O dia 31 de maio é reconhecido mundialmente pela luta contra o tabaco. Este ano, no Brasil, o mote da campanha do Dia Mundial sem Tabaco é a padronização das embalagens de cigarro. O intuito do slogan “Única embalagem para o mesmo mal” objetiva destacar o papel da embalagem padronizada como parte de uma abordagem abrangente e multisetorial para o controle do tabaco. De acordo com a coordenadora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (Cetab/Ensp/Fiocruz), Valeska Figueiredo, a campanha alerta para a não utilização dos maços de cigarro como veículos de promoção e propaganda. “Estudos apontam a capacidade de crianças bem pequenas associarem as embalagens ao fumo, além de assegurarem que os maços são uma forma de propaganda. Países que adotaram essa medida comprovaram a total eficiência na queda da iniciação ao tabagismo”, garantiu a coordenadora do Cetab.
Desenvolvida pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), a campanha pretende também facilitar o desenvolvimento de políticas para adoção de embalagens padronizadas pelos governos, fornecendo dados informativos, convincentes e persuasivos; incentivar os países a reforçarem restrições sobre embalagem e rotulagem, publicidade, promoção e patrocínio, incluindo a implementação de embalagens padronizadas; e apoiar os governos e a sociedade civil contra a interferência da indústria do tabaco nos processos políticos que levam à adoção de leis de embalagem padronizada. No Brasil, tramitam, no Congresso Nacional, três projetos de lei que tentam instituir embalagens padronizadas de produtos derivados do tabaco: PL 103/2014; PL 769/2015; PL1744/2015.
O Projeto de Lei 103/2014 propõe que as embalagens não contenham dizeres, cores e demais elementos gráficos além da marca e logomarca, em letras de cor preta sobre fundo branco, e de advertência sobre os malefícios do tabagismo, acompanhada de imagens que ilustrem o sentido da mensagem. Já o PL 769/2015 veda a propaganda de cigarros ou qualquer outro produto fumígeno e o uso de aditivos que confiram sabor e aroma a esses produtos, além de estabelecer padrão gráfico único das embalagens. O texto também transforma em infração de trânsito o ato de fumar em veículos quando houver passageiros menores de 18 anos. Por fim, o PL 1744/2015 dispõe sobre a embalagem de produtos fumígenos derivados ou não do tabaco comercializado no país.
Segundo a coordenadora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde, esses projetos envolvem quatro medidas essenciais: a implantação das embalagens genéricas, a proibição dos aditivos que conferem sabor aos cigarros, a proibição de fumo em automóveis com a presença de menores de 18 anos e a regulamentação dos pontos de venda. Para ela, todas essas medidas têm se mostrado efetivas na redução do tabagismo, em especial entre os jovens. “O maço do Marlboro, por exemplo, apenas com seu design, sem o nome da marca, é facilmente associado a ela. Diversos estudos apontam que o maço é uma forma de propaganda. A Austrália, primeiro país a implantar a introdução do maço genérico, comprovou a efetiva redução da iniciação ao tabagismo. Essa medida, junto com a regulamentação da exposição do produto em pontos de venda, evita que os maços sejam usados como forma de propaganda”, advertiu a coordenadora.
Desde a proibição de propagandas nos pontos de venda, a indústria vem adotando uma forte estratégia: o uso de displays atrativos e luminosos para venda dos produtos – próximo a balas e doces -, o que busca atrair os jovens, assim como a adição de sabor aos produtos do tabaco. “Os aditivos são apelativos para os jovens, uma vez que, ao experimentarem, muitos sentem irritação na garganta e mau gosto nas primeiras tragadas. Os aditivos, em especial o açúcar e o mentol, reduzem essas sensações ruins, tornando as primeiras experiências prazerosas”, alertou ela.
O Brasil foi o primeiro país a vedar o mentol por meio de uma medida da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); no entanto, por uma medida impetrada pela indústria, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a ação. Segundo ela, há muitos deputados que defendem os interesses da indústria e usam de diversas estratégias para emperrar o prosseguimento de projetos de lei. Ainda de acordo com a coordenadora, a proibição de aditivos, implementada atualmente pela Comissão Europeia, será uma medida de grande importância para reduzir a iniciação ao tabagismo.
O cenário nas Américas
Recentemente, a Organização Pan-Americana da Saúde, da Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), divulgou o Relatório sobre Controle do Tabaco para a Região das Américas 2016. Segundo ele, muitos países das Américas, entre eles o Brasil, têm tido progressos na implementação de políticas para controle do tabaco com o objetivo de reduzir o sofrimento e mortes em decorrência de seu uso. No entanto, ainda há muito a ser feito para impedir a propagação do produto, que mata cerca de um milhão de pessoas por ano na região. O documento delineou o retrato mais atualizado da epidemia de tabagismo em 35 Estados-membros, dez anos depois de a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMS ter entrado em vigor.
De acordo com o relatório, apenas metade da população das Américas está totalmente protegida contra os efeitos nocivos do fumo por leis que exigem ambientes livres de tabaco. O Brasil está entre os países que proíbem por completo o cigarro em locais públicos fechados e de trabalho, bem como no transporte público. O relatório também observou que avisos gráficos sobre os efeitos nocivos do tabaco são obrigatórios em 16 países (que representam 58% da população das Américas), enquanto apenas cinco países (com 27% da população da região) proíbem a publicidade, promoção e patrocínio ao tabaco, entre eles o Brasil.
Segundo Valeska Figueiredo, o Brasil sempre esteve na vanguarda do controle, mas alguns outros países, como o Panamá, têm avançado muito. O Panamá avançou muito por ter uma Classificação Internacional de Doenças (CID). A coordenadora citou também que o deputado Alexandre Molon (REDE/RJ) tem uma proposta de lei para criar uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico do Tabaco, que obrigaria a indústria, a partir da fabricação e exportação, a custear tratamento e ações de controle, o que, segundo ela, ajudaria a fortalecer a política vigente.
Impostos mais altos
Impostos mais altos sobre o produto são a estratégia mais eficaz para reduzir a procura, uma vez que os preços elevados incentivam os usuários a desistir do fumo e desencorajam outras pessoas a começar a fumar. Valeska descreveu que um estudo recente aponta redução na prevalência de jovens fumantes entre 2008 e 2013, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a coordenadora, a indústria se utiliza do argumento do aumento no preço do cigarro para justificar o contrabando. “Nos anos 1990, a indústria usou esse mesmo argumento, o governo reduziu os impostos, e a indústria aumentou. Há estudos também que comprovam que a política de aumento de impostos não aumentou o contrabando. A verdade é que se a indústria grita contra, como faz com a questão dos impostos, é porque é ruim para ela”, alertou a coordenadora.
O aumento dos impostos, no entanto, é a medida da Convenção Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) que teve menor progresso. O Chile é o único país da região das Américas onde os impostos sobre os cigarros representam mais de 75% do seu preço de venda no varejo. Outros países como Argentina, Jamaica e Peru tomaram medidas, recentemente, para aumentar a tributação, embora sem chegar aos 75% recomendados pela OMS. No Brasil, a taxação totaliza 64,94% do preço do produto no varejo.
Brasil é premiado
No Dia Mundial sem Tabaco, a Opas/OMS vai premiar a Organização não governamental brasileira Aliança de Controle do Tabagismo por seus esforços para promover a adoção da embalagem padronizada de maços de cigarro no Brasil. A iniciativa está prevista pela CQCT e busca restringir ou proibir o uso de logos, cores, imagens da marca ou informações nas embalagens de cigarros. Apenas os nomes da empresa e do produto em cor e fonte padronizadas seriam permitidos.
No Brasil, a Aliança de Controle do Tabagismo promove campanhas nas redes sociais e na mídia em defesa dessa medida da Convenção, além de fazer pressão no Congresso Nacional. A ONG também luta para rebater e invalidar argumentos da International Tobacco Growers Association, considerados “falaciosos”. A Aliança conseguiu o apoio da sociedade civil às embalagens padronizadas e o suporte a outras medidas de controle do tabaco entre membros de associações médicas, grupos de defesa de pacientes com câncer, grupos de saúde da mulher e outros que defendem meios de vida sustentáveis.
Sobre o Dia Mundial sem Tabaco
O Dia Mundial sem Tabaco foi criado pela Organização Mundial da Saúde em 1987 como um alerta sobre doenças e mortes evitáveis relacionadas ao tabagismo. Dados da própria entidade se referem a uma epidemia global do tabaco que mata quase 6 milhões de pessoas todos os anos. Dessas, mais de 600 mil são fumantes passivos (pessoas que não fumam, mas convivem com fumantes).
O tabagismo é a principal causa de morte evitável no mundo, respondendo por 63% dos óbitos relacionados a Doenças Crônicas Não Transmissíveis, 85% das mortes por doença pulmonar crônica, 30% das mortes por diversos tipos de câncer (pulmão, boca, laringe, faringe, esôfago e outros), 25% dos óbitos por doença coronariana e 25% das mortes por doenças cerebrovasculares. A previsão da OMS é que, se nada for feito, o mundo passe a registrar mais de 8 milhões de mortes por ano a partir de 2030, e mais de 80% delas devem atingir pessoas que vivem em países de baixa e média renda.