Os riscos do consumo de bebidas alcoólicas: para além da contaminação de bebidas por metanol

Fiocruz Brasília 8 de novembro de 2025


Artigo de opinião de Eduardo Nilson*

Nos últimos meses, o Brasil acompanhou uma intensa mobilização em torno dos casos de contaminação por metanol em bebidas alcoólicas falsificadas. Sem dúvida a comoção representa uma questão policial e de saúde, que deve ser enfrentada em seus diferentes aspectos, desde a fiscalização até o diagnóstico e tratamento de possíveis intoxicações.
Passado o momento mais crítico, é preciso ampliar o foco. Uma situação dramática como esta, com mortes, cegueira e outras consequências, sem dúvida demanda uma resposta organizada e coordenada do poder público, que inclui a informação à população, investigação, monitoramento e tratamento de casos, mas revela a relativa invisibilidade dos impactos do consumo de álcool sobre a saúde dos brasileiros.

O consumo de álcool está relacionado ao risco de um conjunto de doenças crônicas não-transmissíveis, como doenças cardiovasculares, neurológicas e do sistema digestivo e cânceres, desenvolvidas em médio e longo prazo. Contudo, para além destas, o álcool também está relacionado a riscos mais imediatos, tais como doenças respiratórias (principalmente a tuberculose), HIV/aids (pela relação com o sexo inseguro) e acidentes e violências. O efeito dessas doenças e agravos é devastador para as famílias, para os sistemas de saúde e para as sociedades. Por exemplo, o álcool representa um importante fator de risco para doenças cardiovasculares em ambos os sexos, para o câncer de mama entre as mulheres e para a morte de adultos jovens por acidentes de trânsito e violência interpessoal.

Estimativas recentes, baseados em dados de 2019, mostram que cerca de 102 mil brasileiros e brasileiras morrem a cada ano por doenças associadas ao consumo de bebidas alcoólicas. As mortes prematuras atribuíveis ao álcool somam custos de mais de R$20 bilhões por ano em perdas de produtividade, às quais se somam R$1,2 bilhão em custos ao Sistema Único de Saúde e R$451 milhões em aposentadorias precoces, licenças previdenciárias e absenteísmo (falta ao trabalho) por doenças atribuíveis ao álcool.

É fundamental reforçar que não estamos falando somente de consumo excessivo de álcool ou de alcoolismo, mas do consumo total, incluindo o consumo regular, chamado “social”, e mesmo esporádico de bebidas. Isso inclui o consumo de cerveja, vinho, destilados e outras bebidas, que é normalizado em nossas sociedades. Se, por um lado, existe, uma comprovada relação dose-resposta entre o consumo e os riscos à saúde, ou seja, quanto maior o consumo de álcool, qualquer que seja a bebida, maior o risco, por outro, a Organização Mundial da Saúde, baseada nas evidências científicas mais recentes, recomenda que não há nível seguro para o consumo de álcool. Ainda, é preocupante que a experimentação das bebidas ser muito frequente entre os adolescentes brasileiros, além do aumento no consumo entre mulheres.

Diante disso, não estamos falando de agir com alarmismo ou falso moralismo, como propor uma Lei Seca ou algo parecido, mas com realismo, tratando seriamente sobre o impacto desse fator de risco à saúde de nossa população. Para começar, a mensagem pública de “consumir com moderação” não é adequada e não é sustentada pela ciência, pois a orientação deveria no mínimo falar em evitar o consumo e, se consumir, que seja em pequena quantidade. 

Na resposta a esse desafio, porém, não podemos colocar toda a responsabilidade sobre as escolhas individuais, seja na contaminação por metanol ou nas consequências do consumo de bebidas alcoólicas em geral, pois as escolhas saudáveis dependem de ambientes que as promovam e facilitem e é papel do Estado proteger a saúde da população.
É momento, portanto, para atuar em diferentes estratégias cujo impacto é reconhecido, como a tributação seletiva para todas as bebidas alcoólicas (já prevista na atual reforma tributária), a restrição da publicidade desses produtos (incluindo a cerveja, especialmente aquela que visa jovens e associa álcool a esporte, música e sucesso), a restrição de pontos e horários de venda e a ampliação de informação à população, entre outras.

Não será fácil, mas nossa história com o tabaco mostra o quanto é possível e necessário.


*Eduardo Nilson é biólogo e pesquisador da Fiocruz Brasília.