“Sou travesti com muito orgulho!” Com essa afirmação potente, Camila Lima, representante da Articulação Nacional de Luta contra a Aids (ANAIDS), abriu sua fala na mesa de abertura da 1ª Conferência Livre Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora LGBTQIAPN+, realizada nos dias 23 e 24 de abril, na Fiocruz Brasília. Mais do que uma saudação, suas palavras soaram como um chamado à escuta e ao reconhecimento de uma luta que há décadas vem sendo travada.
O evento, realizado em formato híbrido, reuniu representantes de coletivos LGBTQIAPN+ — lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais, pansexuais, pessoas não binárias, entre outras identidades — para discutir os desafios enfrentados por essa população nos ambientes de trabalho e nas políticas públicas de saúde.
Camila compartilhou um pouco da própria trajetória e dos caminhos que tantas outras mulheres trans vêm trilhando em busca de dignidade. “Hoje, muitas mulheres trans estão entrando no mercado de trabalho formal”, afirmou ao lembrar que, para muitas, a prostituição era a única alternativa de sustento. Lembrou ainda dos inúmeros estigmas e riscos enfrentados nas ruas e que agora estão conquistando seu espaço no mercado de trabalho. “A nossa luta agora é para ocupar os espaços de alto escalão e executivos. Fico feliz em ver a força das minhas companheiras nessa caminhada”, completou.
A assistente social também ressaltou que a inserção das mulheres trans no mundo do trabalho ainda enfrenta muito preconceito e estigmatização. “Nós, mulheres trans precisamos de qualidade de vida, saúde e dignidade no mercado de trabalho. As pessoas ainda não estão preparadas para trabalhar com a gente”, enfatizou, ao relatar as dificuldades enfrentadas, especialmente por aquelas que, por muitos anos, estiveram na prostituição e carregam as marcas de uma vivência atravessada por violências e exclusões.
Na plateia, muitos rostos atentos e emocionados. Para grande parte do público, era a primeira vez em um espaço onde suas experiências não eram apenas toleradas — mas celebradas como parte fundamental do debate.
O vice-diretor da Escola de Governo da Fiocruz-Brasília, Jorge Barreto, lembrou a todos a importância da escuta. “Essa conferência é um exercício de democracia. Para dar voz, é preciso antes escutar. E é isso que estamos fazendo aqui”, ponderou ao falar da importância de praticar uma escuta ativa para a construção de uma democracia real. O pesquisador ressaltou ainda que esses dois dias de evento são dedicados a ouvir aqueles que sofrem diretamente as consequências das decisões tomadas por gestores públicos e empregadores.
A conferência também teve como foco a atenção à saúde de trabalhadores e trabalhadoras LGBTQIAPN+, que enfrentam agravos decorrentes de preconceito, assédio, exclusão e violência nos ambientes de trabalho.
O evento também marcou o retorno desse debate à agenda nacional, segundo a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde, Mariângela Simão, há 11 anos o Brasil não realizava uma Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. “Esta é uma oportunidade única de garantir que os movimentos sociais contribuam para a construção de políticas públicas mais eficazes e que, de fato, cheguem a quem precisa”, afirmou.
Falando com emoção, Socorro Andrade, do Grupo Afro Cultural Coisa de Nego, de Teresina (PI), trouxe a força das mulheres pretas nordestinas à plenária. “Falo por muitas outras Socorros que gostariam de estar aqui. Este é um momento de luta e dor, mas não vamos desistir. Nós, mulheres pretas, lésbicas, quilombolas, de terreiro, donas de casa, trabalhadoras, da zona rural e da periferia, estamos nesta luta há muito tempo,” concluiu.
Na mesa da palestra magna, com o tema central “Saúde do Trabalhador e Direitos Humanos”, participaram como palestrantes Niotxarú Pataxó, coordenador de Políticas para Indígenas LGBTQIAPN+ do Ministério dos Povos Indígenas, e Bel Silva, gerente de Comunicação e Informação do Centro de Referência Estadual de Saúde do Trabalhador do Mato Grosso do Sul. A mediação ficou a cargo de Luiz Leão, coordenador-geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador da SVSA do Ministério da Saúde.
Ao final, foram apresentadas propostas que integrarão a pauta da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CNSTT). Também foi realizada a eleição das delegadas e dos delegados que representarão os grupos na próxima etapa nacional.
A programação contou com transmissões ao vivo pelo canal da Fiocruz Brasília no YouTube:
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