“A ciência deve estar próxima da sociedade”

Mariella de Oliveira-Costa 28 de julho de 2022


A ciência não deve ficar restrita aos muros dos laboratórios e só faz sentido se as pessoas puderem se beneficiar dela. Essa ideia está no livro do cientista irlandês  John Bernal, The Social Function of Science (A Função Social da Ciência), publicado no início do século passado, em 1939, e que permanece atual.

 

Bernal foi um pesquisador de destaque não só pelos seus feitos, mas por ter orientado quatro outros pesquisadores que, no futuro, foram ganhadores do Prêmio Nobel, e teve sua trajetória marcada pela preocupação com essa aproximação entre a ciência e a sociedade. Assim como ele, diferentes cientistas no Brasil e no mundo tem trabalhado nesse sentido, entre eles o pesquisador da Fiocruz Samuel Goldemberg, que aos 70 anos, mesmo aposentado, faz questão de contribuir em espaços de popularização da ciência. Na última terça-feira, 26 de julho, ele bateu um papo com adolescentes e jovens de escolas públicas de Brasília, exatamente sobre o papel social da ciência e responsabilidade do cientista.

 

Em sua fala, Goldemberg ressaltou como a ciência é parte não só da vida material e econômica mas também das ideias que a orientam e inspiram, e deve ser vista conforme os problemas de hoje e do futuro, pois traz poder e precisa estar em todas as esferas, não só no discurso dos cientistas. Ele chamou a atenção para a importância da educação científica em nosso país, desde cedo, pois quem teve um bom professor de ciências poderá ter uma maior atração pelo meio científico, assim como quem tem contato com o exemplo de vida de pesquisadores e também consegue ver a ciência como uma ferramenta que melhora a sociedade.

 

Mas será que vale a pena estudar o pigmento azul da asa esquerda das borboletas? A ciência básica é melhor que a aplicada? Durante o bate papo, os estudantes puderam conhecer que dificilmente se encontra um exemplo de inovação prática, aplicada ao nosso dia a dia e que não tem alguma base na ciência básica, o que demonstra que ambas são importantes, desde que se faça boa ciência. “Essa pergunta da asa da borboleta era uma chacota até um tempo atrás, quando até mesmo entre cientistas havia uma desconfiança com determinados objetos de pesquisa muito específicos e sem relação aparente direta com o cotidiano, mas há alguns anos, se verificou que esse pigmento, quando aplicado na pesquisa com nanocompostos, pode ser usado na pintura externa de aeronaves aliado a uma tecnologia que melhora as funções de aviões supersônicos”, explicou ele, dando exemplo também da evolução da pesquisa na área de imunologia, que permitiu que centenas de anos de pesquisas e conhecimento acumulado e publicado nas revistas cientificas permitisse o uso de técnicas e procedimentos mais céleres para a produção da vacina contra a Covid-19, ofertada ao público em tempo recorde. 

 

O cientista também chamou a atenção para a necessidade de se fazer ciência com responsabilidade e perto da sociedade, de maneira que o profissional seja capaz de prever os riscos da ciência que ele faz, e criticou a concentração de atividade científica nos grandes centros, defendendo a regionalização e mais investimentos para a pesquisa e formação de pós-graduação no Brasil, para que a ciência nacional reflita problemas e singularidades de cada canto do país, e não tenha só o olhar das metrópoles.

 

A ética e integridade científica também tiveram espaço no debate, pois a boa ciência não comporta fabricação ou adulteração de dados, plágio, conflitos de interesse. O pesquisador explicou aos participantes sobre a importância da revisão pelos pares, que consiste em, pelo menos dois pesquisadores independentemente revisarem a pesquisa descrita por outro pesquisador em um artigo científico, sem que nenhum deles saiba quem é o autor e quem são os revisores, o que garante que pesquisas que obedeçam aos métodos adequados sejam publicadas em revistas científicas de qualidade e possam basear outros estudos.

 

Ele também fez críticas à redução de recursos governamentais para a ciência e tecnologia nos últimos anos, em que houve cerceamento da autonomia das universidades e institutos de pesquisa e até perseguição a cientistas e professores, além do negacionismo que não reconhece os fatos científicos como válidos para a tomada de decisão. O orçamento para a ciência e tecnologia deve ser maior e perene, garantindo que os cientistas possam planejar o seu trabalho. Recurso para ciência é investimento, e não gasto. É preciso ter uma bolsa de pesquisa digna para o pós-graduando trabalhar em paz, que consiga começar a pesquisa e terminá-la contando com infraestrutura de laboratório. “A ciência não tem partido, como indivíduos somos livres para decidir nossas escolhas políticas, e  não há uma ciência de esquerda e ciência de direita. Fato é que houve uma diminuição de recursos para a ciência nos últimos anos no Brasil,” ressaltou, citando artigo recente sobre o tema.

 

Cientistas são gente como a gente

Dono de um currículo vasto, o pesquisador frisou que cientistas não são pessoas extraordinárias e distantes dos demais, ou mais especiais que as outras, mas gente comprometida com a defesa da ciência e que busca, com seus experimentos, entender uma parte do mundo para melhorar a vida das outras pessoas. Em sua trajetória, Goldemberg trabalhou na área de parasitologia molecular durante 40 anos, com foco em pesquisas sobre o Tripanossoma Cruzi, causador da doença de Chagas. Gaúcho, se mudou para Brasília na infância pois o pai veio trabalhar na construção da capital, e cursou graduação e mestrado em biologia na Universidade de Brasília (UnB). O doutorado foi na França, de onde voltou já para fazer parte da Fiocruz no Rio de Janeiro, de onde só saiu para fundar uma unidade da instituição no Paraná, no ano 2000.

 

Esta ação de divulgação científica foi realizada no campus Ceilândia da UnB, a 30 quilômetros do centro da capital federal e fez parte da programação da 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da qual Goldemberg é conselheiro.

 

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Fotos: Sergio Velho Junior/ Fiocruz Brasília