Revista incentiva diálogo na comunicação científica

Fernanda Marques 21 de setembro de 2022


Uma nova estratégia para aproximar autores e leitores da Revista de Alimentação e Cultura das Américas (RACA) foi inaugurada na tarde desta segunda-feira (19/9). Em uma iniciativa do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília, responsável pela publicação, foi realizada uma roda de conversa virtual com autores de artigos da mais recente edição da revista, lançada agora em meados de 2022. Na oportunidade, os pesquisadores Fábio Libório Rocha, que assina o artigo “Àwo Fifè Nlá: comida de santo como cultura afro-brasileira”, e Bruno Celso Vilela Correia, um dos autores do artigo “A alimentação nas festas de candomblé da região da cidade do Recife já não possui o gosto dos orixás”, apresentaram suas pesquisas e conversaram com os participantes sobre seus temas de estudo. A última edição da RACA aborda a relação entre alimentação, religiosidade e outras áreas de saber. 

 

A conversa ocorreu na plataforma Zoom e contou com a mediação da coordenadora do Palin, Denise Oliveira e Silva, que é também coordenadora do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares e editora-chefe da RACA. 

 

Em sua apresentação, Fábio ressaltou que, embora a cultura negra seja majoritária no Brasil, existe um forte processo de apagamento dessa cultura. “A comida de santo não tem visibilidade e é estigmatizada, o que dificulta a compreensão de nossas raízes. A comida ‘de Minas’ é uma comida negra. A rota do ouro em Minas é a rota dos escravos. Queremos apagar o passado da escravidão como se ele estivesse resolvido e não nos interessasse”, alertou o pesquisador, destacando que a culinária brasileira tem origem na África. Conforme explicou o autor, as relações de poder, historicamente, impõem um sistema cultural europeu sobre o africano. E ele defendeu políticas públicas que sustentem um projeto nacional de preservação e valorização da cultura africana, que reconheça a comida de santo como um patrimônio alimentar do Brasil. 

 

Já Bruno, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, contou um pouco de sua pesquisa de doutorado, em que fez observações e entrevistas em terreiros de candomblé do Recife. Seu interesse era investigar a alimentação dentro dos terreiros. Ele verificou que as oferendas rituais aos orixás continuam sendo feitas com comidas típicas dos terreiros, atendendo às preferências de cada orixá, mas teve uma surpresa inquietante no que diz respeito à alimentação das pessoas nessas festividades: nesse momento, as comidas típicas desaparecem, ou estão presentes apenas em raríssimas ocasiões, e dão lugar a pratos ‘internacionais’ ou ‘da moda’, como frango xadrez, lasanha, salgadinhos, refrigerantes e outros itens encontrados em qualquer festa de aniversário, por exemplo. Nas entrevistas com pessoas mais velhas dos terreiros, Bruno confirmou que, no passado, as mesmas comidas servidas aos orixás eram também oferecidas para as pessoas se alimentarem, o que foi mudando ao longo tempo, com a ‘invasão’ de pratos de fora, “ao ponto da cozinha do terreiro ser substituída por serviços terceirizados de buffet”, comentou o pesquisador.

 

Entre as causas dessas mudanças, alguns entrevistados citaram questões de saúde, pois as comidas típicas dos terreiros seriam gordurosas e não indicadas para pessoas mais velhas e com hipertensão, por exemplo. No entanto, as entrevistas também revelaram outros aspectos por trás das mudanças, como o potencial da culinária ‘da moda’ ser interessante para conquistar novos adeptos e, ainda, a proteção contra intolerâncias religiosas e mesmo perseguições pelo aparato policial. Outro ponto é o preço dos produtos. “Dendê é mais caro do que molho de tomate”, exemplificou Bruno. “Esse cenário tem gerado inquietações e já começa um movimento de trazer de volta as comidas típicas para as pessoas nas festividades”, acrescentou.

 

Após as palestras, os pesquisadores dialogaram com o público e responderam a questionamentos. A dinâmica do evento, intitulado Seminário Comida e Religião na América Latina e no Brasil, teve como objetivo favorecer a comunicação científica, tornando-a mais dialógica. Sessões de bate-papo com outros autores da edição atual da RACA já estão programadas. A próxima será no dia 24 de outubro. Em breve, mais informações.

 

Conheça a Revista de Alimentação e Cultura das Américas (RACA)