“Não mudem o nosso ambiente sem nos envolver”

Nathállia Gameiro 25 de abril de 2025


O apelo de Marizelha Lopes, liderança quilombola de Ilha de Maré (BA) e ativista na defesa do meio ambiente e dos direitos dos pescadores, marcou o tom da Conferência Livre Nacional da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Campo, das Florestas e das Águas, realizada na Fiocruz Brasília nos dias 23 e 24 de abril. Durante dois dias de intensos debates, representantes de movimentos sociais, conselhos, instituições de saúde, trabalhadores de diversos biomas brasileiros e lideranças comunitárias se reuniram para construir coletivamente diretrizes voltadas à saúde e à valorização do trabalho nos territórios rurais e tradicionais do país.

Marizelha enfatizou a necessidade de discutir as relações ambientais e o impacto da crise climática, que já está causando mudanças significativas e preocupantes inclusive na relação dos trabalhadores com a natureza. Para ela, é preciso que esses locais de trabalho sejam reconhecidos como lugares sagrados e ancestrais, onde o conhecimento é transmitido de geração em geração, e que o Estado se comprometa a proteger esses ambientes ameaçados. A representante das mulheres trabalhadoras das águas criticou ainda a lentidão nas mudanças e defendeu a importância do diálogo e da participação dos trabalhadores nas decisões que afetam seus territórios e suas vidas.

 

A conferência teve como objetivo integrar diferentes saberes e territórios em torno de propostas que reforcem o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) na promoção da saúde das populações do campo, das florestas e das águas, respeitando suas especificidades socioculturais e ambientais. Entre os temas debatidos, destacaram-se políticas de atenção à saúde que valorizem a produção de alimentos saudáveis, o enfrentamento das crises climáticas e a garantia do direito ao trabalho digno.

O pesquisador da Fiocruz Brasília e um dos coordenadores do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho da instituição, Jorge Mesquita Machado, enfatizou o caráter participativo e estratégico da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. “Essa política promove a saúde por meio do trabalho dessas populações e contribui para a preservação do meio ambiente a partir de seus modos de vida. É fundamental fortalecer as ações intersetoriais e interseccionais de promoção da saúde, articuladas com os territórios. A conferência representa uma oportunidade para reforçar a prevenção e a promoção da saúde, com foco na garantia do direito à saúde. Precisamos criar mecanismos capazes de responder às necessidades do povo”, afirmou, ao defender o fortalecimento do controle social não apenas sobre o SUS, mas também sobre todas as políticas relacionadas à saúde, ao ambiente e ao trabalho nos territórios.

Machado também destacou o potencial transformador das políticas voltadas ao campo, à floresta e às águas no contexto do SUS. “Essa transformação não pode ter limites. É preciso superar as barreiras e executar as propostas, em vez de restringir o direito à saúde das pessoas. Devemos construir políticas ainda inexistentes, com base na participação popular, na educação popular em saúde, na vigilância popular e na promoção da saúde com base territorial. A grande contribuição da conferência está na valorização do trabalho do cuidado, construído de forma coletiva, a partir das demandas e das formas de expressão das populações do campo, das florestas e das águas”, completou.

 

Representantes de movimentos sociais também enfatizaram a necessidade de integrar saberes tradicionais e científicos na elaboração de estratégias de saúde. Entre os pontos discutidos, estiveram a visibilidade dos povos do campo, da floresta e das águas, a valorização de seus modos de vida e saberes, e a necessidade de fortalecer o SUS como estrutura essencial para garantir saúde e equidade. “É preciso reflorestar os corações e banhar as ideias”, afirmou Luís Henrique Leão, coordenador geral de saúde do trabalhador, ao destacar a urgência de alinhar atores em um projeto coletivo comum.

A representante da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil, Célia Regina Nunes Ferreira, defendeu um SUS fortalecido com base em práticas agroecológicas e enraizado nas realidades desses territórios. Já Noemi Margarida Crefta, do Movimento das Mulheres Camponesas, reforçou a importância da promoção da saúde antes da doença e do direito à produção de alimentos saudáveis, por profissionais que compreendam as realidades locais. Priscila Campos Bueno, da Organização Pan-Americana de Saúde, trouxe à tona o reconhecimento do trabalho como determinante essencial da saúde e a necessidade de atuação intersetorial.

O evento também contou com a participação de outros nomes do Ministério da Saúde, como o diretor do Departamento de Articulação Interfederativa da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, André Bonifácio, a diretora de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador, Agne Soares da Silva, e a chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade, Cristiane Pereira, que apontaram a necessidade de ações articuladas para garantir o direito à saúde e à vida.

Ao final da conferência, foram eleitas as pessoas delegadas e votadas as propostas que serão levadas para a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, prevista para agosto de 2025. 

 

A primeira Conferência Livre Nacional da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Campo, da Floresta e das Águas foi realizada de forma híbrida, com atividades presenciais e transmissão ao vivo pelo canal da Fiocruz Brasília no Youtube, ampliando o alcance e a participação de diversos atores sociais interessados na temática. Assista à abertura aqui.

 

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