Fala aê, mestre: meio ambiente e saúde

Nathállia Gameiro 19 de maio de 2023


Poluição, desmatamento, degradação, piora da qualidade do ar e da água para consumo humano, mudanças climáticas e descontrole sanitário. Essas situações de riscos e desastres ambientais são cada vez mais frequentes e, além dos danos irreversíveis ao meio ambiente, podem colocar em risco a saúde das populações, acelerar o surgimento de doenças e novas ameaças, prejudicando a qualidade de vida.

 

Como os riscos não respeitam fronteiras, para preservar o meio ambiente e da vida no planeta, são necessárias ações conjuntas entre países, como os acordos multilaterais firmados junto à Organização das Nações Unidas (ONU). A egressa do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz-Brasília Ana Cláudia Gonçalves de Mello, buscou analisar como a internalização de Acordos Ambientais Multilaterais contribuiu para o desenvolvimento de estratégias, ações e políticas públicas ambientais que passaram e beneficiaram o setor saúde. A criação de políticas públicas, sensibilização dos temas relacionados ao meio ambiente e a inserção na agenda governamental foram alguns resultados encontrados. Ela defende um novo modelo produtivo social e ambientalmente, para que não provoque uma piora no quadro sanitário da população. 

Confira os resultados da pesquisa na nova entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”.

 

De que forma os acordos internacionais de meio ambiente impactaram a saúde?

Ana Cláudia: Os acordos impactaram na saúde ao demandar, de todos os países signatários, a criação de atos jurídicos obrigatórios, o que produziu diversos deveres intersetoriais, como o desenvolvimento legislativo e a criação de políticas públicas de redução do risco ao ambiente e à saúde das populações. Tais acordos colaboraram para a sensibilização dos temas ambientais e para a sua inserção na agenda governamental, tema este que transbordou para a área da saúde, colaborando para a criação de campo epistemológico nos centros de pesquisa de Saúde Coletiva no país, e para o desenvolvimento de um novo modelo de Vigilância em Saúde do SUS: a Vigilância em Saúde Ambiental (VSA).

 

Por que são necessárias ações coordenadas de promoção da saúde e de enfrentamento aos problemas ambientais entre os países?

Ana Cláudia: Os acordos multilaterais firmados junto à Organização das Nações Unidas (ONU) servem como um padrão normativo o qual todos os seus Estados-membros devem seguir. No caso do meio ambiente, considerando que os danos ambientais e os danos à saúde a eles associados não respeitam as fronteiras geopolíticas, são necessárias ações conjuntas para a preservação do meio ambiente e da vida no planeta. A perda de biodiversidade e as mudanças do clima provocam a sobreposição de riscos ambientais e a intensificação da ocorrência e frequência de eventos climáticos extremos, como as tempestades tropicais, as ondas de frio e de calor, a piora da qualidade do ar e da água para consumo humano, e prejudicam os processos de produção alimentícia, o que afeta tanto a saúde das populações (diretamente: ferimentos, contaminações, mortes evitáveis; e indiretamente: desnutrição, problemas de saúde mental), como a própria capacidade dos países de lidar com as consequências sanitárias e de infraestrutura de tais eventos extremos.


No estudo, o que você identificou como indispensável para o fortalecimento da atuação do SUS e da área de Vigilância em Saúde Ambiental?

Ana Cláudia: É fundamental que seja retomada a construção da Política Nacional de Saúde Ambiental e do seu plano operacional, o que poderia facilitar as ações intersetoriais, junto do setor saúde, necessárias para lidar com situações de risco e desastres ambientais que são cada vez mais frequentes. Se faz necessária a retomada das atividades de cooperação internacional da área de saúde ambiental – dada a expansão de temas correlatos e o surgimento de novas ameaças à saúde; e o fomento da institucionalização de projetos, pesquisas e programas de Saúde, Meio Ambiente e Relações Internacionais. Também é necessária a ampliação da articulação das ações em saúde ambiental e os movimentos sociais, disponibilizando as informações de forma transparente, para que o controle social seja executado.

 

Com base nos resultados da pesquisa, o que seria necessário para evitar o surgimento de novas doenças, a volta de enfermidades já erradicadas e o agravamento das crises ambiental e climática?

Ana Cláudia: Os desequilíbrios ambientais têm provocado o aumento da exposição das populações aos riscos ambientais, que se sobrepõem, e ainda existem grandes falhas no estabelecimento, na fiscalização e na execução de ações e de políticas intersetoriais que os possam reduzir. Além de se buscar ações intersetoriais, é necessário o fortalecimento das ações de fiscalização da execução das políticas ambientais – especialmente aquelas com efeitos na saúde, como as de manejo ambientalmente adequado de resíduos perigosos, de redução do desmatamento e da poluição. É necessária a busca por um novo modelo produtivo social e ambientalmente justo, uma vez que o modelo em vigor atualmente, tem provocado tanto danos irreversíveis ao meio ambiente, quanto a piora da qualidade de vida e do quadro sanitário da população brasileira.

 

Quais foram os maiores desafios encontrados?

Ana Cláudia: O acesso às informações governamentais necessárias para a pesquisa, que dependeu do levantamento de políticas, leis, decretos, e resoluções ambientais que poderiam ter impactado direta ou indiretamente o setor saúde, além de outros documentos. Primeiramente, houve a dificuldade de acesso eletrônico: a unificação dos sítios governamentais em um canal único (gov.br) levou à migração e à ocultação de páginas que anteriormente disponibilizavam tais informações à população, limitando o seu acesso. Segundo, o acesso físico: esta pesquisa, iniciada em 2020, foi executada durante o período de isolamento social de contenção do vírus da Covid-19, portanto os arquivos e bibliotecas que dispunham de possíveis cópias físicas de tais documentos estavam inacessíveis.

 

Como fruto dessa pesquisa, você criou um produto técnico, que está em desenvolvimento. Quais são as principais potencialidades desse produto?

Ana Cláudia: A criação de um produto técnico serve como uma devolutiva social e como resposta à proposta do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde de buscar soluções e o fortalecimento do SUS. Conquanto haja dificuldade em apontar os impactos de política externa em áreas técnicas, este produto técnico busca ser um instrumento que apresenta a todos os trabalhadores da VSA e aos entusiastas da área, a influência mútua das agendas internacional e nacional das áreas de saúde e meio ambiente, que vão para bem além de somente a saúde humana. Ademais, se busca apontar a evolução da VSA no país e como esta pode servir como um instrumento de inserção internacional brasileira, ao exportar este modelo de vigilância em saúde aqui vigente, por meio de acordos e projetos de cooperação internacional em saúde ambiental.

 

Ana Cláudia Gonçalves de Mello é autora da dissertação intitulada “O viés internacionalista da Saúde Ambiental: as contribuições do Regime Internacional de Meio Ambiente ao Setor Saúde Brasileiro”, aprovada no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde, da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, sob a orientação do professor André Luiz Dutra Fenner.

 

Confira aqui as outras entrevistas com resultados de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos da EGF-Brasília

 

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