Pesquisa apresenta vulnerabilidades das crianças da Cidade Estrutural

Mariella de Oliveira-Costa 13 de junho de 2019


Mariella de Oliveira-Costa

Insegurança alimentar, violência dentro da própria família, evasão escolar, negligência, ameaça à vida, trabalho infantil, abuso sexual. Estas são algumas das violências apuradas em pesquisa recente sobre as vulnerabilidades  que impactam a vida de crianças e adolescentes moradores da Cidade Estrutural, região administrativa do Distrito Federal que fica a 11 quilômetros do centro da capital do país e abriga mais de 40 mil pessoas.

A Fiocruz Brasília, por meio do projeto Estrutural Saudável e Sustentável, apoia a Ong Coletivo da Cidade, responsável pela investigação, cujos resultados foram apresentados nesta terça-feira, 11 de junho, na instituição, durante o Seminário Cidade do Futuro: Estrutural Saudável e Educadora.

A pesquisa foi realizada com 394 famílias, que reúnem 1.793 pessoas – entre elas, 699 crianças. O coordenador da Ong, Coracy Coelho, ressaltou que é preciso construir um pacto pela educação na estrutural. Segundo os dados apresentados, 65% dos entrevistados afirma que os agentes comunitários de saúde nunca foram a sua casa; e 64% deles acessam programas de transferência de renda, cerca de 500 mil reais são investidos só pelo Bolsa Família na região.

 Durante o Seminário, o coordenador de Integração Estratégica da Fiocruz Brasília, Wagner Martins, apresentou o projeto Estrutural Saudável e Sustentável, que busca desenvolver um modelo de implementação da Agenda 2030 na cidade estrutural para promoção de territórios saudáveis e sustentáveis. Uma das apostas deste projeto está na Formação de Agentes de Governança Territorial, por meio do curso de gestão e governança territorial realizado entre a Fiocruz Brasília, o Instituto Federal de Brasília e a Secretaria de Saúde do DF. Esta formação permitirá uma educação com ênfase na articulação entre conhecimento atualizado, domínio de metodologias científicas pertinentes e aplicação orientada para o campo de atuação específico. A formação tem seu início previsto no segundo semestre de 2019, e vai abrigar os moradores que possuem nível superior, com uma certificação em nível de especialização. Nos demais casos, os participantes terão uma certificação de curso livre.

O projeto busca não só formar e qualificar pessoas da rede social local e comunitária, como pesquisadores populares, para o monitoramento e avaliação dos indicadores previstos, mas gerar conhecimento científico, pesquisa e aplicação para o desenvolvimento de tecnologias sociais, de maneira que o sentido da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável seja apropriado pelos moradores da Estrutural, entre outras metas.

A região abrigou, até 2017, o maior lixão a céu aberto da América Latina e, de acordo com os especialistas que participaram do evento, possui a menor renda per capita do DF. Quatro mil moradores, ou seja, 10% da população local, atuavam na coleta de resíduos do lixão. O professor do Núcleo do Futuro da Universidade de Brasília, Manuel Formiga, vislumbrou que, a partir dos dados, é possível fazer uma pesquisa de mestrado, e afirmou que há um tsunami social no DF, dada tamanha desigualdade de renda na região. Concorda com ele o professor da UnB Isaac Roitman, que lembrou do texto de sua autoria, publicado no principal jornal da capital, o Correio Braziliense, no qual discutiu a injustiça social de Brasília, que ele chamou de “Norucongo no quadrilátero”, comparando o Lago Sul, área com a maior renda per capita do país, e a Estrutural à Noruega e o Congo.  

 Autoridades destacaram o trabalho em rede

Diferentes autoridades participaram da abertura do seminário, que faz parte da integração cooperativa entre a Fiocruz e a ONG Coletivo da Cidade, integrada à Rede Social da Estrutural, no âmbito do Projeto Cidade Estrutural Saudável e Sustentável, que conta também com a participação da SES/DF, da UnB e do IFB.

A juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região, Ana Beatriz Ornelas, falou sobre a urgência em priorizar políticas públicas educacionais sobretudo relacionadas às vulnerabilidades. A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Ana Maria Vila Real, lembrou o papel do órgão na desativação do lixão, mas não se sabia até agora que equipamentos públicos acolheram as crianças e adolescentes que lá ficavam – daí a importância da divulgação dos resultados da pesquisa. A representante da Secretaria de Saúde do DF, Maria Katalina Costa, reafirmou a parceria da secretaria com este projeto, por uma cidade mais saudável, e ressaltou que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável  3, sobre saúde e bem estar,  está no planejamento estratégico do DF. O deputado distrital Fabio Felix (PSOL-DF) colocou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF à disposição do projeto, e ressaltou que a pesquisa traz o desafio da articulação em rede. Os resultados da pesquisa deverão também ser apresentados em uma audiência pública na Câmara Federal, segundo a deputada federal Erika Kokay (PT-DF). A subsecretaria de Assistência Social, Daniela Jinkings, se disse satisfeita com a pesquisa e disposta a colaborar nesta rede.

O Subsecretário de Educação Básica, da Secretaria de Educação do DF, Helber Vieira, ressaltou que o direito à educação e aprendizagem depende do esforço conjunto de várias instituições, e depende de afeto, não só do repasse de conteúdos para que a educação não esmague, mas potencialize os sonhos das pessoas. “Onde a pessoa nasce determina a educação que ela terá, mas é importante dar a essas crianças e adolescentes que nasceram e crescem em situação de vulnerabilidade a chance de conhecerem que outra realidade é possível”, disse.

A promotora do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Luiza de Marillac, problematizou como a organização do tráfico de drogas na região instrumentaliza as crianças e adolescentes. A ilegalidade da droga fortalece a linha de produção, pois a justiça chega até os meninos, não no dono do tráfico. Ela acredita que, a partir do método usado nesta pesquisa, pode-se conhecer também outras regiões do DF, para melhorar o território, e reforçou a importância de se abrir espaço para olhar quem vive ali, não só abrir espaço para a especulação imobiliária.

Wagner Martins ressaltou a importância de integrar forças do Executivo, Legislativo, Judiciário, academia e sociedade civil organizada nesta ação, que faz parte das atividades da Fiocruz aliadas à Estratégia 2030 da Organização das Nações Unidas. Segundo ele, a pesquisa produzida por pesquisadores populares tem potencial na construção de Territórios saudáveis e sustentáveis na região. O conceito de territórios saudáveis e sustentáveis foi descrito pelo pesquisador da Fiocruz Brasília, Jorge Machado, como sendo espaços onde a vida saudável acontece por meio de ações comunitárias de políticas públicas que interagem e se expressam ao longo do tempo para o desenvolvimento global, regional e local, em suas dimensões ambientais, econômicas, políticas e sociais.

Clique aqui para ler o relatório completo da pesquisa apresentada: http://www.coletivodacidade.org