Direitos das mulheres, sexuais e reprodutivos em tempos de zika

Fiocruz Brasília 9 de agosto de 2017


Na tarde de ontem (8/08), um balanço sobre a “Sala de Situação sobre Direitos das Mulheres, Direitos Sexuais e Reprodutivos em Tempos de Zika” foi apresentado durante a Feira de Soluções para Saúde, evento realizado em Salvador até a próxima quinta-feira (10/08). A Sala é um espaço de diálogo, articulação e ação conjunta com enfoque nas perspectivas das Nações Unidas (Fundo de População das Nações Unidas – UNFPA, Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS e ONU Mulheres), que influenciou a resposta nacional à epidemia do zika e se constituiu num mecanismo contínuo de defesa e promoção dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

O debate começou com a participação da gerente de Programas da ONU Mulheres, Joana Chagas, que exibiu um vídeo sobre a história da Sala de Situação e mostrou quem são as mulheres impactadas pela epidemia de Zika. O vídeo destacou as principais características do espaço como a formação da rede de solidariedade, a criação de estratégia de empoderamento das mulheres, a responsabilização dos homens e do Estado e levantou questões raciais. Joana também lembrou que o discurso, no período da epidemia, enfatizava a guerra ao mosquito e que as mulheres não deveriam engravidar. “Num contexto em que muitas mulheres não têm acesso à anticoncepcional e são estupradas”, salientou Joana.

Joana afirmou, ainda, que a Sala de Situação funcionou como como um espaço de diálogo com organizações feministas, especialistas em saúde da mulher e universidades. Em seguida, apresentou as atividades realizadas dentro da Sala de Situação nas áreas da Comunicação, Pesquisa e Advocacy. “Organizamos audiências públicas junto ao Ministério Público Federal e Estadual com o objetivo de garantir os direitos das mulheres em tempo de ZIKA e promovemos o diálogo junto ao poder público, no que concerne à saúde e ao saneamento básico. Já na área da comunicação, realizamos campanhas, produzimos materiais impressos e informativos, produzimos reportagens, programas de rádio, documentário e formação para jornalistas e comunicadores. Por fim, realizamos entrevistas em profundidade dentro de uma pesquisa qualitativa, na qual abordamos assuntos como vida reprodutiva, gestão dos cuidados, trabalho e orçamento familiar e liderança”, ressaltou.

Para Joana, é imprescindível que a Sala continue em tempo de zika e também fora dele, porque essa foi uma oportunidade de dar voz às mulheres. “Além disso, essa escuta deve ser qualificada e ampliada e os dados devem ser mapeados e sincronizados”, apontou.

A responsável pela Organização Não-governamental Anis, Luciana Brito, apresentou um relatório de pesquisa realizado em Alagoas com mulheres que tiveram filhas com crianças acometidas com microcefalia. Luciana criticou o fato de o Ministério da Saúde ter decretado o fim da emergência em saúde pública para o ZIKA, em maio de 2017.

Luciana também citou um documentário que foi lançado em abril de 2016, disponível no Youtube, sobre cinco mães de crianças com microcefalia e apresentou a Expedição Maria Bonita em Alagoas – quando a ONG percorreu 21 municípios em dezembro 2016 para ouvir e conhecer demandas de saúde e proteção social de mulheres e crianças afetadas pelo Zika. “Essas mulheres têm rosto, cor e endereço, são adolescentes, jovens, com pouca escolaridade, são negras, dependem de políticas sociais, e quase metade não fazia uso de nenhum anticoncepcional”, afirmou.

A representante da Fundo das Nações Unidas – UNFPA, Fernanda Lopes, disse que a Sala de Situação mostrou que mesmo em situações muito graves, é possível que haja uma articulação para fortalecer aquilo que as mulheres estejam fazendo em suas comunidades. “Políticas públicas precisam de números e de evidências, mas essas informações só existem porque há pessoas por trás desses dados. Além disso, a Sala trouxe essas mulheres para o centro do debate e reforçou a máxima do ‘nunca sobre nós sem nós’”, disse.

Desafio: zika continua
Sobre alguns desafios, Fernanda apontou que a incidência dos casos de microcefalia caiu, mas a epidemia de zika continua nos mais de 80 países onde eles foram identificados. “Outras novas complicações ainda podem aparecer nas crianças acometidas com microcefalia e ainda vivemos sob o impacto social na vida dessas mães. Alguns outros dados também merecem detaque, como o fato de identificarmos a redução de 6% no número de nascimentos de crianças no ano de 2016; que 4 % das mães que tiveram filhos com a microcefalia tinham menos de 14 anos; e que 84 % das mulheres são negras”, salientou.

Nessa mesma linha, a representante da ONG Crioula, Lúcia Xavier, destacou que no mesmo período de enfrentamento da epidemia o Brasil vive crises políticas e econômicas. “A Sala de Situação apareceu como um lugar de diálogo entre a sociedade civil e o Estado para garantir o controle da epidemia. Conseguimos organizar novas estratégias para promover a garantia dos direitos das mulheres. Como um dos principais desafios da Sala, precisamos combater as barreiras do sexismos e racismos e a necessidade de melhorar e ampliar as estratégias de escuta dessas mulheres”, afirmou.