Fiocruz Brasília abre especialização para buscar respostas aos problemas de saúde de área mais vulnerável do DF

Nathállia Gameiro 23 de agosto de 2019


Mariella Oliveira-Costa

Imagine um curso voltado para a formação de pesquisadores populares, que possam aprender como o conhecimento científico auxilia a resolver os problemas específicos da área onde moram – e de fato, resolvam esses problemas. A Fiocruz Brasília, em parceria com o Instituto Federal de Brasília e a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, iniciou nesta quinta-feira, 22 de agosto, a especialização em Governança Territorial para o Desenvolvimento Saudável e Sustentável, com este propósito.

O curso de 360 horas vai abordar a integração entre os determinantes do processo saúde-doença, baseado em problemas sociais e suas repercussões na vida das pessoas que moram na região da Estrutural, a 25 quilômetros do centro de Brasília, área que tem um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano no país.  A região abrigou, até 2017, o maior lixão a céu aberto da América Latina e possui a menor renda per capita do DF.

 

Os estudantes selecionados em sua maioria são moradores ou atuam na região, e tem histórico de engajamento social e político para conseguir melhores oportunidades para a comunidade. Uma das mobilizadoras do bairro, desde quando a principal fonte de renda da comunidade era proveniente do lixão, Candaci Costa Cunha, afirmou que o curso será desafiador.  “Tenho sede de ter voz, e curso é um presente de Deus, pois por muito tempo o povo da Estrutural foi silenciado e invisibilizado. Hoje estamos aqui para um trabalho coletivo”, afirmou. “Quero estudar e trabalhar em prol da minha região, na cidade onde cresci e moro! Vou me especializar, aprender mais e ajudar nos nossos projetos ”, afirmou a jovem Apoliana Paes Landim, formada em administração de empresas. Concorda com ela uma das responsáveis pelo Coletivo da Cidade, Francisca Soares. “Sou defensora dos direitos humanos. Faço vários trabalhos na estrutural. O que já faço, posso melhorar, e unir os vários alunos interessados” disse. Já a pedagoga Francisca Maria Goreti ressaltou o ineditismo da proposta. “A possibilidade de estudar próximo de casa, e me sentir acolhida em um curso feito para mim, é muito única”, afirmou.

 

O coordenador de Integração Estratégica da Fiocruz Brasília e responsável pela iniciativa, Wagner Martins, afirmou que a capacitação quer dar respostas reais aos problemas de saúde vividos no território, com base na integração entre ensino, pesquisa e aplicação. Os módulos do curso vão tratar de temas como a introdução à governança territorial, políticas públicas em rede, desenvolvimento territorial, governo para a vida, além de uma oficina de prospecção para traçar cenários possíveis até 2030 e as possibilidades de intervenção.

 

Aula magna e abertura

A professora da Universidade de Brasília Dais Gonçalves Rocha ministrou Aula Magna sobre o pilar da participação no ensino, pesquisa e gestão da promoção da saúde. Ela apresentou algumas abordagens da participação popular e os desafios para a gestão. “Informar, consultar, envolver, colaborar e transferir poder é um longo caminho. É preciso investir na construção de contextos sociais e participativos e solidários, e buscar melhores condições para o desenvolvimento de cada pessoa que deles participam”, disse. Dais ressaltou também o desafio de se pesquisar com as pessoas, e não só coletar os dados, buscando novas abordagens metodológicas, com um tempo de pesquisa diferente do convencional. Segundo ela, é importante que mesmo com atuação local, se dialogue com a realidade nacional e internacional.

 

Durante a mesa de abertura da especialização, o reitor do Instituto Federal de Brasília, Wilson Conciano, resgatou a história de crescimento do Instituto Federal de Brasília, cuja previsão era de apenas um campus e hoje conta com dez, por todo o Distrito Federal. Segundo ele, esta territorialização é importante não só para ocupar os espaços, mas para dar possibilidade de se olhar as demandas de cada território e atendê-las. “É preciso que a instituição de ensino ocupe o espaço e atenda o anseio da comunidade”, disse. 

 

A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, reafirmou o compromisso da Fiocruz com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e destacou a construção da especialização com diferentes parceiros e considerando a coletividade. “A articulação com as pessoas da Estrutural possibilitou que façamos um curso que atenda à realidade e às questões que aqui ocorrem, para construirmos juntos a mudança da realidade que faça sentido para quem mora aqui, com protagonismo da comunidade”, disse. 

 

O coordenador do Coletivo da Cidade, Coracy Coelho, ressaltou que o curso livre traz uma perspectiva nova, de formação qualificada. Já o diretor do IFB Estrutural, Giano Copetti, lembrou da primeira ação dele do IFB, voltada para as mulheres que trabalhavam no lixão. “Não imaginava que teríamos um IF aqui na Estrutural. Temos orgulho em ofertar segundo grau diurno, graduação e agora especialização neste local”, disse.

 

As aulas da especialização serão realizadas às quintas, sextas e sábados, nas salas do IFB Estrutural.  Ao final do curso, os alunos com formação de nível superior serão certificados como especialistas, pelo Instituto Federal de Brasília. Os que não têm, vão ser certificados como participantes de curso livre pela Escola Fiocruz de Governo. O curso faz parte do Projeto Estrutural Saudável e Sustentável, do Programa Institucional de Territórios Saudáveis e Sustentáveis, e é parte da Estratégia Fiocruz 2030.

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