“Ainda é cedo para comemorar o controle do mosquito Aedes aegypti”, diz pesquisador

Fiocruz Brasília 30 de março de 2017


Panorama das arboviroses transmitidas pelo mosquito foi apresentado durante encontro. Pesquisas realizadas pelo Brasil no decorrer da epidemia de zika foram destacadas

Um mosquito, várias doenças. O Aedes aegypti, conhecido popularmente no Brasil como o mosquito da dengue, também transmite zika, chikungunya, febre amarela urbana e febre de mayaro. O panorama das arboviroses transmitidas por esse mosquito foi tema de debate realizado ontem, 29 de março, no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília. O 3º Encontro da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas (Renezika) teve a participação de pesquisadores nacionais e internacionais, gestores, profissionais da saúde e representantes da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A rede, criada em 2016, tem 210 membros nacionais e internacionais, sendo 189 especialistas e 21 instituições.

“Ainda é cedo para festejar o controle de epidemias e do mosquito Aedes aegypti”, ressaltou o médico infectologista e professor da Universidade de Pernambuco Demócrito Miranda Filho, ao falar da diminuição de casos de zika. O Aedes aegypti também esteve no centro do surto de zika e da correlação com a microcefalia em crianças recém-nascidas. O pesquisador explicou que com as mudanças climáticas, o comportamento do transmissor também mudou, o que dificulta as ações de combate. Ele ressaltou que não é possível falar de erradicação de nenhuma doença, e sim controle.

Demócrito citou uma publicação de 1952 com resultados sobre a zika, mas que classifica como conhecimento perdido por não ter sido usado. Ele afirmou que o conhecimento sobre as complicações neurológicas e outras manifestações da doença como comprometimento da visão, audição e retardo neuro-psicomotor ainda é recente, de 2015 até os dias atuais.

Casos de microcefalia pós-natal – bebês que nasceram com a circunferência craniana normal e posteriormente desenvolvem microcefalia – foram apresentados pelo professor. Hoje, há a proporção de 11 crianças sem microcefalia, para uma com a síndrome. “A microcefalia é só a ponta do iceberg, mas as consequências são graves e a evolução é ruim. O espectro da zika só será conhecido em um longo período, ainda há muito estudo”, completou.

A atuação da Fiocruz no combate ao mosquito e nas pesquisas das arboviroses foi destacada durante o encontro. O pesquisador e professor do Departamento de Microbiologia da USP, Paolo Zanotto, falou do envolvimento das unidades da Fiocruz e do Instituto Evandro Chagas em 2015, ano em que foi identificada a epidemia do vírus zika no Brasil, em que um grupo pesquisava a associação do vírus com a microcefalia.

Paolo destacou também as outras pesquisas realizadas no Brasil. Desde o 2º semestre de 2015, foram publicados 150 artigos em jornais e revistas como Cell, Nature, The Lancet e Science. Para o pesquisador, apesar das dificuldades com as doenças emergentes, as pesquisas representaram uma resposta fundamental e única, uma ação coletiva, organizada, com a articulação rápida dos grupos de pesquisa. “É uma forma de tentar dar uma vida melhor à sociedade”, opinou.

Para o professor é um problema a falta de exatidão no número de casos microcefalia associada ao zika, uma vez que os diagnósticos são feitos de forma diferente pelas equipes de saúde o que dificulta dimensionar a situação real. A isso, acresce-se o fato de muitas mães não estão levando os filhos doentes às unidades de saúde.

O pesquisador da Fiocruz Brasília Claudio Maierovitch destacou que é preciso publicizar todas as pesquisas já que a quantidade de perguntas sobre o tema não está diminuindo, e sim aumenta a cada nova verificação. Para ele, é importante olhar para as emergências como transformadoras das práticas da população e dos profissionais de saúde da vigilância, da epidemiologia e da atenção. “Temos preocupação e responsabilidade enorme em relação às arboviroses. Nosso papel é acelerar esse processo, tornar mais evidentes as consequências, necessidades e trabalhar equidade da população, para que não sejam esquecidos”, afirmou.

As famílias das crianças com microcefalia foram lembradas pela pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) Joyce Schramm. Ela relatou que o primeiro encontro que teve durante um seminário com as mães dos bebês foi impactante. Durante a apresentação, citou texto publicado pela antropóloga Débora Diniz, que fala sobre o perfil dessas mulheres: jovens, agricultoras rurais ou desempregadas, pouco escolarizadas, dependentes dos serviços de saúde e transporte para medicalizar precocemente seus filhos.

Joyce destacou a necessidade de organização dos serviços de saúde para fazer face às consequências da epidemia de zika, tema que, segundo ela, é pouco abordado em artigos e pesquisas. Schramm disse não estar surpresa com o cenário que existe hoje e lembrou do importante papel do Sistema Único do Saúde, que apesar dos problemas de acesso, possui uma cobertura de 80%. “E a tendência é aumentar. O sistema gratuito é indispensável para a maioria dos brasileiros. A ausência do SUS com certeza seria uma barbárie sanitária”, defende.

A febre mayaro foi evidenciada pela pesquisadora Lívia Martins, do Instituto Evandro Chagas. Este não é um vírus novo, foi identificado pela primeira vez em 1954 e pode ser transmitido por mosquitos vetores urbanos que já estão espalhados pelo mundo. Segundo a pesquisadora, o vírus pode ser transmitido pelo Aedes aegypti em laboratório, ainda que esse não tenha sido observado naturalmente.

Há registro de ocorrência da doença na Amazônia, Mato Grosso e Goiás, e de dezembro de 2014 a junho de 2015, foram confirmados casos no Pará e Tocantins. As doenças são uma das preocupações de Lívia. “Todas essas doenças trazem implicações na saúde pública. Todos os pesquisadores precisam estar atentos às infecções e o que esses vírus causam na nossa sociedade”, finalizou.

Experiência

As ações realizadas pelo Brasil no decorrer da epidemia de zika foram exitosas, as estruturas e mecanismos de respostas existentes no sistema nacional de vigilância foram fundamentais e os serviços de vigilância e institutos de pesquisa atuaram de forma harmônica. Estas foram algumas reflexões apresentadas pelo pesquisador Wanderson Oliveira, do CIDACS – Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde da Fiocruz, durante o Encontro. O epidemiologista participou da mesa “Experiências de resposta à emergência em Zika em diferentes países” junto com Sandra Girón, do Ministério da Saúde da Colômbia.