Iris Pacheco (Psat/Fiocruz Brasília)
Fortalecer o SUS passa pelo reconhecimento dos saberes dos territórios. Nesta entrevista, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Marly Cruz, fala sobre a importância das formações que aproximam ciência e saberes populares.
Nos últimos anos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem ampliado iniciativas de formação em saúde diretamente nos territórios. São diversas as experiências que reforçam o caráter formativo e participativo da Instituição junto aos territórios em várias regiões do país. Isso significa que por meio de ações educativas que valorizam saberes locais, especialmente de mulheres, a Fiocruz tem aproximado a ciência das realidades comunitárias e dos saberes populares.
Em entrevista com a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da instituição, Marly Cruz, foi possível compreender como essa estratégia tem sido essencial para reduzir desigualdades e qualificar o SUS a partir das necessidades reais da população. O diálogo ocorreu logo após a conclusão do Projeto de formação-ação das Agentes Populares de Equidade em Saúde no Rio Grande do Sul, que formou mais de 150 mulheres e inaugurou sete hortas e hortos comunitários, fruto das relações construídas ao longo do curso.
Para Marly, essa atuação é central para que a Fiocruz cumpra sua missão histórica de combater desigualdades sociais e fortalecer políticas públicas. “É de extrema importância que a Fiocruz realize esse tipo de formação, não só por valorizar os saberes de todas as pessoas que estão no território, mas também para aproximar o conhecimento científico dessas realidades”, afirma.
Uma outra iniciativa a se destacar é o Projeto “Territórios Saudáveis e Sustentáveis na Promoção do Cuidado”, carinhosamente conhecido como Territórios de Cuidado, é uma iniciativa da Fiocruz Brasília e do Ministério da Saúde, por meio do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) e do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde (Depros/Saps).
O projeto é uma estratégia inédita de formação-ação voltada à integração entre saúde, ambiente, educação, comunicação e cidadania, que abrange 15 territórios estratégicos em todo o país entre 2025 e 2027. Voltado para lideranças de organizações e movimentos sociais que atuam na promoção da saúde, se constrói com uma metodologia que permite articular o SUS com saberes e práticas culturais, sociais, políticas e ambientais dos próprios territórios.
Educação popular como base do diálogo com a comunidade
A vice-presidente explica que não se trata apenas de levar cursos a diferentes regiões, mas de construir conhecimento de forma conjunta com quem vive e atua na ponta. É a partir da educação popular — tradição que sempre reconheceu o papel das mulheres como guardiãs de práticas de cuidado — que a Fiocruz busca aproximar a ciência das questões cotidianas e complexas que emergem das comunidades.
“O conhecimento científico precisa dialogar com as necessidades do território”, reforça. “Queremos produzir conhecimento de forma mais compartilhada. Então, faz sentido a Fiocruz realizar essas formações junto à população nos territórios.”
Territórios esses, em especial nas periferias urbanas e comunidades rurais, onde as mulheres desempenham papel central na sustentação da vida e na produção de saberes tradicionais. Ao reconhecer e valorizar esses conhecimentos, a Fiocruz fortalece não apenas a saúde, mas também a autonomia e o protagonismo feminino.
Segundo ela, processos formativos que valorizam saberes locais contribuem diretamente para ampliar autoestima, engajamento e participação social. “Saúde não é só a não doença. Saúde tem a ver com autonomia, com a capacidade de valorizar o que é próprio da terra, do lugar, dos saberes tradicionais e populares”, destaca. Essa abordagem, segundo ela, gera impactos diretos na qualidade de vida e no chamado bem viver da comunidade.
Território como espaço formativo e de pesquisa
Outro ponto fundamental é reconhecer o território não apenas como cenário, mas como lócus de produção de conhecimento. É ali que surgem os grandes desafios da saúde pública — desafios que não podem ser enfrentados apenas com modelos preestabelecidos.
Como explica Marly: “Não queremos formações que tragam somente concepções preconcebidas. É ali, naquele território, que vamos buscar os elementos necessários para aproximar cada vez mais os processos formativos e as pesquisas, da realidade de quem habita, a quem esse território pertence.”
A aproximação com os territórios também dialoga diretamente com o objetivo da Fiocruz de qualificar trabalhadores e trabalhadoras do SUS. Para isso, a instituição investe em metodologias participativas, dialogadas e sensíveis às desigualdades estruturais que marcam comunidades brasileiras — especialmente aquelas afetadas pela pobreza, pela violência e pela exclusão social, onde o protagonismo das mulheres é determinante.
Para Marly, o impacto é concreto: quando a população se vê como parte integrante e fundamental desses processos, fortalece-se a capacidade de luta por direitos, de participação e de transformação local. “Essas pessoas passam a se sentir mais engajadas não só no processo formativo, mas também em outros processos de luta dentro do território.”