Resultados de pesquisa sobre agrotóxicos no DF são apresentados em seminário online

Fernanda Marques 29 de junho de 2021


Cerca de 95% das áreas agrícolas do Distrito Federal (DF), especialmente nas regiões de Planaltina e Paranoá, são ocupadas por plantações de soja e milho transgênicos, que consomem em torno de 11 milhões de litros de agrotóxicos a cada safra. Em outras regiões, como Brazlândia e Vargem Bonita, também se registra uso intensivo de agrotóxicos no cultivo de hortaliças. De 2000 a 2019, o consumo de agrotóxicos no DF aumentou mais de 140%. A curva de intoxicações por esses produtos também é ascendente no período de 2007 a 2015, com muitos casos notificados em crianças e jovens. Os dados fazem parte da “Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico em Saúde – Pesquisa sobre Agrotóxicos no Distrito Federal”, coordenada pela Fiocruz Brasília. 

 

Os resultados foram apresentados em um seminário virtual realizado nesta segunda-feira (28/6).  “A contaminação por agrotóxicos não é democrática. Ela segue um padrão de pobreza: as populações mais expostas e contaminadas são as mais vulnerabilizadas”, afirmou o pesquisador Vicente Almeida, que fez a apresentação do estudo. “A pesquisa mostra também uma fragilização no DF dos órgãos de fiscalização. Precisamos ofertar melhores alternativas de controle e proteção”, destacou.

 

De acordo com o organizador do evento e pesquisador do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília, André Fenner, os resultados do estudo podem contribuir para a construção dessas alternativas. “O projeto, ao desenvolver conhecimentos sobre os agrotóxicos, traz novas perspectivas de pesquisa e entregas para a saúde da população”, disse Fenner. “Este é um projeto que entrega resultados importantes não só para a saúde da população do DF, mas para todo o planeta”, completou a vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira.

 

Segundo a deputada Erika Kokay, a discussão sobre territórios livres de agrotóxicos é estruturante para a construção do modelo de desenvolvimento do país. “Não teremos um modelo pautado pela promoção da saúde e da qualidade de vida com agendas que achacam os direitos dos territórios e das populações a partir de uma exploração predatória. O impacto do agrotóxico na vida das pessoas precisa ser traduzido cotidianamente. Não podemos mais aceitar ser um país que passa fome ou come uma comida envenenada”, pontuou. A expectativa é fomentar iniciativas legislativas não só para combater o uso indiscriminado de agrotóxicos, como também para incentivar a agricultura agroecológica, a partir de modelos mais saudáveis e equilibrados ambiental e socialmente.

 

Agrotóxicos e pandemia

Palestrantes presentes no seminário mostraram como a degradação ambiental – associada à expansão do agronegócio e ao uso de agrotóxicos – causa desequilíbrios ecológicos e pode levar à emergência de doenças, como a Covid-19. “Doenças de macacos ou morcegos estão em equilíbrio em seus ecossistemas, até que eles são invadidos ou destruídos, sendo uma das causas principais dessa agricultura intensiva, com esse modelo que usa agrotóxicos em larga escala, e que está associado também a um modelo de consumo muito desigual”, alertou o pesquisador Leonardo Melgarejo. “Precisamos de uma nova orientação produtiva que compreenda que existe uma só saúde: ambiental, animal e humana”, recomendou. Nesse sentido, o coordenador do PSAT, Jorge Machado, defendeu uma articulação entre atenção primária em saúde, vigilância da saúde ambiental e vigilância da saúde do trabalhador. “Uma vigilância em saúde de base territorial integrada e, sobretudo, participativa”, sintetizou Machado. 

 

Para a pesquisadora Karen Friedrich, a expulsão de comunidades tradicionais de suas terras e os envenenamentos são impactos diretos da expansão do agronegócio, que causa também prejuízos indiretos, como o adoecimento por falta de acesso a alimentos in natura e pelas consequências do desequilíbrio ecológico. “A exposição a substâncias tóxicas fragiliza o organismo das pessoas e as torna mais vulneráveis a infecções por patógenos, como o vírus da Covid-19, reforçando como o modelo que usa agrotóxicos aprofunda esse adoecimento”, explicou.

 

Segundo a pesquisadora, não por acaso o Brasil é hoje um dos epicentros da pandemia e um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. “O Brasil importa substâncias que outros países já proibiram e as exporta na forma de commodities agrícolas, especialmente soja e milho, ou seja, exporta o veneno dentro dos alimentos”, ressaltou. De acordo com dados trazidos por Friedrich, 24% do volume de agrotóxicos utilizados no Brasil correspondem a substâncias já proibidas em três ou mais países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). E cerca de 67% desse volume de agrotóxicos utilizados no Brasil estão associados a, pelo menos, um agravo crônico de saúde, como câncer e danos ao sistema endócrino, segundo documentos oficiais internacionais.  

 

Acidentes com agrotóxicos

Friedrich finalizou sua apresentação com orientações sobre o que fazer em caso de acidentes com agrotóxicos, entendidos como ocasiões em que populações são expostas a grandes doses em curto período de tempo. Essas ocasiões são diferentes da exposição a doses menores, porém permanentes, situações que devem ser acompanhadas pela vigilância em saúde, em um trabalho rotineiro e que precisa ser fortalecido, segundo a pesquisadora. Ela também ressaltou que acidentes requerem investigação, pois podem, inclusive, vir a ser caracterizados como crimes. Para essa investigação, é necessário conhecer as características da atividade produtiva local e as características físico-químicas dos agrotóxicos; fazer uma amostragem adequada; contar com um laboratório público habilitado para a realização das análises; e dispor de diretrizes para diagnóstico e tratamento das intoxicações, com atenção especial aos grupos mais suscetíveis, como crianças, mulheres grávidas e pacientes já acometidos por outras doenças.

 

A gravação da íntegra do seminário está disponível no canal da Fiocruz Brasília no YouTube