Mostra de Cinema Antimanicomial Raquel França
*Fernanda Severo/Nusmad e Nathállia Gameiro/ Ascom Fiocruz Brasília
Adolescentes e jovens, pesquisadores sociais do “Territórios da Construção de Si: Processos de desinstitucionalização de jovens e adolescentes pela maioridade”, participaram da 1ª Mostra de Cinema Antimanicomial Raquel França, que aconteceu de 16 a 18 de maio, no Cine Brasília. Os jovens do Projeto foram convidados para participar das ações públicas pela Luta Antimanicomial para garantir a continuidade das práticas e reflexões sobre a saúde mental de crianças e adolescentes do Distrito Federal. O Projeto é desenvolvido em uma parceria entre a Fiocruz Brasília, por meio do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (Nusmad), e a Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude (PJIJ) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
A 1a Mostra de Cinema Antimanicomial Raquel França leva o nome de uma jovem que morreu na noite de Natal de 2024, no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), localizado em Taguatinga, no Distrito Federal. O coordenador da mostra, Luiz Alberto de Souza Junior, explica que “chamar a mostra de Raquel França é prestar solidariedade e homenagem a todas essas ‘Raqueis’, a todas essas vidas perdidas nos manicômios”. Transformar as tragédias em lutas e fortalecer o protagonismo dos usuários e familiares foi a aposta ética dos organizadores do evento, que se posicionam por uma saúde mental alinhada com a reabilitação psicossocial que ocupa as ruas e é capaz de combater preconceitos, estereótipos e discriminações
A participação da juventude reforça o compromisso com a visibilização de trajetórias em contextos de acolhimento institucional e desinstitucionalização, afirmando seus direitos, sua potência criativa e seu lugar nos espaços públicos e de produção cultural e artística do DF. O grupo já vem desenvolvendo reflexões críticas sobre saúde mental e políticas públicas, desde as Conferências Distritais de Saúde, na 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, nas quais realizaram oficinas de audiovisual e protagonizaram um mini documentário em parceria com a TV Pinel e os registros da Comissão Geral na Câmara em que ocuparam o dispositivo oficial em uma ação pioneira de advocacy. Desde então, cresce o interesse coletivo pelos espaços de fala nas cenas públicas como defensores de direitos humanos, produção cinematográfica e comunicação comunitária.
Durante a Mostra de Cinema Antimanicomial, os adolescentes estabeleceram um diálogo simbólico e político com a Instalação Morar em Liberdade — também uma pesquisa da Fiocruz Brasília com a TV Pinel – que trata da história da desininstitucionalização de pessoas que estiveram internadas em hospitais psiquiátricos brasileiros por décadas e, atualmente, reconstroem suas vidas de diferentes maneiras contando com Redes de Atenção Psicossociais (RAPS) consolidadas pelo sudeste brasileiro.
Ao aproximar suas próprias experiências de acolhimento institucional e restrição de liberdade das memórias de pessoas submetidas à lógica asilar e dialogar com os movimentos sociais pela garantia de direitos humanos, os jovens constroem sentidos potentes de resistência, pertencimento e do valor do cuidado em liberdade. Trata-se de uma ação formativa de educomunicação e socialização pública que contribui para a produção de memória crítica, contratualidades sociais diferenciadas com a cidade e afirmação de novos horizontes de vida e de políticas inclusivas.
O grupo de pesquisadores sociais, foi acompanhado pela coordenadora e pesquisadora do projeto, Fernanda Severo, pela psicóloga e pesquisadora, Lorena Padilha, ambas Nusmad/Ficoruz Brasília; e pela pesquisadora do projeto Márcia Caldas, assessora técnica de Saúde Mental e População em Situação de Rua do MPDFT. Também estiveram presentes na mostra e dialogaram com o grupo jovem a promotora de Justiça, Luísa de Marillac, da Promotoria de Defesa da Infância e da Juventude; a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, Thessa Guimarães; parlamentares, movimentos sociais da Luta Antimanicomial, cineastas, produtores, diretores, usuários da saúde mental, trabalhadores da economia solidária e artistas que participam das ações inclusivas dos Centros de Atenção Psicossocial do DF.
Histórico do projeto
Entre 2021 e 2024, a Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz Brasília, por meio do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Nusmad), e a Promotoria de Justiça da Defesa da Infância e da Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) promovem o Projeto “Territórios da Construção de Si: Processos de desinstitucionalização de jovens e adolescentes pela maioridade” junto aos serviços de acolhimento do DF. Durante o período, cerca de 100 acolhidos, entre 14 e 19 anos, foram ouvidos sobre temas fundamentais, como a construção da autonomia, a ampliação das trocas sociais e a garantia de acesso a direitos básicos e fundamentais (saúde, moradia, educação, trabalho e renda). Avançando para além da escuta, esses adolescentes e jovens chegaram a lugares de construção de políticas públicas, como ouvintes, pesquisadores sociais e delegados de Conferências Nacionais, em uma prática que visa estimular o controle social dos seus direitos.
Mini documentário “Virada Democrática”
Ocupando as Conferências de Saúde e da Criança e do Adolescente, entre 2023 e 2024, com seus corpos, vozes e olhares, esses pesquisadores sociais do projeto “Territórios da Construção de Si”, realizado em parceria do Nusmad/Fiocruz Brasília com o MPDFT, participaram de oficina de Comunicação Comunitária com a TV Pinel e provocaram reflexões sobre a presença de adolescentes em locais de políticas públicas, descobriram seus talentos e enxergaram possibilidades de futuro. Alcançaram diálogos com parlamentares e dão seus primeiros passos no controle social. Assista ao mini documentário “Virada Democrática”.
Saúde Mental em foco
Na última segunda-feira (19), o Utopia Café & Bistrô, no Memorial Darcy Ribeiro (UnB), recebeu mais uma edição do Tribuna Livre Pela Paz, com o tema “Saúde Mental – Como ofertar cuidado para pessoas em sofrimento?”. O encontro, gratuito e aberto ao público, reuniu especialistas da Fiocruz Brasília e profissionais do SUS para debater os desafios e potências da RAPS no DF.
Para Thaynara de Aquino Nascimento, assessora técnica do Nusmad/Fiocruz Brasília, o cuidado em saúde mental deve ser territorializado e acessível. Ela apresentou a estrutura atual da RAPS no DF, que conta com 18 CAPS e diversas outras unidades de acolhimento. “Precisamos fortalecer essa rede, abrir mais CAPS e garantir que ela funcione de forma articulada. Uma rede que não conversa é uma rede falha”, afirmou.
O coordenador do Nusmad, André Guerrero, destacou que os serviços da RAPS precisam ser constantemente qualificados. Já Julia Vaz Cardoso Barbosa, técnica de enfermagem no CAPS AD II de Sobradinho, compartilhou experiências do cotidiano da atenção psicossocial na ponta, reafirmando o papel essencial do cuidado comunitário.
A assessora técnica Graziella Barbosa Barreiros reforçou a importância de uma abordagem que vá além da medicalização. “A droga é só uma coisa. O que nos interessa é a pessoa, sua história. Descobrimos que a droga é sintoma, e aprendemos muito quando finalmente escutamos os nossos usuários. Cuidar é garantir direitos e construir uma cultura de paz”, disse.
Durante o encerramento, a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, lembrou do percurso de Juliano Moreira, Nise da Silveira, dona Ivone Lara, pessoas que construíram um caminho na contramão de uma história marcada por mecanismos violentos que eram considerados cuidado. Apesar das mudanças, ainda é preciso transformar os serviços de saúde mental. “Ainda são muitos os desafios, a prática foi se reorganizando para acolher, reconhecendo que a saúde mental é um direito. Mas é fundamental que a gente reorganize as nossas práticas, ainda temos muito o que fazer, porque o que causa sofrimento hoje, está muito perto da gente. São os desastres, as emergências climáticas, a pobreza, o desemprego e tantos outros casos. Em cada canto, uma esperança de um outro processo de cuidado, mais sensível, mais humano.”
O evento foi realizado pela União Planetária, CEAM/UnB, Memorial Darcy Ribeiro, Utopia Café & Bistrô e Fiocruz Brasília, reafirmando o compromisso coletivo com o cuidado em saúde mental como um ato de resistência, afeto e cidadania.
Veja a galeria da Tribuna Livre Pela Paz aqui.
Saiba mais
“Não falem de nós sem a nossa presença”
*Notícia editada pela Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília.