que se dá a oferta de atenção à saúde, cuidados, orientação para organizar o fluxo na rede, medidas como educação em saúde, engajamento comunitário e enfrentamento colaborativo e eficiente de desafios emergentes que ameaçam a saúde e o bem-estar de um território. A APS constitui a base do sistema de saúde no Brasil e compreende ações estruturais e preventivas. Fundamenta-se em uma concepção mais abrangente de saúde, que visa destacar a importância de diversos setores e ações voltadas para o bem-estar geral e à melhoria progressiva dos indicadores sociais. É a porta de entrada preferencial e a principal coordenadora do cuidado no SUS. Ela organiza o fluxo de atendimento, promove a equidade e oferece cuidados preventivos, curativos e de reabilitação. Além disso, fortalece a relação com a comunidade, identifica problemas de saúde locais e atua na redução de desigualdades, sendo essencial para a sustentabilidade do Sistema.
Durante o período de 2018 a 2022, quais fatores da gestão federal mais impactaram a Atenção Básica no DF?
Regina Ferreira: No cenário brasileiro, é irrefutável que, a cada nova gestão governamental, a depender de suas ideologias, ocorram também acentuadas mudanças em políticas públicas. Assim, é frequente a extinção ou substanciais reformulações dessas políticas. Nas mais recentes gestões governamentais, federal e distrital, não foram diferentes. Observa-se modificações importantes em vários aspectos das políticas públicas de saúde com a proposta de buscar eficiência na prestação do serviço.
De acordo com os dados da pesquisa, nesse período, houve mudanças significativas na gestão federal que impactaram a APS, como:
O modelo assistencial adotado na capital federal é majoritariamente hospitalocêntrico – sistema de cuidados de saúde centrado no atendimento hospitalar – apesar de haver sucessivas tentativas de implantar mecanismos de fortalecimento da APS, os resultados efetivos são de baixo alcance.
Por que a regionalização da Atenção Básica no DF teve pouco impacto, apesar das tentativas de implementação de novas ferramentas gerenciais?
Regina Ferreira: De acordo com os dados dessa pesquisa, alguns pontos são determinantes para o processo de regionalização, são eles:
Como você descreveria as principais tendências e os cenários das reformas na APS no DF?
Regina Ferreira: Na pesquisa, identifica-se uma série expressiva de reformulações na PNAB. Os diagnósticos do SUS mantêm-se baseados em cálculos de eficiência, não supõem o aumento no orçamento do Sistema, afirmam que o SUS pode fazer mais com o mesmo volume de recursos e desprezam a centralidade da APS na organização do Sistema. Verifica-se que todas as mudanças tiveram como base o financiamento para redução de gastos, marcada por disputas técnico-políticas; a condução do processo de mudanças de forma vertical com ênfase focalista; propôs-se a reorganização administrativa e de gestão, mas não apresentou novos serviços e foco em desempenho de equipes.
Ainda, destacam-se como tendências:
Os resultados da pesquisa demonstram que práticas de gestão de governos que se embasam em teorias do Estado mínimo e na visão de APS para populações mais vulnerabilizadas, caracterizado por uma onda de contrarreforma rumo à redução de gastos e emprego de ferramentas que não se adequam à gerência de um sistema multifacetado e amplo como é o SUS, tem implicações práticas na provisão de serviços para toda a sociedade pela inexistência de foro de conformação de conflitos e reforço de burocracias eficientes.
Quais foram as dificuldades enfrentadas na gestão dos recursos destinados à saúde no Distrito Federal?
Regina Ferreira: Os dados apuram que a gestão orçamentária é ineficiente, pois, nos momentos em que houve aumento expressivo dos repasses de recursos feito pela gestão federal ao DF (como é o caso do período pandêmico da covid-19), a execução orçamentária da Secretaria de Saúde (SES-DF) foi baixa. Assim, ao se considerar as grandes demandas da APS, inclusive os problemas crônicos, constatam-se que essa baixa execução é sem propósito. A perda de recursos em períodos de maiores aumentos, mais uma vez, demonstra que, mesmo na fase mais crítica vivida pelo SUS, a SES-DF não conseguiu aplicar toda a sua dotação disponível.
De que forma a alteração nas diretrizes da PNAB influenciou os resultados sanitários no DF?
Regina Ferreira: As mudanças na PNAB, como o incentivo ao financiamento por desempenho e a flexibilização da composição das equipes de APS, geraram impactos mistos:
Regina Ferreira é autora da dissertação “Análise do Processo de Mudanças da Atenção Primária à Saúde: Resultados Pragmáticos no Distrito Federal”, defendida em 28 de março de 2024, no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, sob orientação de Wagner Martins e coorientação de Leila Gottems.
Imagem: Regina Ferreira.
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