Territórios de Cuidado: a comunicação na produção e socialização de conhecimento em saúde

Fiocruz Brasília 2 de outubro de 2025


 Iris Pacheco (Psat/Fiocruz Brasília)

 

Nos dias 22 a 24 de setembro, foi realizado o II módulo do Curso de Formação-ação: promoção da saúde e participação social no Polo de Breves, Arquipélago de Marajó, localizado no estado do Pará

 

Durante três dias refletimos sobre o significado de Território para as comunidades junto com o educador e doutor em Agriculturas Amazônicas, Tiago Sabóia. As falas trouxeram exemplos fortes — da luta pela preservação, do cuidado coletivo, das vivências comunitárias e das mudanças nos modos de vida.

 

Ao longo de todo o processo de Formação-ação, o espaço contou com a colaboração dos arte-educadores Emanuelle Borges e Andrio Vieira para que os encontros presenciais fossem atravessados por músicas que reforçam pertencimento, luta e memória, dando o tom de uma formação integral que busca conectar afeto, resistência e identidade. 

 

Porém, foi no debate sobre Comunicação em Saúde com a educadora e jornalista, Mariana Castro, que as comunidades trouxeram os registros das práticas culturais, da luta pela preservação com o cuidado e os modos de vida coletivo nos Territórios. Neste II módulo, o foco foi em audiovisual, a importância de planejar e captar o conteúdo em vídeo, desde a escolha do local e horário até o enquadramento e a captação de som.

 

Mariana ressalta que “a comunicação nos seus mais diversos formatos e possibilidades tem um papel fundamental na preservação, garantia de memória e partilha de práticas de saúde conquistadas ao longo dos anos pelos povos. Aqui no Marajó, tem sido encantador o destaque para a partilha desses saberes a partir de ferramentas da comunicação popular, em que os educandos resgatam práticas como o uso de ervas, o trabalho fundamental de parteiras e a cobrança de políticas públicas que levem em consideração os saberes tradicionais”.

 

A formação, ainda, retomou os pontos da aula realizada no módulo anterior, no qual a turma dialogou sobre a importância da comunicação popular e as possibilidades de desenvolvê-la nos Territórios para desvelar as práticas de saúde realizadas pelas comunidades. Os educandos voltaram para casa com a atividade prática de desenvolver um Boletim e um podcast como ferramenta para apresentar a história e memória de seus Territórios.

 

Embarcando nas experiências de saúde nos Territórios Marajoaras

 

O Arquipélago de Marajó é um território com mais de 2.500 ilhas e ilhotas que reúne inúmeros saberes tradicionais, sobretudo, no que se refere à saúde e ao cuidado coletivo.  Quando Paulo André Barata e Ruy Guilherme Paranatinga Barata compôs “esse rio é minha rua”, é porque, nessa região, o rio desempenha um papel tão vital e central na vida desses povos quanto uma rua em uma cidade. Compreender essa distinta realidade, bem como os desafios e as potencialidades que ela agrega, é o que permite avançar em políticas públicas adequadas de garantia de direitos humanos e cidadania para esses Territórios.

 

Em meio a esse processo, os saberes populares, são fomentados e suas práticas desenvolvidas para garantir o bem-estar comum. Em entrevista para o educando Manoel de Jesus Feitosa Duarte, a parteira e líder comunitária, Ana Rosa, conta um pouco de sua história, mas também comenta sobre os desafios de manter esse trabalho. “Desde a idade de 45 anos, eu venho desenvolvendo esse trabalho. É muito importante pra mim, comecei a trabalhar junto com minha irmã, ajudando e hoje trabalha só eu, peguei seis crianças e se deram bem comigo no tratamento… É um trabalho importante, mas não estão acreditando mais, não acreditam mais na medicina que as parteiras fazem”, salienta.

 

Há 20 anos, Ana Rosa desenvolve o trabalho na comunidade São Miguel, localizada à margem direita do Rio Tajapurú, município de Melgaço. O uso das plantas preparadas em garrafadas para limpar o  organismo reprodutivo após o parto, é um mecanismo fortemente utilizado, mas aos poucos tem sido substituído por práticas e medicações clínicas, que nem sempre atendem à realidade local. 

 

De São Miguel para São Sebastião da Boa Vista, a educanda Clícia Ferreira da Paixão, da Comunidade São João Batista – Ilha Central, no Rio Marituba – aborda as propriedades e formas de uso de algumas plantas medicinais utilizadas na região, tais como a andiroba, verônica, babosa, aranto, boldo, barbatimão, quebra-pedra, gengibre, além de buscar contextualizar os elementos históricos que orientam esse processo. 

 

Formada em técnica agropecuária e em ciências agrárias, Clícia conversa com uma das primeiras mulheres do Marajó a se formar em história pela Universidade Federal do Pará, a professora Marieta Gonçalves. De acordo com a historiadora, o homem sempre encontrou uma maneira de sobrevivência e o uso das ervas, hoje aprimorada pelas inovações tecnológicas, vem desse processo. “Há uns 100 anos, não se tinha nada na questão do tratamento da saúde, mas tinham as rezadeiras, as curandeiras, as fabricantes dos xaropes dos chás, dos unguentos… E cada um, dentro de seu próprio conhecimento, encontrava uma maneira de curar os seus males, isso atravessou séculos”, afirma.

 

A professora ressalta a importância das transformações no campo medicinal, porém, acredita que um não deve descredibilizar o outro. “Houve mudanças que vieram para o bem, como as vacinas que é uma descoberta abençoada, mas, apesar de toda essa transformação ainda permanece a medicina caseira, pessoas que confiam no outro… Acredito que existirão novas transformações, novos remédios virão, novas tecnologias, mas aquilo que foi iniciado, vai permanecer como ponto central”, conclui. 

 

As águas dos rios carregam muito mais do que uma espaço geográfico, elas movimentam a vida concreta, a identidade, o pertencimento, a cultura e a resistência dos povos. É nos campos, nas florestas e nas águas que nascem saberes, práticas e resistências, mas também contradições e desafios diante das pressões externas.

 

O Projeto Territórios de Cuidado é uma iniciativa desenvolvida pela Fiocruz Brasília, em parceria com o Ministério de Saúde, e finaliza sua jornada no Polo de Breves no final deste mês de outubro com a realização do III módulo de Formação-ação em saúde.