Os hábitos alimentares da Bahia foram influenciados pela cultura africana e pelo candomblé. Os terreiros desenvolvem práticas alimentares readaptadas e reinterpretadas ao nosso país, mas relacionados com os povos do outro lado do Oceano Atlântico. Os alimentos são uma forma de se comunicar com os antepassados e deuses desta religião, em busca de senti-los pelo aroma, cores e sabores característicos daquela cultura.
No artigo Adorcismo, nutrição e saúde nos candomblés da Bahia, publicado na mais recente edição da Revista de Alimentação e Cultura das Américas (número 3, volume 1), a autora Denize de Almeida Ribeiro refletiu sobre a alimentação de terreiros de candomblé na região de Novos Alagados, bairro da periferia da capital baiana e, segundo ela, uma das áreas mais desassistidas pelo sistema de saúde municipal.
Para realizar a etnografia, que é um tipo de estudo voltado à descrição da cultura de um povo e suas atividades, ela trabalhou com observação participante, que requer a integração do pesquisador com a comunidade para entender um fenômeno, e entrevistou lideranças religiosas e os responsáveis pela alimentação em quatro terreiros da região. Ela relata que testemunhou a compra, elaboração, serviço e destinação das sobras, registrando o cotidiano das comunidades de culto e sua clientela.
As práticas alimentares da saúde vão desde a abordagem terapêutica do alimento, tendo os nutrientes como causadores do mal ou solucionares de determinado problema de saúde, passando também pelos sentidos e símbolos dos alimentos. Na religião do candomblé, os alimentos são também classificados por critérios étnico-culturais, como “comida de branco X comida de negro”, “comida de santo X comida de pecador”, “comida seca”, “comida fria”, cada um com suas respectivas atribuições, interpretações e significados.
Nos resultados, a autora descreve que os terreiros são “espaços terapêuticos que atuam com atendimento direto, oferecendo recomendações e diversos significados aos problemas trazidos, os quais são reinterpretados e tratados por meio da consulta aos búzios, das comidas, das folhas sagradas, dos sacrifícios, das obrigações e de recriação de um mundo mágico capaz de ressignificar e de domar o mal. Todas as entrevistadas orgulham-se em contar como conseguiram curar inúmeras pessoas que procuraram a sua casa e também afirmaram que se iniciaram no Candomblé por motivo de doença, um mal-estar que só melhorou e encontrou resposta nessa religião.”
A comida, segundo o texto, é parte de um ritual de comunicação com os deuses e um ritual de saúde que requer preparar o espaço, se banhar, se vestir, e se envolver em axé via práticas sacralizaras como a cromoterapia, aromaterapia, musicoterapia e dietoterapia. “Então, na Bahia, ao encontrarmos as comidas sagradas nas ruas, o acarajé, o abará, o caruru, o vatapá, a pipoca, as farofas, os mingaus etc. assistimos e sentimos o cheiro, o som, o colorido, o sabor e todos os dias presenciamos um ritual de multiplicação do axé vital do povo negro, sacralizando o seu território.”
Ela ressalta que mesmo quem não é do candomblé vivencia desse hábito “de comer do azeite, o sangue vermelho, sagrado, cheio de axé e de saudades da África.”
A Revista de Alimentação e Cultura das Américas é uma revista científica trilíngue (português, espanhol e inglês), semestral e de acesso aberto, editada pela Fiocruz Brasília por meio do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura e que contempla pesquisas sobre a cultura alimentar como campo interdisciplinar. Clique aqui para ler o texto completo.