Iris Pacheco (Psat/Fiocruz Brasília)
Entre os dias 13 e 15 de outubro, o município de Santo Amaro (BA), recebeu o I módulo da Formação-Ação em Promoção da Saúde e Participação Social, uma iniciativa voltada ao fortalecimento da atuação popular na construção de políticas públicas de saúde.
O curso, que acontecerá em três módulos no Centro Vocacional Tecnológico Territorial do Pescado (CVTT), reunirá educadores, profissionais da saúde e lideranças comunitárias do Recôncavo Baiano em um processo formativo que articula teoria, prática e vivências culturais. A proposta pedagógica tem como foco a reflexão sobre os determinantes sociais da saúde — fatores econômicos, políticos e ambientais que influenciam diretamente o bem-estar das populações — e sobre o papel da comunicação na mobilização social.
No módulo I, a programação contou com a participação do educador e professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Victor Aurélio, que conduziu as discussões sobre o tema “Determinação Social da Saúde e Modelo de Desenvolvimento”, a partir da memória histórica da luta e resistência negra e indígena no Recôncavo baiano. Ressaltando, as diferentes concepções que atravessam esse debate, bem como os impactos da ausência do Estado na construção de políticas públicas efetivas para a população na região.
Para o educador é fundamental que a discussão sobre o conceito de saúde como um fenômeno não somente físico, mas também mental e social junto a essas populações do campo, das águas e das florestas. “Foi muito bacana trazer alguns conceitos históricos sobre como vem se constituindo as diferentes concepções de saúde, mas também poder ouvir os movimentos sociais que vêm do território com suas especificidades no processo de saúde e poder conectar aquilo que a gente vem discutindo nas universidades com o que é vivenciado por essas populações em suas particularidades”, comentou.
É importante ressaltar que o Recôncavo Baiano ocupa um papel central na formação histórica, econômica e cultural do Brasil. A região que circunda a Baía de Todos-os-Santos, foi um dos primeiros espaços efetivamente colonizados pelos portugueses a partir do século XVI, tornando-se o berço da economia açucareira e, consequentemente, um dos polos mais importantes do Brasil colonial. Essa dinâmica gerou uma sociedade marcada por grandes contrastes: riqueza concentrada nas elites agrárias e resistência cultural e social dos povos indígenas, africanos e afrodescendentes, que deixaram marcas profundas na cultura local. Como por exemplo, as lutas pela Independência da Bahia e do Brasil durante o século XIX, onde ocorreram levantes decisivos em 1822 e 1823, culminando na vitória das tropas baianas sobre os portugueses em 2 de julho, data que se tornou símbolo da Independência na Bahia.
Maria da Conceição, indígena da etnia Payayá e representante do Movimento multiétnico indígena litoral norte e agreste baiano, compartilha que há mais de 20 anos estão nessa caminhada de conclamar as diversas etnias para a retomada de sua cultura e território.
“Nossa participação neste espaço é justamente para resgatar esses cuidados e a sabedoria ancestral que permanece entre a gente. Nossos povos acreditam muito nisso, da saúde na natureza, nas matas, a partir de uma água limpa. Eu acredito muito na proposta do SUS e que a partir daqui a gente vai construir algo que possa aumentar o cuidado de uma coletividade”, salientou.
A educanda da formação, Ivana Cunha, mulher trans e militante da causa LGBTQIAPN+ em Salinas da Margarida, relatou como uma experiência satisfatória, pois falar de saúde é falar de vida e compreender os processos históricos e sociais que permeiam a vida dos povos é pertinente e necessário.
“É um espaço que traz para nossas vivências o preconceito que vivemos. A gente vê a desigualdade nos territórios mais marginalizados, composto por pessoas majoritariamente negras, que é consequência da história de nossos antepassados. Então, é essencial que a gente debata esses assuntos e que saibamos como levar os mesmos para o público de interesse, que são aqueles menos envolvidos em causas sociais, mas que são diretamente atingidos por essa desigualdade”, refletiu.
Além deste debate, a Educomunicadora Popular e coordenadora de mulheres no Movimento Negro Unificado da Bahia, Catharina Maia, conduziu o debate sobre Comunicação em Saúde, direcionado para a elaboração de Boletim Informativo e Podcast com o intuito de conectar as experiências de organização popular com as práticas de cuidado desenvolvidas nas comunidades.
“Foi um espaço de trocas, escutas e aprendizados sobre como a comunicação popular pode fortalecer as práticas de cuidado nos territórios e reafirmou o poder da comunicação como instrumento de afeto, mobilização e transformação social”, salientou Maia.
Ao longo de todo o encontro, foi possível perceber o cuidado em articular os conteúdos teóricos com metodologias participativas, tais como, rodas de conversa, práticas corporais e uma atividade cultural, reforçando a dimensão humana e comunitária do processo educativo.
A formação busca fortalecer o protagonismo social na saúde, reconhecendo a importância do diálogo entre saberes técnicos e populares. No encerramento da etapa, foi realizada a orientação para o Tempo Comunidade, quando os participantes planejam ações de promoção da saúde em seus territórios, aplicando os aprendizados em suas realidades locais. E no próximo módulo, o debate será continuado com o retorno da aplicação dessa troca de conhecimentos e experiências neste período.
Fotos: Iris Pacheco