“O Direito Sanitário configura a aplicação concreta dos direitos humanos”

Fernanda Marques 26 de julho de 2021


Confira a entrevista com o professor André Dias Pereira, da Universidade de Coimbra (Portugal), editor convidado do CIADS, periódico da Fiocruz Brasília que completa 10 anos em 2021

 

Em 2021, ao completar 10 anos, o periódico científico Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (CIADS), publicado pelo Programa de Direito Sanitário (Prodisa) da Fiocruz Brasília, apresenta uma série de novidades. O número da revista lançado no final de junho contou com dois editores convidados internacionais, ambos de Portugal, o que reforça o processo de internacionalização do CIADS. Os convidados foram a professora Maria do Céu Patrão Neves, da Universidade dos Açores, e o professor André Dias Pereira, da Universidade de Coimbra.

 

Integrante do conselho científico do periódico, André é doutor em direito e pesquisador no Instituto Jurídico da Faculdade de Direito de Coimbra, com dezenas de artigos e capítulos de livros publicados. Nesta entrevista, ele afirma que o Direito Sanitário ganhou centralidade nos últimos anos, e que a História tem lições para o enfrentamento de pandemias – entre elas, o investimento na ciência e o cuidado com as populações mais vulnerabilizadas. Ele também comenta sua relação com o CIADS e seu artigo publicado nesta edição, no qual destaca fenômenos jurídicos para uma relação mais saudável entre os atores sociais no campo da saúde. Leia a entrevista.

 

Como foi a experiência de atuar como editor convidado nesta edição? Como vê a importância do CIADS e sua internacionalização?

André Pereira: Já conheço bem o CIADS. Já havia coordenado uma edição, já publiquei e fiz revisão científica nesta revista. Foi, mais uma vez, uma honra poder colaborar com a Fiocruz e com uma revista tão bem organizada e dirigida. O CIADS está ocupando um espaço importante no Direito Sanitário no mundo da lusofonia e alcançando leitores na Europa. Eu tenho dado o meu humilde contributo para isso, levando o CIADS ao mundo do Direito da Saúde e da Bioética.

 

De que forma a atual crise provocada pela Covid-19 constitui uma oportunidade de mudança?

André Pereira: A digitalização da economia e da sociedade acelerou! O ensino superior e a academia devem ser líderes nesse processo, e a digitalização oferece grandes oportunidades à língua portuguesa e à colaboração entre os países de vários continentes que falam o nosso idioma.

 

Por que a solidariedade global é tão importante para o enfrentamento da pandemia?

André Pereira: O vírus ataca todos os povos em todas as nações do mundo. Enquanto o vírus estiver se multiplicando e mutando em qualquer canto do mundo, todos nós estaremos em perigo. A solidariedade assume, assim, uma dimensão, ao mesmo tempo, egoísta e pragmática. Avulta afirmar que a solidariedade se impõe e que as normas da Declaração de Bioética da UNESCO merecem ser revisitadas, especialmente os Artigos 13 e 15. 

 

Por que a opção de abordar a pandemia em uma perspectiva histórica? Quais as semelhanças da atual crise com outros contextos históricos e quais lições se pode tirar?

André Pereira: A História ensina-nos que a comunidade organizada deve cuidar dos mais vulneráveis e investir na ciência e na organização sanitária para fazer face às pandemias. 

 

Em um momento de crise sanitária, econômica e social, como o campo do direito sanitário pode contribuir para a reflexão sobre bem individual e bem comum?

André Pereira: O Direito Sanitário ganhou centralidade durante estes anos de grande sofrimento. O Direito Sanitário configura a aplicação concreta dos direitos humanos, designadamente no que toca de modo mais próximo aos direitos e interesses da pessoa: a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade, o desenvolvimento da personalidade, bem como os direitos coletivos à saúde. Assim, as reflexões já clássicas sobre bem individual e bem comum, que o Direito da Saúde cultiva, passaram agora para as reflexões alargadas na sociedade e para as preocupações jornalísticas e políticas, o que é de valorizar. 

 

Sobre seu artigo “Proteção jurídica dos profissionais de saúde envolvidos no atendimento em contexto da pandemia da Covid-19”, em um cenário de tanta pressão para profissionais de saúde e incertezas para pacientes, como o campo do direito sanitário pode contribuir para um ambiente de mais tranquilidade e segurança para ambos?

André Pereira: “Criar confiança” é o mote do Centro de Direito Biomédico, criado pelo professor Guilherme de Oliveira. Sempre foi preocupação do Centro, que tenho a honra de dirigir, fomentar que o Direito da Saúde e o Direito Biomédico contribuam para uma melhor medicina e o respeito dos direitos humanos. Sistemas de resolução de conflitos não adversariais, institucionalização da responsabilidade e socialização do risco são os fenômenos jurídicos que advogamos como adequados para uma relação mais saudável entre os agentes no mundo sanitário.

 

 

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