Do ódio à empatia: diálogos sobre divulgação científica

Fernanda Marques 10 de novembro de 2022


“Foi o ódio, mas depois, claro, veio o amor”. Essa foi a resposta inusitada do biólogo Hugo Fernandes, quando perguntado sobre sua motivação para ingressar na divulgação científica. Em sua participação no III Seminário Internacional e VII Seminário Nacional As Relações da Saúde Pública com a Imprensa, nesta terça-feira (8/11), ele recordou um grave e triste episódio ocorrido em 2010, em que um incêndio no Instituto Butantan, em São Paulo, destruiu uma coleção científica de milhares de espécimes de serpentes reunidas por pesquisadores ao longo de mais de cem anos. Na ocasião, a mãe de Hugo tentou confortá-lo. “Pelo menos as serpentes já estavam mortas”, ela teria dito ao filho. “Nem minha mãe conseguia compreender o trabalho que eu fazia. Ficou claro que era preciso investir em divulgação científica”, contou o palestrante, que é professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

 

Para Hugo, se a ciência é uma ferramenta que vai pautar nossas ações, ela só existe se houver divulgação científica. Ele contou que achou curioso quando foi chamado pela primeira vez de influencier da ciência, uma expressão que até poderia soar pejorativa, mas não deveria. “Quando ouço um depoimento de que alguém não iria se vacinar, mas foi tomar a vacina depois que viu um post meu, aí percebo o significado do termo influenciar”, afirmou, acrescentando, ainda, que os chamados infuenciers da ciência contribuem para desconstruir o estereótipo do cientista.

 

Hugo enfatizou que, para ser divulgador da ciência, é preciso saber não só de ciência, mas também de comunicação, a fim de que os conteúdos cheguem até as pessoas de forma interessante, compreensível, com significado para a vida delas. Segundo ele, tornar-se divulgador da ciência requer investir energia, estudar, aprender a fazer roteiros, a despertar sensações, construir pontes. “É necessário estreitar a relação com os produtores de conteúdo de cultura e entretenimento”, sugeriu. Conhecer o público e reconhecer a importância da representatividade foram outras orientações de Hugo, que destacou o papel do funk do Butantan, de MC Fioti, para “furar bolhas” e divulgar a vacina da Covid-19.

 

Para falar de divulgação científica, o seminário recebeu também a pesquisadora Marina Ramalho, que integra o Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida da Fiocruz. Ao abordar a cobertura jornalística sobre ciência, Marina comentou que os veículos de imprensa costumam focar nos resultados de novas pesquisas, seus potenciais benefícios e inovação. As controvérsias e a maneira como a ciência é desenvolvida, em geral, não aparecem. “Coberturas e discursos que retratam a ciência como infalível e isenta de incertezas contribuem para uma percepção equivocada”, alertou a palestrante, que participou de forma remota.

 

Na pandemia de Covid-19, em que circularam tantos resultados preliminares e tanto se falou nos pré-prints, o público ficou confuso, mas abriu-se uma oportunidade para falar sobre como a ciência é feita. “Cientistas e pós-graduandos saíram de sua zona de conforto para falar com jornalistas e com a sociedade, e também intensificaram sua presença nas mídias sociais. A divulgação científica ganhou proeminência”, afirmou a pesquisadora. 

 

Sobre as mídias sociais, Marina destacou seu potencial de agregar mais vozes ao debate sobre ciência, ao mesmo tempo em que se intensifica o risco de propagação de fake news. Na análise de Marina, se, antes da pandemia, as pessoas já tivessem uma maior compreensão sobre os métodos e o funcionamento da ciência, estariam mais bem preparadas para avaliar as notícias e informações, em vez de desacreditarem a ciência. “A divulgação científica que se pratica hoje ainda tem muito do modelo de déficit, uma postura arrogante em que se despejam informações na audiência. Precisamos de uma divulgação da ciência mais pautada pelo diálogo e pela empatia”, concluiu a convidada. 

 

A sessão teve como moderadora a diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Luciana Sepúlveda. Assista aqui

 

A programação do Seminário segue até sexta-feira (11/11). Confira

 

As fotos do evento estão disponíveis no Flickr da instituição

 

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