Integridade em pesquisa e confiança na ciência para enfrentar a Covid-19, defende artigo

Fernanda Marques 20 de outubro de 2021


A pandemia de Covid-19 colocou a ciência no foco das atenções. Por um lado, a potência do trabalho dos cientistas, que, em pouco tempo, desvendaram detalhes moleculares do vírus Sars-CoV-2 e suas formas de transmissão, bem como desenvolveram testes de diagnóstico e vacinas. Por outro, os limites desse trabalho, com perguntas ainda sem resposta, incertezas, controvérsias e conclusões parciais sendo constantemente revistas. Qual será o impacto dessa dinâmica complexa sobre a confiança que o público tem na ciência e nos cientistas? E sobre as estratégias de enfrentamento da pandemia?

 

Refletir sobre essas questões é o objetivo do artigo “Cientistas sob o microscópio da sociedade: desafios para a integridade da investigação”, assinado pela professora Ana Sofia Carvalho, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade do Porto (Portugal), e publicado na última edição dos Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (CIADS), periódico científico da Fiocruz Brasília. Como conclusão, a autora destaca “a importância da integridade científica e, mais de que nunca, da necessidade de condutas responsáveis em investigação”.

 

Diante de uma emergência como a pandemia de Covid-19, a sociedade precisa de evidências científicas para tomar decisões individuais e coletivas, inclusive para elaborar políticas públicas. Em contextos normais, evidências podem levar anos para ser consolidadas, mas, em momentos de crise,  precisam estar disponíveis em curto prazo. Por conta dessa aceleração, o caráter provisório do conhecimento científico se torna bastante evidente: o que se recomenda hoje pode não ser mais recomendado amanhã (e vice-versa!).

 

De acordo com Ana Sofia, ser honesto e reconhecer as limitações da ciência é fundamental para cultivar a confiança na ciência e nos cientistas. “Comunicar a incerteza e a complexidade aos formuladores de políticas e ao público em geral pode ser desafiador, mas é crucial para que a confiança nos políticos e em seus consultores científicos seja mantida”, afirma a professora no artigo.

 

Se as recomendações da ciência mudam, então as decisões e as políticas precisam se ajustar e mudar também, mas manter esse alinhamento nem sempre é fácil. Ao contrário: embora as incertezas e essa dinâmica de constante revisão estejam na essência do fazer científico, muitas vezes, elas são usadas para difamar o valor da ciência e a perícia dos pesquisadores.

 

Sobretudo em momentos de crise e emergência, torna-se mais visível que cientistas podem apresentar visões diferentes sobre o mesmo assunto e questionar o trabalho uns dos outros. O que não é sinal de problema ou má conduta, pois as divergências também fazem parte do processo científico, apesar de nem todos estarem familiarizados com isso. “De repente, todos estão observando os cientistas, e eles estão vendo todos os avanços, mas também a ‘confusão’ de como a ciência acontece”, provoca a autora.

 

Nesse cenário, onde também costumam proliferar fake news, difamações da ciência podem diminuir a confiança que as pessoas têm nela, com prejuízos para a saúde e o bem-estar social. “O controle eficaz da epidemia depende do cumprimento por parte do público das determinações do governo com base em pareceres científicos. Por exemplo, a confiança em cientistas que recomendam políticas como uso de máscaras, distanciamento social, bloqueios e vacinação em massa estará associada a um maior cumprimento dessas recomendações”, lembra Ana Sofia.

 

Ao analisar a história recente dos desenvolvimentos científicos relacionados à Covid-19, a professora argumenta que, diante das possíveis ameaças à ciência, é fundamental que os cientistas reforcem e reafirmem sua “responsabilidade ética de garantir os mais altos padrões de desenho de pesquisa, coleta de dados, análise de dados, relatórios de dados e interpretação dos resultados”. Ela acrescenta ainda que, apesar da urgência por evidências científicas, “reduzir o rigor dos estudos não traria nenhum benefício, e pode distorcer o conhecimento da Covid-19, adiar uma solução real para a pandemia e criar desconfiança pública em uma possível solução”.

 

Clique aqui para ler o artigo na íntegra (em inglês)

 

 

Foto: Raul Santana / Fiocruz Imagens