Projeto da Fiocruz aproxima ciência e SUS de jovens estudantes do RJ e DF

Nathállia Gameiro 11 de dezembro de 2020


“A Ceilândia exala ciência. Desde 2018, quando o projeto apareceu, vem corroendo as estruturas da torre de marfim, quebrando os limites dos laboratórios e os muros universitários. Hoje, a ciência é feita dentro da Ceilândia, em cada beco,  cada viela, na zona rural, nas escolas de ensino fundamental e ensino médio”. É desta forma que a professora Mariana Siqueira, do Centro de Ensino Fundamental 34 de Ceilândia, define o Fórum Ciência e Sociedade.

 

O projeto é uma ação educativa não formal com foco na divulgação e popularização da ciência e tecnologia, voltada para a rede pública de educação básica. Ele é realizado pela Fiocruz desde 2002, em parceria com diversas instituições de pesquisa e educação. Reúne pesquisadores, estudantes, docentes e sociedade civil em debates sobre temas de ciência e tecnologia relevantes para a promoção da saúde.

 

Em 26 edições e com a participação de mais de 3 mil estudantes ao longo desses anos, o Fórum já abordou temas como segurança alimentar e nutricional, agroecologia e sustentabilidade, erradicação da miséria, entre outras questões. A última edição, de 2018, foi desenvolvida em conjunto com outras unidades da Fiocruz, como o Museu da Vida, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, o que determinou a escolha do tema: arboviroses. Durante esses dois anos, estudantes de escolas de Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal, Maricá, Paraty e Manguinhos, no Rio de Janeiro, participaram de visitas de campo, encontros de sensibilização, pesquisas e debates. O debate final foi realizado em formato virtual nesta quarta e quinta-feira, 9 e 10 de dezembro.

 

“A força do território e o diálogo entre diferentes saberes é o fio condutor do projeto, que fortaleceu as pessoas e ampliou o conhecimento para que pudessem atuar naqueles locais, já que o conhecimento faz a gente agir no mundo. Partimos das arboviroses para trabalhar com o território diversas outras pautas de saúde, violência, ocupação urbana e resíduos sólidos. A Fiocruz deixou um legado nesses locais e contribuiu com a formação cidadã dos jovens e para a melhoria de condições de vida e de saúde”, explicou a coordenadora nacional do projeto e pesquisadora da Fiocruz Brasília, Luciana Sepúlveda.

 

Jovens estudantes, professores e pesquisadores das quatros localidades compartilharam a experiência com o projeto e os resultados, entre eles: mudanças de comportamento e mudanças físicas na escola e nos arredores; o aprendizado de que o mosquito Aedes aegypti não é o problema da doença, mas sim uma série de atitudes e questões estruturais; que todos devem cuidar do meio ambiente inclusive para evitar doenças; e a descoberta da possibilidade de fazer ciência fora de laboratórios.

 

Para a professora de história Ieda Ferreira, do Centro Educacional 07 de Ceilândia, participar do projeto foi um momento de grande aprendizado e os professores puderam ampliar as perspectivas e desmistificar o universo da pesquisa. “Os olhos deles [dos estudantes] brilharam por cada descoberta, cada questionário e levantamento que eles conseguiram fazer. Ampliou o universo desses meninos e hoje eles podem sonhar em ser cientistas. Ser cientista não é mais uma ideia inatingível”, explica.

 

Os educadores que acompanharam os alunos no projeto destacaram que os estudantes ampliaram os conceitos de saúde e ciência, o conhecimento do próprio território onde estudam e vivem, o reconhecimento de que são parte desse território, a verificação de problemas e a descoberta de soluções, a consciência com o mundo e as ações no meio em que vivem.

 

Para a pesquisadora Margareth Oliveira, que acompanhou o projeto em Maricá, os jovens se reconheceram como atores dentro do território e viram a importância da participação. Criaram, ainda, senso crítico de cuidado. “Foi uma fase de descoberta e foi incrível o interesse deles. Conheceram a própria cidade e o acesso ao SUS. O projeto transformou a nossa vida em todos os sentidos, no acesso das pessoas ao serviço público, no cuidado que precisamos ter com o meio ambiente e no respeito pelas pessoas dentro do território. Mostrou como podemos viver de forma melhor”, destacou.

 

Cristiano de Morais, estudante do Incra 9, em Ceilândia, disse que passou a entender a relação das condições de vida da cidade com a saúde, o caminho que as águas fazem da nascente até as casas, e a importância do SUS e dos serviços públicos ofertados no território. Neste ano, os casos de dengue aumentaram, somando-se aos mais de 26 mil casos de Covid-19 na região.

 

A estudante Laura Allana, do CEF 34 de Ceilândia, contou que, antes do projeto, não tinha conhecimento de como o SUS é importante. Não sabia, por exemplo, que o SUS está na água tratada que recebemos em casa e nas vigilâncias ambiental e sanitária. “Graças ao projeto pudemos ver como ele agrega em nossas vidas de diferentes formas. O SUS é, sim, importante, devemos sempre defendê-lo”, ressaltou a aluna.

 

“Os estudantes viram que o SUS não é só o hospital, está em uma série de práticas do cotidiano, em políticas de prevenção e conscientização. Se não fosse o SUS, a situação do enfrentamento da pandemia seria ainda pior do que estamos vivendo”, afirmou o professor Fabiano de Bonis, do Colégio Estadual Professor Clóvis Monteiro, do Rio de Janeiro. A atuação dos agentes comunitários de saúde foi destacada como essencial para a diminuição de casos de dengue nos territórios e para informar a comunidade, especialmente em Manguinhos, bairro onde está localizada a sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro, e que apresenta um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano da cidade. 

 

Para o pesquisador da Fiocruz Mauro Gomes, os jovens aprenderam que saúde é um direito e que devem cobrar as autoridades pela prestação de serviço de qualidade, tornando-se também agentes multiplicadores do conhecimento nas comunidades.

 

Com a pandemia, o tema da Covid-19 também foi abordado com os alunos durante as atividades do Fórum, que discutiram as semelhanças com as arboviroses e os impactos das doenças nas populações mais vulnerabilizadas. Grácia Gondim, pesquisadora da EPSJV, afirmou que o Fórum deu vez às comunidades e aos vulnerabilizados que sofrem diariamente pressões, precarização das condições de vida e cerceamento de direitos à água e ao saneamento básico. Em Paraty, por exemplo, situada entre as duas maiores metrópoles do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, comunidades tradicionais quilombolas, caiçaras e indígenas têm sido historicamente pressionadas por significativos impactos ambientais e sociais.

 

A abertura do encontro online contou com a participação da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado; da diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio; da diretora da Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Anakeila Stauffer; do coordenador do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, Edmundo Gallo; do diretor da Casa de Oswaldo Cruz, Paulo Elian; e da representante da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Tatiana Zara Mingote.

 

O evento está disponível no Youtube. Confira o vídeo do primeiro dia

 

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