Embaixador fala sobre saúde global na Fiocruz

Fiocruz Brasília 23 de janeiro de 2015


Durante o seminário Relações Internacionais e Saúde: Política externa e cooperação internacional em saúde, a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) recebeu o embaixador e ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores, Celso Amorim, para uma conversa a respeito das ações de cooperação internacional do governo brasileiro na área da saúde e na humanista da política externa (que inclui a luta contra a fome e a pobreza). O palestrante também abordou o quadro político geral que levou à intensificação da cooperação sul-sul e os bastidores dos acordos sobre tabaco do Fórum Índia, Brasil e África do Sul (Ibas) e dos mercados emergentes Brasil, Rússia, Índia e China (Brics). No evento, Celso referiu-se à Fiocruz como uma instituição de “orgulho para o país” e ao Brasil como uma nação solidária. “Não há, necessariamente, uma contradição entre solidariedade e interesse nacional. O programa de combate à fome é um exemplo disso”, afirmou. 

O seminário integrou as atividades do mestrado profissional em Saúde Global e Diplomacia da Saúde da Ensp, criado com o objetivo de promover discussões a respeito da dinâmica do sistema mundial e seu impacto sobre a saúde das populações. “Este mestrado é um reflexo das atitudes tomadas pelos últimos governos no sentido de aumentar a cooperação internacional em vários setores. Instituições de excelência como a Fiocruz permitem ao país ajudar parceiros mais pobres e necessitados com base em uma experiência mais fácil de ser absorvida”, comentou o ex-ministro.
 
Amorim revelou que os primeiros grandes acordos de cooperação sul-sul do Brasil ocorreram no final da década de 1980. No entanto, muitos desses acordos não saíram do papel por falta de meios práticos para efetivá-los ou vontade política. Sobre o período anterior ao de seu primeiro cargo de ministro no governo Lula (2003), o embaixador destacou que o Brasil possuía um papel ativo não só na cooperação sul-sul, mas atuava de maneira mais ampla no que chamou de ponto de interseção da política externa de saúde. Celso citou seu envolvimento em dois temas que, segundo ele, são exemplos da diplomacia aplicada a um problema de saúde: as negociações da Convenção sobre Controle do Tabaco e a questão da propriedade intelectual da saúde.
 
“A experiência na presidência da comissão que discutiu a Convenção para o Controle do Tabaco foi extremamente complexa, pois era necessário lidar não só com governos, mas com organizações não governamentais interessadas na limitação do tabaco, países que tinham no imposto sobre o cigarro uma importante fonte de receita, produtores e pequenos produtores, cuja atividade econômica não poderia ser desconsiderada”, destacou. “Esse caso, na minha opinião, pode ser um grande objeto de estudo por se tratar de um exemplo da diplomacia multilateral, já que as discussões eram muito complexas”.
 
Brasil: um país solidário
Outro exemplo da diplomacia multilateral citado foi a questão da propriedade intelectual de saúde. “O tema tem muito a ver não só com a cooperação sul-sul, mas também com as limitações e alertas que devemos ter em relação à cooperação norte-sul, que é indispensável aos países, mas em alguns casos vem empurrada por grandes interesses”, apontou Amorim ao mencionar as discussões na Organização Mundial do Comércio sobre a licença compulsória de medicamentos.
 
Sobre outras experiências à frente do Itamaraty, o ex-ministro comentou a opção da política externa brasileira em defender e avançar os interesses e valores do país no mundo sem se furtar a prestar solidariedade aos mais necessitados. “Em diplomacia e política externa sempre surge, em primeiro lugar, o interesse nacional. Ninguém nega isso e são classificados como ingênuos aqueles que colocam outros temas na frente dos interesses do país. Não enxergo necessariamente uma contradição entre o interesse e a solidariedade, a percepção pelo interesse do outro. Um grande exemplo é que países africanos se sentiam representados por nós nas grandes reuniões da OMC. O desenvolvimento da cooperação sul-sul nos habilitou a saber pedir e exigir uma cooperação adequada para os outras nações”, admitiu.
 
O diplomata revelou ser importante que a área da saúde dê ênfase ao Fórum Ibas, principalmente pelas semelhanças entres os países-membros. “São países em desenvolvimento, democráticos, multiculturais, multiétnicos e com problemas sociais. Houve uma política ativa durante o governo Lula no sentido de mudar a geografia econômica mundial e mexer na estrutura de relacionamento de países que não conversavam. O Brics tem hoje uma proeminência maior, mas o conjunto de afinidades no Ibas favorecem os acordos”.
 
Combate à fome
 Segundo o palestrante, um tema que se fixou na agenda internacional nos últimos anos e reforça a ideia de solidariedade do país diz respeito às ações de combate à fome e à pobreza. “A ação deu muita visibilidade a uma política internacional voltada para as questões sociais. O tema entrou na agenda internacional pela iniciativa do ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e do ex-presidente da França, Jacques Chirac. Foi a expressão mais forte do que se chama de poder brando e representa esse perfil solidário”.
 
Já no final de sua apresentação, o convidado falou sobre a inserção do Brasil nos programas de combate à Aids, sobre as parcerias com o continente africano e o espírito de solidariedade dos brasileiros. “A disposição do Brasil para cooperar é muito forte, mas deve haver o mínimo para dar partida ao projeto. Países como Haiti e Guiné-Bissau possuem um grande volume de cooperações técnicas, o que proporciona que entidades como a Fiocruz possam participar de um esforço colaborativo”.