Conferência dá voz a quem por tanto tempo foi silenciado

Fernando Pinto 24 de abril de 2025


“Sou travesti com muito orgulho!” Com essa afirmação potente, Camila Lima, representante da Articulação Nacional de Luta contra a Aids (ANAIDS), abriu sua fala na mesa de abertura da 1ª Conferência Livre Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora LGBTQIAPN+, realizada nos dias 23 e 24 de abril, na Fiocruz Brasília. Mais do que uma saudação, suas palavras soaram como um chamado à escuta e ao reconhecimento de uma luta que há décadas vem sendo travada.

 

O evento, realizado em formato híbrido, reuniu representantes de coletivos LGBTQIAPN+ — lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais, pansexuais, pessoas não binárias, entre outras identidades — para discutir os desafios enfrentados por essa população nos ambientes de trabalho e nas políticas públicas de saúde.

 

Camila compartilhou um pouco da própria trajetória e dos caminhos que tantas outras mulheres trans vêm trilhando em busca de dignidade. “Hoje, muitas mulheres trans estão entrando no mercado de trabalho formal”, afirmou ao lembrar que, para muitas, a prostituição era a única alternativa de sustento. Lembrou ainda dos inúmeros estigmas e riscos enfrentados nas ruas e que agora estão conquistando seu espaço no mercado de trabalho. “A nossa luta agora é para ocupar os espaços de alto escalão e executivos. Fico feliz em ver a força das minhas companheiras nessa caminhada”, completou.

 

A assistente social também ressaltou que a inserção das mulheres trans no mundo do trabalho ainda enfrenta muito preconceito e estigmatização. “Nós, mulheres trans precisamos de qualidade de vida, saúde e dignidade no mercado de trabalho. As pessoas ainda não estão preparadas para trabalhar com a gente”, enfatizou, ao relatar as dificuldades enfrentadas, especialmente por aquelas que, por muitos anos, estiveram na prostituição e carregam as marcas de uma vivência atravessada por violências e exclusões.

 

Na plateia, muitos rostos atentos e emocionados. Para grande parte do público, era a primeira vez em um espaço onde suas experiências não eram apenas toleradas — mas celebradas como parte fundamental do debate.

 

O vice-diretor da Escola de Governo da Fiocruz-Brasília, Jorge Barreto, lembrou a todos a importância da escuta. “Essa conferência é um exercício de democracia. Para dar voz, é preciso antes escutar. E é isso que estamos fazendo aqui”, ponderou ao falar da importância de praticar uma escuta ativa para a construção de uma democracia real. O pesquisador ressaltou ainda que esses dois dias de evento são dedicados a ouvir aqueles que sofrem diretamente as consequências das decisões tomadas por gestores públicos e empregadores.

 

A conferência também teve como foco a atenção à saúde de trabalhadores e trabalhadoras LGBTQIAPN+, que enfrentam agravos decorrentes de preconceito, assédio, exclusão e violência nos ambientes de trabalho.

 

O evento também marcou o retorno desse debate à agenda nacional, segundo a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde, Mariângela Simão, há 11 anos o Brasil não realizava uma Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. “Esta é uma oportunidade única de garantir que os movimentos sociais contribuam para a construção de políticas públicas mais eficazes e que, de fato, cheguem a quem precisa”, afirmou.

 

Falando com emoção, Socorro Andrade, do Grupo Afro Cultural Coisa de Nego, de Teresina (PI), trouxe a força das mulheres pretas nordestinas à plenária. “Falo por muitas outras Socorros que gostariam de estar aqui. Este é um momento de luta e dor, mas não vamos desistir. Nós, mulheres pretas, lésbicas, quilombolas, de terreiro, donas de casa, trabalhadoras, da zona rural e da periferia, estamos nesta luta há muito tempo,” concluiu.

 

Na mesa da palestra magna, com o tema central “Saúde do Trabalhador e Direitos Humanos”, participaram como palestrantes Niotxarú Pataxó, coordenador de Políticas para Indígenas LGBTQIAPN+ do Ministério dos Povos Indígenas, e Bel Silva, gerente de Comunicação e Informação do Centro de Referência Estadual de Saúde do Trabalhador do Mato Grosso do Sul. A mediação ficou a cargo de Luiz Leão, coordenador-geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador da SVSA do Ministério da Saúde.

 

Ao final, foram apresentadas propostas que integrarão a pauta da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CNSTT). Também foi realizada a eleição das delegadas e dos delegados que representarão os grupos na próxima etapa nacional.

 

 

 

A programação contou com transmissões ao vivo pelo canal da Fiocruz Brasília no YouTube:

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