José Agenor Alvares recebe título de Notório Saber da Fiocruz Brasília

Fiocruz Brasília 26 de maio de 2015


O ex-ministro da Saúde foi o primeiro servidor de carreira a ocupar o cargo mais alto do Ministério da Saúde. Enquanto diretor da Anvisa, ganhou prêmio da OMS por seu trabalho no combate ao tabagismo    

Uma emocionante viagem pela história do SUS – Sistema Único de Saúde, na perspectiva de quem participou ativamente de sua construção. Assim foi a narrativa de José Agenor Alvares da Silva na defesa do memorial intitulado “Do Socialismo Catrumano para o Planalto”, que lhe concedeu o primeiro titulo de Notório Saber em Políticas Públicas em Saúde, da Escola Fiocruz de Governo, localizada na Fiocruz Brasília. Aprovado por unanimidade, o ex-ministro da Saúde e ex-diretor da Anvisa, foi diplomado pelas mãos do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha.

A banca externa, constituída pelo reitor da Universidade de Brasília (UnB), Ivan Toledo Camargo, pela coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Maria da Gloria Teixeira, pela vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade, e pelo diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto, Márcio Galvão, foi realizada na quinta-feira, 21 de maio. Gerson Penna, diretor da Fiocruz Brasília, orientou o trabalho.

Nas páginas de seu memorial, Agenor descreve o papel de sua “cuia” – a família que crescera com o tempo – em suas decisões profissionais, e relata o caminho percorrido, iniciado em Montes Claros, nas terras das Gerais, no inicio da década de 1970. Onde, junto com outros sanitaristas, implantou o primeiro projeto de saúde pública que observou regionalização, hierarquização, referência e contra referência, o que mais tarde viria tornar-se as diretrizes do SUS.

O projeto Montes Claros foi pensado como uma alternativa de atenção ao modelo excludente do extinto Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), que assistia apenas trabalhadores contribuintes com carteira assinada. Da andança pelo sertão, do ver de perto crianças morrendo de inanição, trouxe o aprendizado de viver com emoção e o compromisso de ser para o público o bem público.

Fim dos anos 1970. Brasília é seu destino. No Ministério da Saúde foi trabalhar no PIASS – Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento, projeto inovador, financiado com recursos do Inamps. Inovadora, a proposta quebrou o paradigma de financiar apenas assistência médica. Pensado para atender a região Nordeste, acabou estendido para todo o país. Prev-Saúde, PAIS, AIS, enfim, todos os programas e movimentos percussores do SUS foram acompanhados de perto pelo “Catrumano” Agenor.

Meados dos anos 1980, advento da Nova República. Os principais postos da saúde brasileira eram ocupados por integrantes do Movimento Sanitário, mas “vaidades afloraram e a esperada unificação não ocorreu”.  A transferência do Inamps para o Ministério da Saúde viria anos depois, na década de 1990. Agenor relata episódios interessantes dos anos 80. Um deles, a recusa, em 1986, do Ministro do Planejamento, João Sayad, em liberar verba para evitar a reurbanização do mosquito Aedes aegypti,  hoje, um conhecido de todos os brasileiros.

Nos anos seguintes, ele descreve o período que passou na Opas (Organização Pan-americana de Saúde); na direção da Funed (Fundação Ezequiel Dias); o retorno ao Ministério da Saúde para coordenar o desacreditado Projeto Nordeste; a ida para a recém-criada Anvisa; e o convite de seu amigo e companheiro de trabalho em Minas Gerais, o ex-ministro Saraiva Felipe, para ser secretario executivo do Ministério da Saúde; “Como servidor de carreira do Ministério da Saúde, seria a primeira vez e, talvez, a única oportunidade que alguém da minha geração de servidores teria de galgar o mais alto posto técnico do Ministério da Saúde”, escreve.

Em março de 2006, quando foi “intimado” para assumir o Ministério da Saúde, enfrentou o monopólio dos produtores de antirretrovirais, deixando  o licenciamento  compulsório do Efavirenz na reta final, implantou o preço CAP (Coeficiente de Ajuste de Preços), deixou elaborados planos de contingência para enfrentamento da gripe aviária, apoiou a implantação de cursos  inovadores de medicina nas universidades  federais de Ouro Preto e Tocantins. No período em que permaneceu no Ministério da Saúde, teve que lidar com a Polícia Federal e as Operações: Vampiro e Sanguessuga.

Em março de 2007, deixa o cargo e assume  uma diretoria da Anvisa, onde permanece até agosto de 2013. Na Agência, supervisionou as áreas de Portos, Aeroportos e Fronteiras (PAF), Produtos Derivados de Tabaco  e a de Toxicologia, responsável pela análise de agrotóxicos. Enfrentou “fortes batalhas” contra o setor tabagista ao regulamentar os aditivos utilizados na produção do tabaco.  Consulta pública promovida sobre o assunto teve episódios cinematográficos como a entrega de 97.156 cartas em um caminhão baú, todas redigidas no mesmo padrão, mesma caligrafia, textos idênticos. 

Por sua atuação, a OMS lhe conferiu o prêmio de “WORLD NO TOBACO DAY”. Em agosto de 2013, termina o mandato de diretor da Anvisa e aceita o convite para integrar a equipe da Fiocruz Brasília.

DEPOIMENTOS

“Foi uma honra muito grande participar dessa banca e coroar a carreira de um profissional brilhante, nosso ministro Agenor, que ainda tem uma longa carreira pela frente aqui na Fiocruz. Eu, representando a academia, representando essa parte formal da avaliação, fiquei muito emocionado com a trajetória de vida dele e com o relato sobre a saúde no Brasil, nesses últimos 40 anos. Muito bonito, muito bom estar aqui hoje”, disse, emocionado, o reitor da Universidade de Brasília, Ivan Camargo, ao comentar a defesa do Agenor.

Bem humorada, a professora Maria da Glória Teixeira, da UFBA, acrescentou ser difícil julgar o trabalho de quem tem um “Nobel da OMS” e teve toda a trajetória de vida marcada por construção e contribuições importantes para a saúde pública. Rememorou que, à frente da Funed, Agenor determinou que os estoques de soros antiofídicos ficassem sob a guarda de diretorias regionais de saúde e não nas mãos de poderosos fazendeiros, que os mantinham em benefício próprio e em detrimento da população. “Me sinto honrada em estar aqui e poder fazer parte dessa banca que referenda e reconhece uma história de contribuições para a saúde pública brasileira”, disse.

Márcio Galvão, da Universidade Federal de Ouro Preto, enalteceu a vida e a obra de Agenor. Destacou seu protagonismo no Projeto Montes Claros, “uma das origens mais importantes do SUS”.

Nísia Trindade, vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, ressaltou que no memorial estão descritos a construção e antecedentes do SUS, objeto de pesquisas históricas dos quais participou, como Montes Claros, PIASS e Projeto Nordeste.  E que descritos com a forja da memória ganham novos contornos, e sobretudo, relevo. “Meninos eu vi e vivi, poderia ser uma síntese da impressão causada pela leitura do memorial”.

Após o pronunciamento de todos os avaliadores, o presidente da banca, Gerson Penna,  leu um bilhete carinhoso da pesquisadora Celina Roitman para Agenor e apresentou um vídeo onde o cantor caipira Leo Azevedo explica o Linguajar Catrumano.

“Nunca pensei que conseguiria ler um memorial em poucas horas de um fim de semana, sem sentir o tempo passar. Uma delícia de texto, que me fez querer seguir de perto cada passo de sua trajetória pelos morros dos gerais, até chegar triunfante ao planalto, sempre agarrado à sua cuia afetiva. Uma dimensão importante do relato está no seu testemunho de uns quarenta anos de história das políticas públicas em saúde no país, dado a partir de um lugar privilegiado, do interior do sistema, ponto de difícil acesso à maioria dos acadêmicos. Acredito que no texto você soube usar a oportunidade para corrigir algumas interpretações e opiniões distorcidas sobre a História recente da Saúde, colocando as coisas nos devidos lugares.  Outra dimensão importante do trabalho diz respeito à gestão dos projetos dos quais participou- cada um mereceria um estudo de caso para descobrir o segredo do seu sucesso. Parabéns!!!

Mas não foi para lhe jogar confete que estou mandando esta mensagem. É que tive informação de que você terá que fazer uma prova de idioma estrangeiro antes da defesa do memorial”, assinado Celina Roitman.