Por Bruna Viana (Nusmad/Fiocruz Brasília)
Durante 9 dias, ação atuou em sete unidades prisionais, com recorde de atendimentos
Entre os dias 8 e 17 de outubro, o estado do Amapá recebeu o Projeto Valoriza, que busca promover o acesso à saúde e o cuidado integral dentro do sistema prisional, levando uma ampla ação de saúde para pessoas privadas de liberdade e para profissionais penais. A iniciativa é realizada pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), em parceria com a Fiocruz Brasília.
Sete unidades prisionais receberam a mobilização: Centro de Custódia e Penitenciária Masculina (Cadeião), Penitenciária Feminina (COPEF), Centro de Custódia do Novo Horizonte (CCNH), Colônia Penal (COLPE), Centro de Custódia Especial (CCE), Unidade de Polícia Penal José Éder (UPPJE) e Centro de Custódia do Oiapoque (CCO), com atendimento recorde às pessoas privadas de liberdade: 3.747 pessoas foram atendidas ao longo dos dias.
No total, 85 profissionais de saúde participaram da ação, realizando triagens, consultas médicas, atendimentos odontológicos, testagens rápidas para HIV, sífilis e hepatites virais, imunizações e coleta de escarro para diagnóstico de tuberculose. A iniciativa promove acesso à saúde e favorece o tratamento oportuno de doenças mais prevalentes na população carcerária.
A Fiocruz Brasília apoia a ação em diversas frentes, tanto com conhecimento científico quanto com tecnologia e recursos humanos. Foram enviados profissionais de saúde de diversos lugares do Brasil, além de 26 residentes dos programas de residência da Escola de Governo da Fiocruz-Brasília.
A coordenação do projeto Valoriza e do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Nusmad/ Fiocruz Brasília) identificou a oportunidade de incorporar o sistema prisional como campo prático das residências, ampliando as possibilidades de formação profissional. Essa integração visa fortalecer o componente formativo voltado à atuação nesse contexto, contribuindo para o desenvolvimento de profissionais mais qualificados, sensíveis e preparados para enfrentar os desafios inerentes ao sistema prisional.
Todos os dados coletados durante os dias da ação foram registrados pela equipe técnica do Nusmad da Fiocruz Brasília, o que também contribui para enfrentar uma lacuna apontada durante o desenvolvimento do projeto de ausência de prontuários disponíveis para todas as pessoas sob custódia nas unidades penitenciárias. O acesso aos dados é fundamental para traçar o perfil epidemiológico das unidades prisionais, dar seguimento ao cuidado em saúde, além de possibilitar o desenvolvimento de pesquisas, para qualificar o atendimento ofertado.
Valorização de servidores penais
Com ações desde 2017 em unidades penitenciárias das cinco regiões do Brasil, essa é a segunda vez que o projeto leva uma ação específica para servidores penais nas unidades contempladas. Essa iniciativa foi proposta a partir da observação de uma necessidade do próprio sistema prisional — identificada em pesquisa conduzida pela equipe da Fiocruz — de valorização do trabalho dos servidores que atuam nas unidades.
“Nós iniciamos trabalhando com os privados de liberdade, na garantia dos direitos humanos. Com o passar do tempo, as ações foram mostrando a necessidade de envolver também os profissionais que trabalham com o privado de liberdade, tanto na questão do conhecimento como também na aposta de que a valorização da categoria pode melhorar a relação do profissional com o privado de liberdade. Essa é uma ação nesse sentido, nessa aposta de que o profissional, sendo valorizado dentro das suas ações, também possa ter uma relação melhor com a população sob custódia”, explicou o coordenador do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília, André Guerrero.
Os servidores penitenciários foram contemplados com atendimentos voltados à saúde e ao bem-estar. Durante os dias da ação, a equipe do projeto disponibilizou triagem de enfermagem, atendimento nutricional, consultas médicas, exames de bioimpedância, atendimento odontológico e imunização, além de práticas integrativas como auriculoterapia, ventosaterapia, massagem, spa dos pés e escovação de cabelo.
A ampla gama de serviços ofertados foi um fator importante para que cada servidor buscasse o atendimento que atendesse às suas necessidades, informou Nádia Souza, chefe da Unidade de Saúde do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen). “Essa iniciativa, do tamanho que foi proposta, é inédita para servidores no estado, e a grande adesão demonstra o quanto foi exitosa. O fato de termos oferecido diversas iniciativas, com atendimento de saúde, incluindo o atendimento odontológico e médico, até ações de bem-estar, foi importante para que cada servidor buscasse aquilo de que precisava.”
Nádia destacou o quanto o cuidado com esses profissionais é importante, considerando as rotinas de trabalho próprias da carreira. “O serviço prisional tem um nível de estresse muito grande; o profissional já vive nesse ritmo e muitas vezes não tem nem tempo para cuidar da própria saúde e do próprio bem-estar. Por isso, é importante dar acesso, como fizemos, num período maior de dias, para que cada servidor pudesse se organizar conforme os turnos de trabalho e buscar aquilo de que precisava aqui”, afirmou.
Além dos serviços, foi ofertada uma oficina aberta, em três sessões, sobre cuidado em rede, conduzida pela psicóloga Raquel Barros, fundadora da Associação Lua Nova e coordenadora do programa Territórios, que busca inclusão social e comunitária. A proposta foi sensibilizar profissionais para a construção de redes de cuidado, tanto para o trabalho com a população privada de liberdade quanto entre os próprios servidores. Durante os encontros, foram apresentadas ferramentas para o trabalho em conjunto, com o intuito de construir ações de saúde por meio de vínculos entre pares e em rede.
De acordo com o chefe da Divisão de Saúde da Senappen, Kleber Carlos, a iniciativa no estado foi exitosa e reforçou o compromisso com o cuidado no sistema prisional. “Foi um recorde de atendimentos, com integração dos serviços de saúde, para ações tanto de prevenção quanto de cuidado da população privada de liberdade. E não só: também focamos em cuidar de quem cuida, trazendo ações para os profissionais que trabalham no sistema prisional”, comentou.
Da ação em campo à produção científica
O trabalho desenvolvido durante as ações de cidadania tem se transformado em fonte de conhecimento e pesquisa acadêmica. A proposta é registrar as experiências e contribuir para a qualificação do atendimento em saúde nas unidades prisionais. Exemplo disso são os dois pôsteres recentemente apresentados no III Congresso Intersetorial de Políticas Públicas e Participação Social no Sistema Prisional, um dos principais eventos sobre o tema, realizado entre os dias 22 e 24 de outubro. Os estudos trouxeram os resultados da ação de cidadania anterior, realizada no Mato Grosso:
A expectativa é que a experiência da ação no estado do Amapá também gere novas publicações científicas e contribua para o avanço do conhecimento sobre saúde no sistema prisional.