Corte de recursos ameaça enfrentamento das doenças negligenciadas no Brasil

Nathállia Gameiro 26 de abril de 2021


André Freire (Nethis/Fiocruz Brasília)

Redução no financiamento de pesquisas públicas pode emperrar o desenvolvimento de estratégias para o combate às doenças negligenciadas; pesquisadores defenderam a pesquisa e a ciência na segunda sessão XI Ciclo de Debates

 

Otimizar o uso em larga escala de medicamentos em dose única, intensificar as ações de diagnóstico e tratamento, controlar de forma integrada vetores e hospedeiros intermediários, e estimular o desenvolvimento da saúde pública veterinária na interface humano-animal são algumas das estratégias apontadas para o enfrentamento das doenças negligenciadas.  No entanto, um dos maiores desafios para a promoção dessas medidas, é a situação precária em que se encontra o financiamento das pesquisas públicas no Brasil. Os apontamentos foram feitos durante o XI Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública, realizado no dia 22 de abril.


Estimativa de gastos em P&D para a Capes, o CNPq e o FNDCT (2000-2020)

Fonte: Ipea

 

Reconhecido no mundo como um país que apresenta alta incidência de doenças negligenciadas, de acordo com Guilherme Werneck, pesquisador do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o Brasil sofre com uma grave crise no financiamento das pesquisas públicas. No contexto das doenças negligencias, esse cenário prejudica ainda mais a promoção de estratégias de enfrentamento, visto que essas enfermidades não contam com o interesse da indústria farmacêutica para a pesquisa e o desenvolvimento de novos tratamentos e dependem, majoritariamente, dos estudos desenvolvidos em instituições públicas de ensino e pesquisa.

 

“Por todos os ângulos que se olha a situação é dramática em termos de financiamento, tanto no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), tanto no Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), como no Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG)”, afirmou Guilherme Werneck, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

O legado brasileiro

A tradição brasileira em pesquisa e desenvolvimento em doenças negligenciadas é antiga e tem como um dos seus maiores expoentes Carlos Chagas, médico e cientista brasileiro responsável por descobrir o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 1909, o cientista descreveu o ciclo evolutivo do protozoário, desde os hábitos do vetor responsável pela transmissão da doença à pessoas – o barbeiro; passando pelo reservatório doméstico do protozoário; até a enfermidade em si – a doença de Chagas.

 

https://youtu.be/0N4eB1c2xI0

Fonte: Vice-presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas – Fiocruz


“Nosso país tem história de promover uma agenda de prioridades em pesquisa e desenvolvimento para doenças negligenciadas, mas as condições para que isso funcione dependem do aumento do investimento”, contou Werneck. Para ele, impulsionar a modernização das estruturas acadêmico-administrativas das universidades é um fator importante que pode facilitar o acesso a financiamentos provenientes de empresas e agências internacionais. Werneck ainda defendeu a revisão dos processos de avaliação das pesquisas para que a formação acadêmica se torne mais dinâmica e estimule o desenvolvimento de estudos com maior impacto social.

Inovação em saúde pública: uma questão de justiça social

A inovação em saúde pública pode ser compreendia em duas dimensões diferentes, mas complementares: a inovação em políticas públicas e a inovação em produtos, serviços e processos, conforme esclareceu o pesquisador José da Rocha Carvalheiro, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Gestão da Inovação em Doenças Negligenciadas (INCT-IDN).

Carvalheiro destacou a importância dos processos de inovação destinados à promoção da saúde, sobretudo para o enfrentamento das doenças negligenciadas, serem orientados a uma perspectiva de justiça social, e não de valor de mercado. “Temos que fazer ciência sem estarmos preocupado com o mercado”, disse. 

 

Ele também lembrou da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, que estabelece o direito de todos a usufruir dos benefícios do progresso científico.

Diferentes uma da outra, mas com um traço em comum
Atualmente, a classificação da Organização Mundial da Saúde inclui 20 doenças negligenciadas. No Brasil, a dengue, a doença de chagas, a esquistossomose, as leishmanioses e as helmintíases intestinais respondem por boa parte da carga de morbidade e mortalidade decorrente desse conjunto de enfermidades.

No mundo, as doenças negligencias causam entre 500 mil e 1 milhão de mortes anualmente. Apesar de serem um grupo extenso de doenças, diferentes entre si, elas têm uma característica em comum: atingem predominantemente as populações mais pobres e vulneráveis e contribuem para a perpetuação dos ciclos de pobreza, desigualdade e exclusão social.

Ciclo de Debates

O XI Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública é promovido pelo Núcleo de Estudos em Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília). A Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) apoia a realização das sessões.

Confira a programação de debates para este semestre.

Assista aqui à integra da segunda sessão do XI Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública, realizada em 22 de abril.