Nathállia Gameiro
Cerca de 60 alunos de quatro escolas da Ceilândia (DF) participaram do Fórum Ciência e Sociedade, projeto da Fiocruz
Crianças e adolescentes de 12 a 16 anos tiveram a oportunidade de refletir e se debruçarem sobre problemas encontrados na Ceilândia, região onde moram que está localizada a cerca 30 km do centro de Brasília. Divididos em grupos, sugeriram propostas para diminuir os problemas de resíduos sólidos, crise hídrica e a incidência de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. As soluções foram apresentadas durante os debates que marcaram a etapa final do Fórum Ciência e Sociedade, realizado entre os dias 6 e 8 de novembro no Instituto Federal de Ceilândia.
Entre as propostas estão reduzir o uso de plástico nas escolas, desenvolver receitas de repelente natural, cuidar para que tanques de reuso de água não virem foco de mosquitos, implantação de horta comunitária nas escolas e na comunidade, orientação sobre coleta seletiva à população, capacitação de funcionários das escolas, campanha nas comunidades para evitar acúmulo de lixo em terrenos vazios, conscientização sobre o uso de sacolas plásticas, troca de torneiras comuns em escolas para as de pressão, conscientização por meio de mídias sociais e proibição de construções ilegais que matam nascentes e fiscalização de desmatamento de florestas.
A criatividade tomou conta das equipes, que utilizaram entrevistas, vídeos, texto e poemas sobre os temas. Um dos textos falou sobre a responsabilidade de cada um com o planeta. “Quero terminar este ano pedindo que cuidem do nosso planeta!!! Tenham consciência do uso da água, tenham cuidado ao descartar os lixos e tomem medidas para prevenir a dengue e outras doenças. É importante que cada um de nós aqui presente seja um multiplicador desse conhecimento e converse com os alunos que não puderam estar aqui sobre a importância de adotar medidas simples que vão fazer toda a diferença para o meio ambiente. Quando chegar em casa, separe seu lixo e reaproveite a água. Explique à sua família que todos somos responsáveis por cuidar do planeta”, diz um trecho de uma carta elaborada por um dos grupos de estudantes.
Até o início de outubro deste ano, foram confirmados 111 casos de dengue na Ceilândia. No verão os números aumentam. De acordo com a enfermeira da Vigilância Epidemiológica da Região Oeste do DF Aline Melgaço, como os casos param de aparecer na mídia nos outros meses, as pessoas esquecem do cuidado. “Enquanto isso o mosquito continua voando. Fazemos ações educativas, mas a responsabilidade é de cada um”, disse.
O sanitarista e pesquisador da Fiocruz Brasília Cláudio Maierovitch, apresentou a história da Fiocruz desde o surgimento e o histórico da dengue no Brasil. O primeiro caso foi descrito em 1865, em Recife. E em 1846, foi considerada endêmica e se espalhou para outros estados. Ele destacou que a dengue é um problema há mais de 30 anos e, em 2013, o país teve um recorde de casos: 1,65 milhão. “O problema não está melhorando e isso envolve necessidade de conhecimento e formulação de perguntas”, afirmou.
Maierovitch afirmou ainda que o Brasil é o país que mais tem arboviroses no mundo, pela localização geográfica, grande extensão terrestre e o clima tropical, sendo um local adequado para a existência dos vetores. Arboviroses são doenças causadas por vírus e transmitidas por artrópodes (insetos e aracnídeos). Dos mais de 545 espécies de arbovírus conhecidos, cerca de 150 causam doenças em humanos. O pesquisador destacou a necessidade de criar estratégias em várias frentes para combater as doenças. “Enquanto as pessoas mantiverem o padrão de consumo, vamos continuar gerando desequilíbrio no sistema. Precisamos juntar tecnologias e ações para controlar as doenças”, disse.
O biólogo da Secretaria de Saúde do DF Israel Martins apresentou as ações realizadas pela SES para manter a infestação do vetor em níveis baixos e evitar altas taxas de transmissão das doenças. Apresentou também os dados do Levantamento de Índice Rápido do Aedes aegypti (LIRAa), que mostra o tipo de depósito utilizado em cada região administrativa. Na Ceilândia, predominam vasos/frascos com água, pratos, garrafas retornáveis, pingadeira, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros em geral, pequenas fontes ornamentais, materiais em depósitos de construção (sanitários estocados e canos) e objetos religiosos.
Martins apontou como desafio a mobilização social, inspeção de imóveis, descarte inadequado de lixo, racionamento de água e educação em saúde. Ele ressalta que é preciso prevenir, e com ações pequenas é possível melhorar a situação, como cada cidadão realizar a vistoria semanal em suas casas e trabalho.
Visitas de campo
Durante quatro meses, os alunos do Instituto Federal de Brasília campus Ceilândia, Centro Educacional Incra 9, Centro Educacional 7 e Centro de Ensino Fundamental 34 participaram de saídas de campo para a Embrapa, Estação de tratamento de esgoto e de água, usina de reciclagem e leituras e vídeos para debate nas escolas.
Eles foram os protagonistas de todo o processo. A experiência foi contada pelos alunos durante a etapa de debate. “São coisas que a gente aprende na prática. Nas visitas eu vi coisas que eu faço e nem sabia que faziam tão mal para o meio ambiente. E o debate é uma das formas mais eficazes de troca de conhecimento”, disse a aluna Larissa S., 16 anos, do CED Incra 09. Um aluno destacou que 99% dos focos de dengue estão no lixo doméstico e comentou que locais vazios que indevidamente viram depósito de todo o tipo de lixo, podem se transformar em locais importantes, como o caso do terreno do Instituto Federal de Ceilândia, que antes era um local de entulho.
Para a coordenadora do projeto, Luciana Sepúlveda, o Fórum articula conhecimento e informação para a ação. “A escola pode ser um lugar de transformação do mundo”, destacou.
Os três dias de evento contaram também com apresentações de projetos e finalizou com um teatro sobre a crise hídrica, formulado pelos estudantes do CED Incra 09.