“A comunicação deve estar presente na formação do cientista”, diz pesquisador

Fiocruz Brasília 24 de março de 2017


Confira a entrevista do  vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Manoel Barral-Neto.

A aula inaugural do ano letivo da Escola Fiocruz de Governo foi realizada pelo Vice-Presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz Manoel Barral-Neto. Em entrevista à repórter Nathállia Gameiro, da Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília, ele falou sobre as prioridades da sua gestão, do papel da instituição na capacitação de profissionais de saúde e a importância da política de comunicação da Fiocruz. Confira a entrevista e o vídeo

Qual o balanço que se pode fazer dos primeiros dias da gestão? Qual o principal desafio? 

Os primeiros dias de gestão são de articulação da equipe, temos muitos planos em conjunto, a ideia é não ficar com planos divergentes, mas ter uma coerência nas ações realizadas. O grande desafio é enfrentar a crise da saúde pública, no ponto de vista principalmente da emergência viral, com a escassez de recursos devido à crise econômica. Então é um desafio bastante importante se fazer o máximo com poucos recursos. Nessa hora que a gente consegue demostrar eficiência e a capacidade da Fiocruz. 

Quais são as prioridades da sua gestão? 

Na vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação, em termos de educação, as duas prioridades são a consolidação da integração do nível de pós-graduação stricto e lato sensu (especialização, mestrado e doutorado) e um trabalho de integração de desenvolvimento dos programas de residência médica e multiprofissional nos institutos nacionais, principalmente, onde o perfil destas residências precisa ser melhor definido.  O grande desafio se situa no atendimento dos demais seguimentos no setor da saúde pois a Fiocruz é um órgão do Ministério da Saúde e ela tem essa missão de educação no campo da saúde.
Estamos falando, por exemplo, na vigilância. Temos uma crise no campo da vigilância no Brasil e, em grande parte, isso se deve à capacitação de pessoal, então é preciso investir muito nesse campo. Quando se fala na capacitação do pessoal da vigilância, estamos falando de números muito grandes e com profissionais de diferentes perfis, em diferentes locais e com diferentes acessos à informação. Então é uma tarefa enorme que nós precisamos organizar e enfrentar. 
A Fiocruz já tem muitas ações nesse campo e é preciso realmente mapear, ver as áreas em que ainda é necessário esforço adicional, ver áreas em que devemos colaborar com outras instituições para alcançar os objetivos. Então, a capacitação para o restante do setor saúde, não apenas do setor acadêmico do ponto de vista mais estrito, é que é o grande desafio, mas temos muitos outros exemplos que podemos citar. Cabe também um programa de capacitação rigoroso para o complexo econômico Ministério da Saúde, para o sistema prisional brasileiro, a saúde das prisões, não só da população privada de liberdade, mas também para quem trabalha nas prisões, as famílias de quem está privado de liberdade. É um desafio enorme e o nosso grande esforço, no momento, é organizar esse tipo de capacitação. 

Qual a importância da educação continuada?

Na verdade, se impõe essa discussão. Na graduação, a Fiocruz não tem um envolvimento direto. Estamos falando de capacitação de diversos níveis, inclusive de nível técnico, para muitas atividades que são importantes para o funcionamento do setor saúde.  E, completada a primeira etapa dessa transformação, é necessário manter os indivíduos atualizados. O desafio é grande mas tem que ser enfrentado. Idealmente, esse tem que ser o nosso objetivo – uma educação permanente, uma educação presente. A educação deve ser estimuladora, atrair a atenção das pessoas, ir além de necessitar, incentivar que queiram também fazer.  É bastante importante ter em mente que educação não é só capacitar uma vez, mas manter as pessoas atualizadas.

Qual a avaliação o Senhor faz da Escola Fiocruz de Governo e o que espera para os próximos anos?

É aí que entra a importância da Escola no momento – nesse desafio de capacitar o pessoal do SUS, de capacitar do pessoal de saúde, o que é nossa missão nossa primária. E essa capacitação é o grande objetivo da Escola Fiocruz de Governo (EFG). Há dois modelos de Escola de Governo, um que é a capacitação dos funcionários, do pessoal do governo e a outra é a capacitação do pessoal necessário para o desempenho de ações do governo. No caso da EFG, a interpretação que nós desejamos é a mais abrangente que inclui não apenas o servidor público, mas todas as pessoas que trabalham no SUS e que precisam estar bem capacitados para que o SUS funcione adequadamente. É uma visão ampla vai além de capacitar o servidor. 
O que nós desejamos da EFG é que ela realmente assuma esse papel do grande agente de capacitação de pessoal para o SUS, não de forma isolada pois ela, evidentemente, vai colaborar, integrar esforços de outras instituições, mas a Fiocruz e o Ministério da Saúde têm uma importância intrínseca. Ela deve ter um papel destacado nessa capacitação. É claro que a gente não pretende ser a única Escola de Governo a fazer isso, não pretende ser isolado porque seria tarefa enorme e precisamos de colaboração. Com certeza a EFG vai interagir com muitas outras instâncias da educação. Mas ela deve ter um papel predominante na questão da observação para os outros seguimentos não só do acadêmico do campo da saúde.

Como o ensino na Fiocruz  entra em consonância às necessidades emergenciais do SUS, relacionadas às arboviroses como o zika, por exemplo?

Esse é um desafio que a Fiocruz já enfrentava  antes mesmo das emergências. O Brasil e a Fiocruz já estavam cuidando disso e a maior prova que isso não nos pegou desprevenidos foi a resposta dada pela comunidade científica brasileira, em saúde nesse caso, ao problema da zika. O problema identificado foi o  envolvimento severo do sistema nervoso com os casos de microcefalia e outras manifestações. A ciência não havia descrito este problema como uma infecção decorrente da zika . Isso foi detectado  e descrito no Brasil e produziu-se uma quantidade importante de conhecimento o que ainda não é suficiente. É preciso continuar esse esforço, mas isso mostra que a Fiocruz e outras instituições brasileiras vem preparando pessoal capaz de dar resposta às demandas de saúde pública. E olha que a gente está enfrentando uma crise que não tem precedentes, é uma infecção arboviral seguida de outras e algumas concomitantes. É algo que realmente estamos com um desafio enorme e o sistema tem respondido. Evidentemente isso nos alerta que ainda temos que fazer ainda mais, expandir esse esforço, começar a pensar o que é necessário no futuro para que a gente detecte isso ainda mais precocemente do que foi feito dessa vez.

No caso das arboviroses, há alguma orientação aos professores que fazem parte do corpo docente da Fiocruz?

O sistema de educação da Fiocruz é um sistema que tem uma boa comunicação entre os diversos setores e a Câmara Técnica de Ensino é bastante ativa. Deveríamos chama-la de Câmara Técnica de Educação no sentido mais amplo pois é, basicamente, uma representação de todos os responsáveis pela educação em cada unidade da Fiocruz. Então essas mensagens, essas grandes decisões nesse campo são tomadas em conjunto na Câmara Técnica do ponto de vista de recomendação do Conselho Deliberativo. Então o Conselho sanciona ou sugere alterações, mas claramente o sistema funciona de forma muito integrada pela discussão e contribuição das diversas unidades.

O Senhor assumiu a vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação e a Fiocruz acabou de elaborar a sua política de comunicação. Qual a importância da comunicação para uma instituição do porte da Fiocruz e que diretrizes ou linhas pretende adotar para que a nossa política seja de fato incorporada junto às unidades que compõe a Fiocruz?

No campo da comunicação, o encaminhamento e a aprovação de uma política pela Fiocruz é resultante de uma discussão das unidades, posteriormente proposta ao Conselho Deliberativo. A gente sempre tem a grande esperança que essa política será incorporada e ativada pelas unidades porque ela não foi imposta, foi emanada de uma decisão coletiva.  É uma tarefa da vice-presidência, em conjunto com as unidades, continuar esse esforço para estabelecer um cronograma de aplicação das medidas que efetivem a política.  Estamos trabalhando nisso na próxima reunião da Câmara, vamos discutir etapas e progressos e, claramente, temos o grande objetivo de discutir a ciência aberta. 
A Fiocruz tem uma política de dados abertos e é necessário amplia-la cautelosamente, com o cuidado necessário, mas precisamos chegar em uma discussão clara sobre dados abertos.  Somos uma instituição pública de saúde e os nossos dados devem beneficiar o mais rapidamente possível a população, temos esse grande foco. E temos o grande desafio da comunicação com a sociedade, cada vez mais essa tarefa se impõe.
 A atividade de ciência no Brasil ainda é muito bem vista pela população, mas o exemplo do que ocorre na Europa, se a população não é informada muito bem do que se está passando em ciência em geral, não somente na saúde, a população começa a perder um pouco de confiança.  É algo que ela desconhece e algumas vezes os riscos de se perder esse controle acabam criando uma insatisfação social. Isso aconteceu não muito longe, na questão, por exemplo, da vacina, na reação contra as vacinas, quando na verdade vacinas são o método de proteção mais eficiente que a ciência já desenvolveu. Hoje na formação dos cientistas da saúde é necessário que o componente da comunicação com a sociedade esteja presente. Não podemos capacitar uma pessoa pensando que ele vai viver em um laboratório fazendo exames, testes e desenvolvendo hipóteses sem que ele saiba se comunicar com as pessoas em volta. Então esse componente deve ser melhor equacionado nos nossos cursos, não  para substituir os comunicadores, mas é necessário que essa linguagem da comunicação e essa sensibilidade para a necessidade de comunicação esteja presente na formação,  assim como as questões éticas. Então são dois temas transversais que precisam aparecer em todos os níveis de educação da Fiocruz.