A Fiocruz Brasília esteve presente na Tenda da Saúde do acampamento indígena Luta pela Vida, montado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), de 22 a 28 de agosto. Na ocasião, residentes desenvolveram atividades de prevenção e promoção da saúde, além de outros cuidados em atenção básica. Também participaram da realização de testes rápidos para diagnóstico de Covid-19. O acampamento reuniu cerca de 6 mil indígenas de mais de 170 povos para reivindicação de direitos, em especial o direito à terra.
“Essa atuação dialoga com a nossa Residência Multiprofissional, que tem o propósito de promover a saúde das populações do campo, da floresta e das águas”, diz o professor e pesquisador André Fenner, do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília.
Integrantes do PSAT participam do movimento indígena há anos, atuando conjuntamente com profissionais do Hospital Universitário de Brasília. É o caso da enfermeira sanitarista e professora Jacinta de Fátima Sena da Silva, que faz parte da Comissão Político-Pedagógica da Residência Multiprofissional em Saúde da Família com Ênfase em Saúde da População do Campo. Ela destaca o acampamento Terra Livre (ATL), mobilização indígena realizada em Brasília anualmente, em abril, desde 2004, mas que não teve edições em 2020 e 2021 devido à pandemia da Covid-19. “Este ano, com o avanço sobre as terras indígenas, organizou-se o Luta pela Vida, que teve seu primeiro momento em junho, chamado Levante pela Terra”, lembra Jacinta. “As residentes vão continuar em contato com o coletivo dos movimentos indígenas, que estão preparando a Marcha das Mulheres Indígenas, em setembro”, adianta. A mobilização por direitos é permanente.
A residente Nerci Alencar Durães define esse contato como um momento de muito aprendizado. “Estamos tendo a oportunidade de realizar atividades que não estão inclusas no nosso dia a dia. Acolher os indígenas abriu uma porta de vasto conhecimento sobre sua cultura”, diz ela, destacando a importância da defesa dos direitos.
Segundo Jacinta, a experiência é muito importante do ponto de vista pedagógico e intercultural. “No campo das práticas de saúde e cuidado, é uma grande oportunidade de conhecer as diferentes etnias, estabelecer o diálogo, ter a experiência de fazer a atenção à saúde e de cuidados com esses povos. Isso contribui para a formação profissional, além da vivência como sujeito”, avalia. Na Tenda da Saúde, além do acolhimento e consultas com as equipes de saúde – enfermeiros(as), médicos(as) e estudantes da área de saúde e de outras áreas da UnB –, havia espaço para a realização de práticas de cuidado, integrativas e complementares em saúde. O grupo da Fiocruz participou do acolhimento e das práticas de cuidado e saúde, acolhendo as queixas apresentadas pelos indígenas acampados.
A residente Lícia Maria Gomes Ribeiro de Sousa comenta que, no ambiente de um acampamento, em local de clima diferente e com mudança na rotina de alimentação, podem ocorrer, por exemplo, alterações de pressão arterial e glicemia, sobretudo em pessoas com hipertensão e diabetes. “Fizemos a avaliação e o monitoramento dessas pessoas, além de outros atendimentos básicos, como curativos e orientações sobre uso correto de medicamentos”, conta a enfermeira. Lícia aproveitou a oportunidade não só para tratar das queixas, mas também para ouvir os indígenas. “Foi muito enriquecedor conhecer essa diversidade de povos e compreender melhor os desafios do SUS”, afirma a enfermeira, que identificou desafios similares aos enfrentados pela população de zonas rurais, como os grandes deslocamentos e a demora para acessar serviços de saúde. “Essa experiência ampliou minha visão do que é fazer parte das políticas públicas de saúde e me fez refletir sobre como estou contribuindo para o SUS. Foi um prazer estar a serviço dos povos indígenas, mesmo que apenas por alguns dias”, sublinha.
Em relação à Covid-19, os indivíduos que testaram positivo ficaram isolados e foram monitorados em relação à temperatura, oxigenação e demais parâmetros – em caso de sinais de gravidade, o protocolo previa encaminhamento para hospitais de referência. Mesmo quem testava negativo recebia orientações sobre prevenção da Covid-19, como a correta higienização das mãos e uso contínuo de máscara.
Para a farmacêutica Bianca Coelho, também integrante da Coordenação e da tutoria da Residência, a proximidade com os movimentos da terra, como os indígenas, traz vivências riquíssimas. “Você pratica a assistência e o cuidado na pluralidade e, ao mesmo tempo, se envolve na luta por direitos”, afirma ela, militante no movimento indígena há cerca de uma década. “Em termos pedagógicos, a experiência de atuar num acampamento indígena como o Luta pela Vida abre horizontes para que o profissional de saúde compreenda a diversidade e a necessidade de um SUS cada vez mais acessível. Acompanhar e promover a saúde indígena é uma dívida do estado brasileiro”, completa.
Egressa da Especialização em Saúde Coletiva e do Mestrado em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília, e atualmente pesquisadora de campo de um projeto sobre dengue, zika e chikungunya, Waleska Sajnovisch também foi chamada a participar das ações de monitoramento da Covid-19 no acampamento Luta pela Vida. “Sou descendente de indígenas, mas, infelizmente, tive minha história apagada; não consigo mais rastrear os registros da minha bisavó materna no Acre. Por isso, além das premissas constitucionais de defesa do território indígena, luto para que ninguém mais perca o fio da meada de sua própria história”, pontua. “As ações no acampamento me proporcionaram uma troca riquíssima, não só pelo resgate com a minha ancestralidade, mas também por poder fazer esse trabalho em massa de vigilância em saúde indígena in loco”, ressalta.
Enfermeiras da Residência Multiprofissional em Atenção Básica da Fiocruz Brasília, sob a coordenação do enfermeiro e professor Osvaldo Bonetti, do PSAT e PICAPS, também participaram das práticas de cuidado e saúde. A Fiocruz Brasília participou conjuntamente com a Fiocruz do Rio de Janeiro, responsável pela testagem de Covid-19 e doação de máscaras.
Fotos: Facebook APIB