Pesquisadora da Fiocruz analisa a proposta da reforma da previdência em seminário na Câmara dos Deputados

Mariella de Oliveira-Costa 6 de junho de 2019


Mariella de Oliveira-Costa

 

A pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Sonia Fleury, participou, nesta terça-feira, 4 de junho, do Seminário Internacional sobre Experiências em Previdência Social. Promovido pela Comissão Especial que analisa a reforma da Previdência (PEC 06/2019), o evento abriu espaço para especialistas a favor e contra a Reforma, vindos de diferentes instituições brasileiras e estrangeiras.

Sonia Fleury defendeu o atual sistema previdenciário, que considerou muito necessário à realidade brasileira, dada a essência da solidariedade nele prevista e a capacidade de enfrentar o mundo em transformação. Ela alertou que há pontos positivos na Reforma, como acabar com as desonerações e adequar a idade mínima para aposentadoria, mas, não é possível que por meio de uma emenda à constituição, se desconstitucionalizem as garantias e os direitos sociais dos trabalhadores, e constitucionalize algo que não se sabe exatamente como será. A especialista apontou que não se deve retroceder, vinculando o salário formal à contribuição, e lembrou que a Organização Internacional do Trabalho tem princípios para se debater a previdência, e estes estão sendo esquecidos nesta proposta apresentada pelo governo federal, tais como o diálogo social, a universalização da cobertura, a equidade de gênero, a participação social, com eficiência e custos administrativos razoáveis. “O único que está sendo respeitado se refere à necessidade de sustentabilidade financeira do país e, ainda assim, está descrito de forma duvidosa.”

A pesquisadora apontou ainda que os benefícios poderão estar cada vez mais deprimidos, gerando empobrecimento da população, repassando os recursos dos trabalhadores para o custo de transição para o mercado e as instituições financeiras. “Os parlamentares vão dar esse cheque em branco ao super-ministro e, depois, sem pacto federativo, de forma autoritária, aprovar uma reforma atrasada e que não dialoga com a sociedade atual, com cada vez menos emprego e mais trabalho formal? O que será feito com quem está na informalidade? A reforma não considera o que já aconteceu no mundo e não deu certo, nem um projeto de desenvolvimento para gerar emprego, nem uma reforma tributária. Será que a única fonte de financiamento das contas públicas está no dinheiro dos mais pobres? Heranças, lucros, dividendos, juros estão sendo ignorados, então, é uma reforma injusta. Se for aprovada, o Brasil será o Chile, onde as pessoas contribuem como classe média e se aposentam como pobres”, disse.

A Fiocruz foi convocada a participar deste debate pois, falar de previdência social, está relacionado com o SUS, na medida em que esse dinheiro que se pretende economizar, com a reforma, não vai para a saúde pública, mas para os bancos. Sônia ressaltou que a reforma vai afetar a saúde da população, que vai viver miseravelmente e que há um interesse em demonizar o fundo público Funpresp e o funcionalismo público, bem como o próprio FGTS, para avançar na privatização.

Outro especialista que recomendou que os parlamentares rejeitem a proposta do governo, apresentando um substitutivo a ela, veio da Universidade de Brasília. O professor do departamento de Economia, José Luís Oreiro, desmistificou alguns argumentos a favor da PEC. Segundo ele, há um terrorismo econômico, ao se dizer que se a reforma não for aprovada, os servidores públicos vão ficar sem salário em 2020. A União possui mais de 1,2 trilhão de reais na conta única do Tesouro do Banco Central, o que representa 18% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto que o financiamento do setor público é de 7%.

Outro mito, segundo ele, está em dizer que os gastos previdenciários respondem por mais da metade do orçamento da União. Segundo ele, é preciso incluir na conta a despesa ausente com o pagamento de juros da dívida, o que faz com que o peso dos gastos previdenciários caia substancialmente. “O Brasil tem uma dívida mediana em comparação com outros países, mas seu pagamento de juros é superior ao dos outros países. Por que não discutir esse pagamento?” Ele lembrou que a reforma para os servidores públicos já foi feita, pois todos que ingressaram após 2013, já se aposentam pelo teto do INSS, independentemente de seu salário na ativa.

A coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, também apresentou os riscos da capitalização. Segundo ela, a dívida pública tem sido gerada por mecanismos de política monetária suicida do Banco Central, com juros elevados a partir da escassez de moeda no mercado, remunerando  a sobra de caixa nos bancos públicos. Ela lembrou que a previdência social é um patrimônio do povo brasileiro e que não se pode colocá-la em risco. “Somente o setor financeiro vai ganhar, e a carga pesada será dos servidores públicos, da população miserável e dos que ganham menos,” disse.

Outro lado

O professor do Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidade do Chile, Claudio Andres, apresentou a experiência da previdência social de seu país, baseada na capitalização, em que o pilar de contribuição se financia pela renda do trabalhador, com recurso acumulado em uma conta individual, e investido no mercado de capitais. Há um pilar solidário, financiado com os impostos e um pilar voluntário, para quem quer incrementar com aportes adicionais à contribuição mínima. Ele ressaltou que quem administra os fundos não é o Estado. 

O economista principal no grupo Banco Mundial, Heinz  Rudolph, alertou que os benefícios atuais da previdência social no Brasil são insustentáveis com os fatores demográficos. Ele apresentou dados do envelhecimento rápido da população brasileira, e como isso influencia no desenho da reforma da previdência. Segundo ele, também é preciso que o país reveja as diferenças na idade das aposentadorias segundo categorias profissionais. “Não há justificativa para que os professores se aposentem antes dos demais trabalhadores,” afirmou.

Outro especialista que ressaltou a proposta da Reforma da Previdência foi o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, Felipe Scudeler Salto . Ele afirmou que a economia brasileira passa por um dos piores momentos dos últimos 120 anos, com dívida pública que atinge 80% do PIB e explicou a rapidez com que as despesas obrigatórias vêm crescendo, daí a necessidade da reforma.

Clique aqui para acessar o artigo Capitalização: segurança para o mercado financeiro, insegurança para os trabalhadores, escrito por Sonia Fleury e Virginia Fava. 

Para assistir à gravação do Seminário Internacional sobre Experiências em Previdência Social, clique aqui. 

Papo Móvel 

A pesquisadora Sonia Fleury aproveitou a viagem e participou da 28a edição do Papo Móvel, informativo da Fiocruz Brasília específico para o Youtube. Clique aqui para assistir. 

 

Foto: Câmara Federal