Presidente da Fiocruz recebe a Legião de Honra da França

Fernanda Marques 2 de setembro de 2021


Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)

 

Presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima foi condecorada, nesta quarta-feira (1º/9), com o grau de Cavaleira da Ordem Nacional da Legião de Honra da França (Ordre National de la Légion d’Honneur). A honraria foi concedida em reconhecimento à atuação da presidente da Fundação nas áreas da Ciência e da Saúde, em particular pelas ações da instituição no enfrentamento da pandemia de Covid-19. A cerimônia, ocorrida na Praça Pasteur, no campus de Manguinhos da Fiocruz, no Rio de Janeiro, foi restrita a poucos convidados, que seguiram protocolos de distanciamento social. A comenda foi entregue pela embaixadora da França no Brasil, Brigitte Collet. A representante da França afirmou que foi “um prazer promover a homenagem nesta praça que é um símbolo da amizade e parceria entre os dois países”. Brigitte elogiou o “excepcional e admirável papel da Fiocruz no enfrentamento da crise sanitária, liderado por sua presidente”. A comenda foi instituída em 1802 por Napoleão Bonaparte e é a mais alta distinção da França, concedida pelo chefe de Estado a personalidades que se destacam por suas atividades no cenário global.

 

O evento, realizado ao ar livre, contou com a participação virtual do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. De seu gabinete, em Brasília, ele saudou as virtudes da presidente Nísia e disse que ela tem “um brilhante currículo e uma trajetória acadêmica sólida. A homenagem é o corolário de uma vida inteira dedicada à ciência e à saúde. Nísia é socióloga, mas se tornou uma profissional de saúde honorária, por toda sua dedicação e empenho e por estar à frente de uma instituição que tem prestado grandes contribuições ao país na luta contra a pandemia”.

 

Queiroga listou como destaques da Fiocruz a produção da vacina contra a Covid-19, a fabricação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) no Brasil, as ações de testagem, de assistência e pesquisa clínica e o fortalecimento do Complexo Econômico e Industrial da Saúde (Ceis). “Nísia merece todas as homenagens e envio um abraço em nome do governo federal. Vamos continuar a trabalhar juntos”.

 

Em seguida, houve a intervenção do conselheiro Maurício da Costa Carvalho Bernardes, coordenador-geral de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania, representando o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França. Bernardes afirmou que Nísia tem uma gestão marcada pelo engajamento em fóruns e cooperações internacionais e que a Legião de Honra premia a atuação e a contribuição dela nesses âmbitos. “A Fiocruz é um dos orgulhos da diplomacia brasileira e um dos pilares de nossas parcerias científicas internacionais. O Ministério das Relações Exteriores agradece a instituição, em nome da amizade entre França e Brasil”.

 

Na sequência os participantes ouviram uma interpretação da canção Lá e cá, de Leci Brandão, pela Escola de Música de Manguinhos. A letra, de 1987, traça um paralelo entre a vida dos negros da África do Sul, que na época estavam sob o cruel regime do apartheid, e os do Brasil.

 

A embaixadora Brigitte Collet, logo após a apresentação, fez um relato sobre a relevância e pertinência da homenagem à presidente Nísia. Ela começou pela volta de Oswaldo Cruz ao Brasil em 1899, depois de estudar microbiologia, soroterapia e imunologia no Instituto Pasteur e medicina legal no Instituto de Toxicologia, em Paris durante dois anos. Em 1914, já reconhecido internacionalmente por seus feitos em combater as epidemias brasileiras, Oswaldo Cruz foi agraciado pelo governo francês com a condecoração de Oficial da Ordem da Legião de Honra. Alguns anos mais tarde, em 1923, o então diretor do Instituto Oswaldo Cruz (que deu origem à atual Fiocruz), Carlos Chagas, também foi agraciado com o título de Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra da França.

 

Brigitte fez um histórico da trajetória profissional da presidente Nísia e disse que ela conseguiu reunir, em sua caminhada, áreas como história, saúde pública, geografia, sociologia e biologia e contribuiu imensamente para a parceria franco-brasileira. “No Ano do Brasil na França, entre 2004 e 2005, Nísia coordenou eventos, seminários e exposições e estreitou ainda mais os laços da Fiocruz com o Pasteur, o Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde (Inserm, na sigla em francês) e o Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS, em francês)”.

 

A embaixadora lembrou que Nísia, em conjunto com a doutora em estudos políticos francesa Marie-Hélène Marchand, organizou o livro Louis Pasteur & Oswaldo Cruz. A obra, lançada em 2006, narra a cooperação entre o Instituto Pasteur e a Fiocruz ao longo do século 20 − considerada uma das mais bem sucedidas experiências da história das relações científicas entre o Brasil e a Europa.

 

“A presidente Nísia também se destaca por sua atuação na diplomacia da saúde, ao participar de diversos grupos da OMS e da Opas, é uma grande entusiasta da facilitação da transmissão e do acesso ao saber e é uma grande inspiração para as jovens ao mostrar, na prática, que altos cargos científicos estão abertos às mulheres”, ressaltou Brigitte.

 

A embaixadora listou as principais medidas da Fiocruz no enfrentamento à pandemia, como a produção da vacina contra a Covid-19, a instalação do Centro Hospitalar Covid-19, as ações de assistência e pesquisa clínica, entre outras. Após sua intervenção, a embaixadora pregou a insígnia da Legião de Honra na blusa de Nísia.

 

A presidente da Fiocruz iniciou seu agradecimento citando a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), unidade pela qual ingressou na Fundação em 1987. Ela também citou familiares, como os filhos, o neto e o pai, entre outros, além de ex-presidentes, dirigentes, colegas, assessores e servidores da Fiocruz com os quais convive nestes mais de 30 anos. E listou os representantes de instituições que participaram pela internet, como os da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Pen Club, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Academia Nacional de Medicina (ANM), Academia Brasileira de Letras (ABL), Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e membros de coletivos das comunidades do entorno da Fiocruz, como Redes da Maré e Rede CCAP. 

 

Nísia afirmou que a homenagem prova que é preciso manter a esperança coletiva, valorizar a liberdade e a democracia. “Esses são os valores que compartilho com meus colegas e que são a base desta instituição. Assim surgiu o Instituto que deu origem à Fiocruz, marcada em seus primórdios pela atuação de Oswaldo Cruz e de um grupo de jovens pesquisadores que enfrentaram os problemas do país naquela época. Aqui ingressei em 1987 e afirmo que esta é a minha grande escola. Na Fiocruz foram debatidos os grandes temas nacionais, como a Reforma Sanitária, a Constituição cidadã de 1988 e o SUS. E a Fundação continua pronta a dar sua contribuição à discussão dos problemas brasileiros”.

 

A presidente comentou as parcerias com instituições de pesquisa e universidades francesas, entre elas o Pasteur, o Inserm, o CNRS, a Sorbonne, a Escola de Estudos Avançados em Saúde Pública (EHESP, em francês), o Instituto Mérieux e o Laboratório Servier. Todas essas instituições têm um forte histórico de colaboração com a Fiocruz em áreas variadas. 

 

Segundo ela, a “unidade na diversidade”, que caracteriza a Fiocruz e seus institutos, foi fundamental para mobilizar todas as energias e enfrentar a pandemia, “uma das maiores catástrofes vividas pela Humanidade”. Nísia disse que para superar esse momento, um “fato social total” que envolve todas as dimensões da vida, de acordo com o pensamento do sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss,  é necessário conhecimento científico, mas também ação política do Estado e da sociedade. Nísia encerrou seu agradecimento enfatizando que o Brasil precisa de ciência, saúde, cidadania e democracia para vencer a pandemia.

 

“Que possamos seguir sob a inspiração da poeta Cecília Meirelles: ‘Mas a vida, a vida, a vida só é possível reinventada’”.

 

A Legião de Honra de Oswaldo Cruz

Em abril de 1914, o médico Oswaldo Cruz foi a Montevideu como representante brasileiro no Conferência Sanitária Internacional, da qual participavam também a Argentina e o Paraguai. Naquele momento o Instituto Oswaldo Cruz já se firmara como um dos principais centros de pesquisa da América Latina dedicado ao estudo das doenças tropicais. O sucesso do combate à febre amarela no Rio de Janeiro e a descoberta da Doença de Chagas foram amplamente difundidos nas Exposições de Higiene e Demografia ocorridas em 1907 em Berlim e em 1911 em Dresden. Ao final da Conferência Sanitária, Oswaldo Cruz recebeu convite para seguir para Buenos Aires, onde seria homenageado pela Academia de Medicina e receberia o título de professor honorário da Faculdade de Medicina da capital argentina. 

 

Durante a viagem, Oswaldo Cruz recebe a notícia de que havia sido agraciado pelo governo francês com a condecoração de Oficial da Ordem da Legião de Honra. O fato teve uma grande repercussão na imprensa no Rio de Janeiro. Logo após seu retorno, o cientista foi homenageado com um banquete no Hotel dos Estrangeiros, oferecido pelos legionários residentes no Brasil. A condecoração foi entregue pelo ministro francês M. Lanel, que estava em vista ao país. 

 

Neste mesmo ano, Oswaldo Cruz resolveu voltar à Europa para ver de perto as pesquisas que os cientistas franceses e ingleses, com quem se correspondia, estavam fazendo. Desta vez foi com toda a família. Chegaram a Paris em meados de julho. A iminência da guerra fez com que o governo francês restringisse o meio circulante e era grande a dificuldade para trocar os bilhetes de banco por francos. Após a declaração de guerra, em agosto, a ameaça de bombardeios lançados por aeroplanos alemães sobre a capital francesa determinou a  decisão de partirem para Londres. Na gare Saint Lazare, onde pegariam o trem para a Normandia, Oswaldo Cruz valeu-se da recente condecoração de oficial da Legião de Honra para conseguir embarcar, devido à multidão que também tentava sair de Paris. Chegando ao porto de Diepe, de onde deveriam cruzar o Canal da Mancha, assistiram mais uma vez à fuga em massa dos franceses no norte. Já em Londres a estadia foi mais tranquila, embora perdurasse o medo de um ataque aéreo alemão. Oswaldo Cruz ficou em Londres até o início de 1915, quando retornou ao Brasil.

 

Em 1923 Carlos Chagas, então diretor do IOC também foi agraciado com o título de Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra da França.

 

Fotos: Peter Ilicciev