Fala aê, mestre: a Saúde do Trabalhador no Brasil

Fernanda Marques 24 de fevereiro de 2023


A trajetória da Saúde do Trabalhador no Brasil foi tema de uma pesquisa realizada na Fiocruz Brasília. A evolução de seus aspectos teóricos e práticos, a estruturação da Vigilância em Saúde do Trabalhador, a vinculação ao SUS e sua institucionalização por meio das políticas públicas de saúde, após a Constituição de 1988: esses e outros aspectos foram abordados na dissertação do enfermeiro Jorge Henrique de Sousa e Silva Filho, defendida no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília.   

 

Além de uma revisão narrativa, Jorge Henrique fez uma análise crítica de portarias, normas, leis e relatórios de Conferências Nacionais de Saúde. O estudo aponta avanços no processo de gestão das políticas de Saúde do Trabalhador, no que diz respeito aos princípios da intersetorialidade e da participação da comunidade. Mas a pesquisa mostra também que é necessário fortalecer instrumentos que garantam a efetiva implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora.

 

Entrevistado para a série de divulgação científica “Fala aê, mestre”, Jorge Henrique fala da relação entre trabalho e saúde, descreve os campos de atuação da Saúde do Trabalhador e da Vigilância em Saúde do Trabalhador, e comenta seus principais avanços e desafios, em uma perspectiva atual e histórica.

 

Conte um pouco das suas motivações para a realização da pesquisa.

Em 2015, fiz a especialização em Saúde Coletiva na Fiocruz Brasília, momento em que tive uma primeira aproximação com as discussões sobre a Saúde do Trabalhador. Em 2016, iniciei uma experiência no mundo sindical como diretor do Sindicato dos Enfermeiros do DF. Foi a partir da atuação como sindicalista que tive contato com as questões que envolvem o mundo do trabalho, assim como com as discussões das políticas públicas voltadas para a saúde do trabalhador. Compreendi o trabalho como categoria central no desenvolvimento das relações sociais, que influenciam sobremaneira as práticas em saúde.

 

Como se compreende, hoje, a relação entre trabalho, saúde e doença?

A saúde tem uma condição imanente, uma dimensão biológica, que traça o perfil dos grupos humanos em seus aspectos hereditários e congênitos, os quais nem sempre se subordinam aos determinantes sociais e políticos no tempo histórico. Já o trabalho, como elemento da condição humana, tem uma condição externa, subordinada às relações sociais e políticas no tempo histórico. Nesse sentido, o trabalho, é a condição mediadora de todos os determinantes sociais, inclusive os da saúde. A saúde, portanto, tem uma condição externa, que é influenciada pelas condições materiais de produção e reprodução da vida, e que se expressa através de suas contradições, gerando doença, sofrimento e morte.

 

Como podemos definir Saúde do Trabalhador e Vigilância em Saúde do Trabalhador?

A Saúde do Trabalhador é um corpo teórico-prático que utiliza conceitos de diversos campos do conhecimento, como a determinação social do processo saúde-doença, o movimento operário, a saúde pública, a saúde coletiva, a clínica, a engenharia, a toxicologia, a ergonomia e a epidemiologia, para responder às necessidades de saúde que emergem das relações de trabalho, desenvolvendo novas práticas e abordagens mais próximas da realidade dos coletivos humanos. A Vigilância em Saúde do Trabalhador é um processo social contínuo, desenvolvido a partir de um conjunto de saberes e práticas da saúde coletiva, que investiga e identifica os determinantes clínicos, epidemiológicos e sociais encontrados nos territórios, e que estão relacionados aos processos de trabalho, à organização dos trabalhadores e às condições de vida das populações.

 

Na linha histórica das políticas públicas de Saúde do Trabalhador e Vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil, quais pontos principais você destacaria?

Destaco a criação da Instrução Normativa da Vigilância em Saúde do Trabalhador, de 1998, com arcabouço técnico, conhecimento sistematizado e proposta de instrumentos em uma rede integrada para dar subsídio ao SUS nas ações de promoção, prevenção, assistência, diagnóstico e vigilância em saúde do trabalhador. Destaco também a instituição da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, em 2012, que definiu os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do SUS, para o desenvolvimento da atenção integral à Saúde do Trabalhador.

 

Como a Saúde do Trabalhador e a Vigilância em Saúde do Trabalhador se consolidam dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)?

O movimento da Reforma Sanitária Brasileira, nos anos 1970, fez convergir a produção acadêmica, o programa da saúde pública e o movimento de trabalhadores, fundamentais para se construir o entendimento sobre os problemas de saúde da população e as práticas sanitárias. A aproximação do movimento da Reforma Sanitária brasileira com o movimento sindical de saúde do trabalhador passou a criar as condições para a construção dos programas de saúde do trabalhador. No início dos anos 1980, esses programas passaram a articular os elementos necessários para a participação dos trabalhadores nas decisões e na gestão das políticas, assim como no processo de construção do SUS. A inscrição do SUS na Constituição Federal de 1988 incorpora o direito à saúde do trabalhador na proposta de consolidação da saúde como direito universal, e atribui ao SUS a competência de realizar ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador.

 

Na sua análise de portarias, normas, leis, relatórios de conferências nacionais e outros documentos pertinentes ao tema, o que você identificou como principais avanços e desafios em relação às políticas públicas de Saúde do Trabalhador e Vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil?

As políticas, programas e conferências avançaram desvelando novas temáticas e as possibilidades de intercâmbio entre diversos setores, com a participação dos trabalhadores informais, da produção agrícola, da pesca, quilombolas e rurais sem-terra, com práticas de vigilância em saúde das populações expostas ao agrotóxico, vigilância ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e aos acidentes de trabalho, entre outros. Vem se configurando uma vigilância de base territorial integrada e participativa, que converge com a agroecologia, ciência que aplica os princípios dos sistemas sustentáveis. O enfrentamento do racismo e das desigualdades de gênero também vem sendo incorporado como premissa teórico-prática da Vigilância em Saúde do Trabalhador.

 

Jorge Henrique de Sousa e Silva Filho é autor da dissertação “A trajetória da Saúde do Trabalhador no Brasil e as políticas de Vigilância em Saúde do Trabalhador pós-Constituinte”, defendida em 27 de dezembro de 2022, com orientação do professor Jorge Mesquita Huet Machado.

 

Confira aqui as outras entrevistas com resultados de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos da Escola de Governo Fiocruz – Brasília

 

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