Comunicação – Ipea
A rápida transformação da estrutura etária brasileira e seus efeitos sobre a política pública motivaram o Seminário sobre Envelhecimento Populacional e Financiamento da Saúde, promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fiocruz Brasília, nesta terça-feira (9) no auditório da Fiocruz, em Brasília. O encontro, que reuniu especialistas das duas instituições e representantes do Governo Federal, destacou a urgência de reorganizar sistemas, ampliar cuidados e enfrentar desigualdades que marcam o envelhecimento no país.
A mesa de abertura trouxe a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio; a diretora de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Letícia Bartholo; o secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Alexandre Silva; a vice-diretora de Pesquisa e Inovação da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Andreia Sobral; e a diretora de Economia e Desenvolvimento em Saúde do Ministério da Saúde, Natália Batista.
Representante do Ministério da Saúde, Natália Batista abriu o encontro destacando o impacto econômico da mudança acelerada da pirâmide etária. “A pressão sobre o financiamento da saúde não é previsível apenas, já é presente. Temos doenças crônicas mais prevalentes, maior uso de medicamentos e uma necessidade crescente de equipes específicas para cuidados prolongados. Isso exige revisão estrutural do modelo de formação e de financiamento”, afirmou.
A vice-diretora de Pesquisa e Inovação da Escola Nacional de Saúde Pública, Andreia Sobral, reforçou o caráter estratégico da agenda. “Envelhecimento e financiamento não são temas administrativos; são temas de soberania. Se não planejarmos agora, teremos custos humanos e sociais altíssimos daqui a dez ou quinze anos”, disse, lembrando que Fiocruz, Ipea e ministérios vêm construindo conjuntamente políticas integradas.
O secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério de Direitos Humanos, Alexandre Silva, apresentou números que contextualizam a urgência. “Em 2025, o Brasil terá 35,5 milhões de pessoas idosas e estamos envelhecendo em velocidades diferentes. Onde persistem desigualdades históricas, o envelhecimento também é desigual. Essa é a primeira verdade que precisamos encarar”, afirmou. Ele lembrou que a renda das pessoas idosas sustenta famílias e economias locais: “Chamam políticas para idosos de gasto, mas são investimento. Sem aposentadorias e pensões, grande parte dos municípios simplesmente colapsa.”
A diretora de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea, Letícia Bartholo, destacou que a transição demográfica não pode ser vista de forma isolada. “Envelhecimento é resultado de trajetórias de vida marcadas por desigualdades. É impossível separar políticas de saúde, assistência, previdência, educação e trabalho. Pessoas não vivem em setores; políticas públicas também não deveriam”, afirmou. Bartholo reforçou ainda que o país demorou a ajustar seu planejamento: “Demógrafos anunciavam essa mudança desde os anos 1970. Agora não há mais margem para a ansiedade, só para a ação”.
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, colocou o foco na desigualdade estrutural. “O envelhecimento é uma conquista, mas só para quem envelhece em condições adequadas. A desigualdade racial e de gênero define trajetórias inteiras. Nosso compromisso é enfrentar essas distâncias com ciência, políticas integradas e planejamento de longo prazo”, disse.
Envelhecimento populacional e transição demográfica no Brasil
A primeira mesa, mediada pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Marília Miranda, reuniu a pesquisadora sênior do Ipea Ana Amélia Camarano, a coordenadora do Observatório de Tecnologias de Informação e Comunicação em Serviços de Saúde da Fiocruz Dália Romero, o professor do Departamento de Saúde Coletiva da UnB Luis Moura, além de participação remota da pesquisadora Maria Fernanda Lins.
“Estamos ameaçando o sistema de solidariedade entre gerações”, diz Camarano. A pesquisadora do Ipea apresentou dados que descrevem um cenário de mudança profunda. “Quando falamos população idosa, falamos de um conjunto extremamente heterogêneo, com demandas de saúde muito distintas. Mas há algo comum: todas essas faixas pressionam o sistema porque vivem mais e enfrentam mais doenças crônicas”, afirmou.
Camarano alertou que a queda da fecundidade e a redução da população economicamente ativa já afetam diretamente o pacto intergeracional brasileiro. “Nosso sistema de proteção pressupõe que jovens financiam o custo social dos mais velhos. Esse arranjo está sob ameaça. Temos menos nascimentos, menos força de trabalho futura e mais pessoas vivendo até 90 ou 100 anos”, explicou.
Ela avaliou que a reorganização do cuidado é inevitável. “Dois terços dos idosos dependem exclusivamente do SUS. Não há como manter um modelo hospitalocêntrico. Precisamos de redes de cuidado baseadas em prevenção, atenção primária fortalecida e serviços que mantenham autonomia e funcionalidade”, disse.
Camarano também defendeu que o país avance nos cuidados de longa duração. “Não podemos naturalizar o hospital como espaço de permanência longa. O Brasil precisa de cuidadores capacitados, articulação com a assistência social e uso intensivo de tecnologias assistivas, telemonitoramento e prontuário eletrônico integrado”, completou.
A fala da pesquisadora foi complementada pelos demais integrantes da mesa, que reforçaram que o envelhecimento ocorre de forma desigual entre regiões e grupos sociais e que políticas transversais são essenciais para evitar o agravamento das assimetrias.
Transição demográfica e financiamento da saúde
A segunda mesa do seminário foi mediada pelo técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Tony Bezerra e composta pelo diretor de Desenvolvimento Institucional (Dides) do Ipea, Fernando Gaiger Silveira; pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Kenya Noronha; representante da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) Mariana Alves Melo; e pesquisadora Luciana Dias de Lima, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz).
O pesquisador Tony Bezerra apresentou dados que ajudam a dimensionar o impacto fiscal da transição demográfica. Segundo ele, “o aumento acelerado da população idosa tende a elevar o gasto público em saúde, ao mesmo tempo em que a diminuição da população em idade ativa pressiona a arrecadação. É um duplo movimento que exige planejamento consistente”.
Bezerra também ressaltou que, embora o envelhecimento imponha custos adicionais ao sistema, o problema central está na baixa estabilidade e na fragmentação do financiamento. “O desafio não é apenas gastar mais, mas gastar melhor, de forma contínua e planejada”, disse.
Em seguida, o diretor da Dides/Ipea, Fernando Gaiger Silveira, fez uma análise sobre a trajetória recente do financiamento público. Ele lembrou que o gasto federal em saúde perdeu participação relativa no orçamento ao longo dos últimos anos, especialmente após mudanças nas regras fiscais. “O Brasil fez uma transição demográfica rápida, mas não fez a transição financeira correspondente. Estamos envelhecendo sem que o financiamento da saúde acompanhe essa dinâmica”, afirmou.
Gaiger enfatizou que a instabilidade orçamentária compromete o próprio caráter universal do SUS: “O SUS foi desenhado para ser universal, mas seu financiamento não é universalizado. Ele continua dependendo de ciclos econômicos e decisões anuais que retiram previsibilidade do sistema”. Ele também alertou que a ausência de um modelo estável de financiamento impede que a política se adapte a uma população com necessidades crescentes de cuidado continuado, reabilitação e manejo de doenças crônicas.
A pesquisadora Kenya Noronha (Cedeplar/UFMG) reforçou que o Brasil não apenas envelhece rapidamente, mas envelhece de forma desigual, o que impacta diretamente a distribuição territorial do gasto. “O envelhecimento no Sul e Sudeste ocorre com indicadores melhores de renda e acesso a serviços, enquanto regiões mais pobres envelhecem com maior carga de doenças e menor oferta assistencial. Isso torna o financiamento ainda mais complexo”, explicou. Segundo ela, sem um olhar federativo e redistributivo, o aumento das demandas pode acentuar desigualdades já existentes na cobertura e na qualidade dos serviços.
Representando a ABrES, Mariana Alves Melo destacou que o subfinanciamento histórico do SUS se torna mais evidente quando comparado com países que já passaram por transições demográficas semelhantes. “O gasto público per capita em saúde no Brasil ainda está muito abaixo da média internacional para sistemas universais. O país precisa fortalecer mecanismos de proteção ao orçamento da saúde se quiser evitar perdas de cobertura”, reforçou.
Encerrando o seminário, a pesquisadora da ENSP/Fiocruz Luciana Dias de Lima destacou que o envelhecimento exige ainda mudanças na organização dos serviços. “O desafio não é apenas orçamentário. É preciso repensar modelos de cuidado, integrar saúde e assistência social e fortalecer políticas de longo prazo.”
Para ela, o envelhecimento expõe a necessidade de superar o modelo hospitalocêntrico e ampliar redes de cuidado territorial. Luciana reforçou que “sem coordenação entre União, estados e municípios, e sem financiamento adequado, o sistema não conseguirá responder à complexidade das necessidades da população idosa”.
Acesse aqui as fotos do seminário.
Fotos: Thiago Albuquerque/Ipea
Confira abaixo a gravação do evento.