“Acredito que o meu papel como psicóloga será ajudar, acolher, atuar não só como psicóloga, mas como ser humana, com empatia, com amor, pelo meu povo, porque a gente é tudo parente, não tem essa diferença.” As palavras carregadas de afeto são da jovem psicóloga Nicole Mendes, de 25 anos, indígena da etnia ticuna.
Nicole é umas das 37 selecionadas em um universo de mais de 3 mil inscritos no processo seletivo, aberto em abril, para agentes públicos que irão atuar no Centro de Referência em Direitos Humanos Yanomami e Ye’kwana (CRDHYY) e no Centro de Atendimento Integrado à Criança Yanomami e Ye’kwana (CAICYY).
A psicóloga, ao lado de antropólogos, assistentes sociais, enfermeiros, tradutores e intérpretes e outros perfis, compõe a equipe multiprofissional que irá atuar nesses Centros. Do dia 26 a 30 de maio, os profissionais participaram do primeiro ciclo de formação, promovido pela Fiocruz Brasília, em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), por meio da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. A qualificação ocorreu na Universidade Federal de Roraima (UFRR), em Boa Vista, cidade em que estão localizados os Centros.
Apesar de Brasília estar a 2.383 km de distância de Roraima, via aérea, o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira, reiterou que “nenhuma ação será pensada ou executada a partir de Brasília, mas sim construída coletivamente com os agentes públicos e, principalmente, com os povos originários”. O secretário complementou, ainda: “nada por eles, sem eles. Essa será a tônica das nossas ações”.
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, defendeu que a formação dos agentes públicos será essencial para a garantia do respeito aos saberes tradicionais dos povos yanomami e ye’kwana. “Nós [Fiocruz Brasília] nos somamos a essa iniciativa tão importante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, em especial à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, para estruturarmos a estratégia de formação. A semana de formação é um momento de construção de um plano de trabalho coletivo, de trocas, considerando a interdisciplinaridade da equipe que é tão necessária para acolher e identificar as reais necessidades desses povos, para que, de fato, as práticas aplicadas nos Centros sejam efetivas para a garantia da vida com dignidade dos yanomamis e ye’kwanas”, afirmou a diretora em sua mensagem de boas-vindas na abertura da formação.
O sentimento que moveu Nicole a se inscrever no processo seletivo para trabalhar com as demandas de saúde mental dos povos yanomami e ye’kwana encontrou eco em Icleia Castro. Para a administradora pública, que já atuava com direitos humanos, “participar desse Projeto é mais do que um cargo técnico, é um compromisso ético, faz parte do meu propósito de vida”. Icleia irá atuar como coordenadora-geral das ações do CREDHYY e na articulação das parcerias, acompanhando o trabalho da equipe em campo.
Os Centros são uma resposta à crise humanitária vivida pelos povos originários na Terra Indígena Yanomami (TIY). E profissionais indígenas de diferentes etnias se sensibilizaram nessa união de esforços pela proteção dos direitos dos yanomamis e ye’kwanas, como foi o caso de Enilso Sanöma.
“Eu estou aqui para falar como funciona a minha aldeia, o meu povo. Alguns não entendem bem o português, não falam e não explicam bem o que estão sentindo. Estou aqui para falar como é a saúde dos adultos, das crianças, dos jovens da minha comunidade. Quando me perguntarem, eu conto direitinho”, afirmou Enilso, liderança do povo sanöma.
Processo de formação
Esse primeiro ciclo de formação contemplou oficinas, rodas de diálogo e capacitações específicas voltadas à atuação interdisciplinar, com foco na escuta qualificada, respeito cultural e abordagem humanizada.
O processo de formação, com encontros previstos para os próximos meses, é pautado na dinâmica de troca de saberes, de atualização de informações e de qualificação desses trabalhadores e dessas trabalhadoras. O objetivo é que compreendam o seu papel na abordagem, no cuidado e na recepção aos indígenas para a garantia dos seus direitos.
“Faz parte do processo de formação da Fiocruz Brasília, no qual a base pedagógica é a educação popular em saúde, a troca de saberes com afeto e amorosidade”, definiu Bianca Coelho, pesquisadora do Núcleo de Educação Popular, Cuidado e Participação na Saúde (Angicos/Fiocruz Brasília) e consultora indigenista do Projeto.
A iniciativa é fruto do projeto Fortalecimento das Políticas de Defesa e de Promoção dos Direitos Humanos para os Povos Indígenas do Estado de Roraima, TED 01/2024, firmado entre a Fiocruz e o MDHC. A execução do projeto tem apoio da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec).