Em Brasil que ainda enfrenta os impactos da fome, das desigualdades e das mudanças climáticas, discutir os rumos da alimentação deixou de ser apenas uma pauta de saúde, se tornou uma questão social, cultural e política. Em busca de estratégias para sistemas alimentares mais justos, saudáveis e sustentáveis, a Fiocruz Brasília promoveu, na última sexta-feira (5/9), o seminário Sistemas Alimentares em Disputa: ciência, mudanças climáticas, políticas públicas e justiça social, no Rio de Janeiro. O encontro contou com a participação de mais de 200 pessoas, presencialmente e online, entre especialistas nacionais e internacionais. O evento marcou ainda o início de uma cooperação institucional entre a Fiocruz e a Universidade de São Paulo (USP), reforçando o compromisso das duas instituições pela promoção de sistemas alimentares mais saudáveis, sustentáveis e justos.
Durante a mesa de abertura, a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, destacou que a fome segue como urgência no país e que os sistemas alimentares refletem desigualdades históricas. “Que ciência estamos defendendo quando trazemos a pauta da alimentação adequada? Para discutir sistemas alimentares em um país em que a fome tem pressa, precisamos reconhecer que essa agenda é marcada por desigualdades e que estratégias coletivas devem ser desenvolvidas para enfrentá-las”, afirmou ao destacar que o seminário ocorre em um ano emblemático, marcado por eventos como a COP30 e as discussões globais sobre clima e saúde.
Para ela, a ciência que a Fiocruz defende é engajada, cidadã e construída junto a diferentes atores sociais. Fabiana lembrou que a agenda alimentar está marcada por questões como o racismo alimentar, as mudanças climáticas e a justiça social, e ressaltou a necessidade de reunir evidências e estratégias coletivas que deem conta de enfrentar tais desafios. “Estamos falando de comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, de movimentos sociais e universidades. Estamos falando de território e de soberania alimentar”, enfatizou, ao defender a construção de uma grande onda de ações em prol do direito humano à alimentação adequada.
A coordenadora do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira e Silva, afirmou que o seminário representa um marco no compromisso institucional entre Fiocruz e USP. Ela ressaltou a importância da contribuição da ciência para apoiar políticas públicas e destacou que o evento inaugura uma série de processos conjuntos para promover a alimentação saudável no país. Segundo Denise, trata-se de um tema que exige múltiplas estratégias e que agora ganha força com a nova parceria entre as instituições. “Queremos, com o apoio da USP, construir um compromisso institucional duradouro, trazendo o que a ciência tem de mais sólido para apoiar políticas que respondam às necessidades da sociedade brasileira”, finalizou.
A parceria também foi destacada pela vice-presidente adjunta de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Márcia Teixeira. “Nasceu como nascem as boas parcerias: do chão de fábrica, ou no nosso caso, dos laboratórios e salas de aula. É uma parceria que vem da base, de quem constrói ciência e também está nos movimentos sociais, e que já começa a dar frutos”, ressaltou. Ela observou que os temas debatidos fazem parte da agenda de pesquisa de todas as unidades da Fiocruz. Para Márcia, o alimento deve ser entendido em sua dimensão mais ampla: é cultura, sociabilidade, tradições e existência como coletividade. “Nesse sentido, o que está em disputa não é apenas a regulamentação de produtos ultraprocessados, mas também a afirmação política e cultural da própria existência das populações do sul global, nossos corpos, mentes e forma de viver”.
Já a vice-diretora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fátima Rocha, reforçou que a cooperação entre instituições de ensino, pesquisa e movimentos sociais é estratégica para o fortalecimento de políticas públicas. Para ela, discutir alimentação é também discutir as condições das populações mais vulneráveis. Fátima lembrou que, embora o Brasil tenha saído do Mapa da Fome, ainda existe uma parcela significativa de pessoas em insegurança alimentar. Além do acesso, é preciso se preocupar com a qualidade do que chega à mesa. “Essa não é uma disputa fácil, porque envolve interesses econômicos poderosos, mas é uma disputa necessária. Nosso papel é ecoar esse tema e mostrar que existem soluções possíveis”, afirmou.
O seminário surge em um contexto de intensificação das disputas políticas em torno da regulamentação dos alimentos ultraprocessados e da afirmação alimentação adequada e saudável como um direito humano, e reafirmou o compromisso da Fiocruz e da USP com a construção de um debate público plural e qualificado sobre sistemas alimentares, com base em evidências, vivências e perspectivas interdisciplinares.
A atividade foi transmitida ao vivo pelo canal da Fiocruz Brasília no Youtube.
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