Credibilidade das informações na internet é apontada como grande desafio para a Saúde Pública

Fiocruz Brasília 9 de novembro de 2015


Durante Seminário, jornalistas, cientistas e pesquisadores discutiram sobre a cobertura da imprensa em casos de dengue, chikungunya, zika  e ebola

A cada 60 segundos trafegam pela internet 138,8 milhões de e-mails, são realizadas 2,66 milhões de buscas no Google, postados 433 mil twitts e vistos 5 milhões de vídeos no Youtube. Esta explosão de informações originadas nas mais diversas fontes foi apontada como o grande desafio para a Saúde Pública durante os debates no Seminário Relações da Saúde Pública com Imprensa – Casos Ebola, Dengue, Chikungunya e Zika, realizado no dia 05 de novembro na Fiocruz Brasília. O encontro, promovido por sua Assessoria de Comunicação, foi aberto por Gerson Penna, diretor da unidade e reuniu jornalistas, cientistas e pesquisadores de diversas instituições.

Ebola foi o tema do debate no período da manhã. Angela Pimenta, do Observatório da Imprensa/Projor foi a coordenadora da mesa que contou com a participação de Natália Lambert, do Jornal Correio Braziliense, Camila Rabelo, do Ministério da Saúde, Valéria Mendonça, do Núcleo de Estudo Saúde Pública da Universidade de Brasília e José Cerbino, vice-diretor do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz.

Angela tratou da crise mundial da produção e distribuição de notícias. Observou que a revolução digital provocou impactos como o rompimento do modelo de negócios da imprensa, a desintermediação do conteúdo noticioso, via redes sociais e uma crise econômica e existencial do jornalismo. Assim, temos um crescimento explosivo da produção de conteúdos na internet, um congestionamento de anúncios, especialmente nas plataformas móveis, e a publicidade disfarçada e, também, competição em pé de igualdade entre as publicações jornalísticas estabelecidas e as novatas, mais propensas a ser menos rigorosas na apuração e checagem de fatos.  A demissão em massa de profissionais da imprensa e a perda de receitas por parte dos veículos tradicionais são resultados desta crise, pois o custo de produção da notícia mantem-se constante e a receita obtida com as redes sociais é 40%  menor. O cenário foi comparado ao de uma hidrelétrica que abre os vertedouros, a água sai em profusão e traz consigo mudanças profundas. 

Ao analisar o caso Ebola, observou que os mapas da fome e o de expansão da doença na África em 2014, ambos produzidos por organismos da ONU (FAO e OMS),  se sobrepõem e apontam os mesmos países da África Ocidental. A respeito do caso suspeito no Brasil disse “o fato do suspeito zero, o guineano Souleymane Bah, ter sido diagnosticado como negativo, não pode ser interpretado como indício de que houve exagero”. Para Angela, as autoridades sanitárias não se esconderam, explicaram e tranquilizaram, os protocolos de segurança foram estritamente obedecidos e a mídia comportou-se com razoável cuidado.

Natalia Lambert, subeditoria de Política e Brasil do Jornal Correio Braziliense, falou da concorrência com as redes sociais, com outros veículos e da necessidade de passar a informação correta o mais rápido possível. Destacou o impacto da perda de repórteres especializados em saúde, ressaltando a importância de estabelecer parcerias com autoridades sanitárias e profissionais de saúde para produzir notícias fidedignas. “A imprensa tem um papel importante de serviço, de informar sem provocar alardes”, disse ela.

Valéria Mendonça, coordenadora do Nesp/UnB, discorreu sobre a infodemia – informação em excesso que se encarrega em manter as pessoas aterrorizadas. Lembrando que o que difere o veneno do remédio é a dose, disse que não somos obrigados a responder a tudo imediatamente que podemos parar, pensar, refletir, mas queremos que a mídia responda a tudo de imediato.  Destacou que informação não é comunicação e que “o sujeito da comunicação não é o meio, mas a interelação. Importante não é o que diz o meio, mas o que fazem as pessoas com o que diz o meio, com o que elas veem, ouvem e leem.”

José Cerbino, vice-diretor do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fiocruz, onde ficou internado o paciente com suspeita de caso de Ebola falou que o jornalista têm três funções durante as emergências de saúde pública:  divulgação de informações precisas para o público, profissionais de saúde e gestores;  atuar como intermediário entre o público, autoridades e especialistas,  e monitorar o desempenho das instituições responsáveis pela resposta às emergências.

Destacou a dificuldade de encontrar profissionais preparados para lidar com comunicação de risco e relatou a experiência do CDC- Centro de Controle de Doenças de Atlanta, nos Estados Unidos, quando foram anunciados casos suspeitos de Ebola no país. Eles observaram picos de busca de informação na internet a cada anúncio e por intermédio de uma ferramenta de análise do Twitter, mapearam as principais dúvidas do público, que foram respondidas nos comunicados divulgados. Angela Pimenta comentou ser o Twitter muito interessante para o gestor público, pois possibilita formar uma biblioteca de dados, criar grupos de interesse comum e assim fazer a curadoria da informação.

Para Camila Rabelo, da Comunicação do Ministério da Saúde, agir com rapidez e transparência para não perder a credibilidade é a premissa que norteia as ações do ministério em situações de crise. “Ao lidar com algo desconhecido, por exemplo, uma nova doença, o ministério entende que a busca por informações será muito maior e que não será a única fonte.  E mais, que a pessoas receberão as informações de formas diferentes, muitos com receio, medo. Assim buscamos estabelecer uma relação de confiança com a imprensa, com a população e buscar uma rede de apoio de especialistas”.

Esclarecer rapidamente os boatos que circularam nas redes sociais – Facebook, Twitter e WhatsApp – foi o grande desafio enfrentado no caso Ebola.  E o monitoramento constante das informações veiculadas foi uma das ações de comunicação estabelecidas no plano de contingência desenhado pelo ministério  em articulação com as secretarias de saúde após a OMS – Organização Mundial de Saúde declarar risco internacional no caso Ebola. 

Dengue, Chikungunya e Zika

Em 2015, foram registrados mais de 1,4 milhão de casos de dengue no Brasil. Mas esta não é a única doença transmitida pelo mosquito aedes aegypti.  Chikungunya e zika são transmitidas pelo mesmo mosquito e têm alguns sintomas semelhantes. Essas três doenças também foram tema de debate no Seminário As Relações da Saúde Pública com a Imprensa.

A jornalista Lígia Formenti, do Estado de S. Paulo destacou a mudança na cobertura da imprensa nos casos de dengue no Brasil. De acordo com ela, como a doença, a cobertura era feita em ciclos e depois o assunto era esquecido. Nos dias atuais, a cobertura deixou de ser feita durante as epidemias e passou a ser realizada durante todo o ano. “Será que é o reflexo do próprio comportamento da doença? A dengue ao contrário do que nós vimos em outros anos não está dando trégua. Tem a redução de casos, mas continua”, explicou a jornalista. Ela destacou a explosão de casos em São Paulo, resultando em um grande número de mortes. Formenti acredita que como a doença atingiu a maior cidade do Brasil, local onde fica a sede de dois jornais de peso do país, houve mais espaço nos veículos para se falar mais sobre o assunto durante todo o ano.

“Esta é uma grande oportunidade para se discutir o tema e ir além da contagem de casos. A cobertura da dengue nos últimos anos se pautou muito pela contagem de casos ou mortes. Com essa mudança podemos ir além e ver o que pode ser feito e pensar também sobre a responsabilidade da população e a falta de preparo de alguns profissionais de saúde”, refletiu. Já com relação à chikungunya e zika, a jornalista acredita que não teve grande cobertura por ter uma frequência baixa de mortalidade.

Um dos grandes desafios enfrentados pelo Ministério da Saúde, segundo a coordenadora de redação Camila Rabelo, é comunicar a complexidade do enfrentamento à dengue, que envolve a população e as esferas estadual, federal e municipal do governo. “Temos que dividir a responsabilidade. O objetivo é comunicar de forma clara e não fazer alarde. Informar e provocar mudanças de hábitos da população e nos estados e municípios”, ressaltou.

O publicitário Bruno Botafogo, ex-assessor de publicidade do Ministério da Saúde, aponta que com a internet, as informações correm de maneira extremamente rápida e todos são difusores de informações. Bruno ressaltou que é preciso pensar na comunicação integrada para acompanhar esta velocidade, principalmente quando se trata de saúde, aspecto classificado pelos brasileiros como o mais importante. Para ele, “a informação é saúde e protege”.

A chikungunya já atingiu cerca de 1,7 milhão de pessoas em mais de 40 países. A doença é marcada por dores articulares intensas decorrentes das inflamações que impedem os doentes de desenvolver atividades cotidianas por longos meses, como pentear o cabelo e até mesmo sair da cama.

Para o diretor da Fiocruz do Mato Grosso do Sul, Rivaldo Venâncio, é preciso dialogar com a população e a parcela dos profissionais da área da saúde sem esquecer a dimensão do problema e o cenário da epidemia que tende a se agravar. No Brasil, foram confirmados casos autóctones (contraídos dentro do próprio país) em Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Sergipe. Porém, para Venâncio, não é possível saber com certeza quantos casos de chikungunya e zika ocorreram este ano no Brasil, já que muitas pessoas, ao manifestarem sintomas da doença, não procuram ajuda médica. De acordo com ele, é possível perceber que nem sempre a zika se apresenta de maneira benigna e pode trazer complicações, diferente de como tem sido divulgado.

“O desconhecimento das doenças por parte da população e dos profissionais de saúde e a dificuldade para realização do diagnóstico laboratorial são desafios que enfrentamos ainda. É preciso dar a devida importância”, ressaltou. 

Gerson Penna, diretor da Fiocruz Brasília e mediador da mesa, afirmou que o enfrentamento das doenças é um desafio para a humanidade e para a comunidade científica tecnológica, não apenas para o governo. “A tecnologia nos proporciona uma maior velocidade na propagação das informações. O que conseguimos prevenir com essa velocidade? Estamos preparados?”, questionou Penna.