Mariella de Oliveira-Costa
“A questão fundamental da escola é o professor, e é preciso cuidar desse profissional da aprendizagem, que precisa ser formado, durante a licenciatura, como autor, cientista e pesquisador, e assim, formar alunos autores. Se não temos esse professor, é porque as universidades não têm formado em suas licenciaturas, profissionais com esse perfil. Portanto, é essencial uma nova proposta para a educação, interdisciplinar, com itinerários formativos. E a universidade sabe fazer isso, pois forma mestres e doutores, mas deixa de lado essa formação crítica na graduação. Isso precisa mudar”.
Esta foi parte da análise apresentada durante a abertura do ano letivo na Escola de Governo Fiocruz –Brasilia na última quarta-feira, 6 de março . O professor da Universidade de Brasília, Pedro Demo, falou sobre os desafios atuais da educação. Segundo ele, a escola se renova pelo professor, que deve ser o protagonista das mudanças, e não ocupar o papel de vítima. “A universidade está parada no tempo. É repetitiva, enfadonha, e não dá chance para que o aluno de graduação em licenciatura seja um autor. Como ele vai formar alunos autores, quando sair dela?”, indagou.
Os ataques que a educação pública vem sofrendo no Brasil, bem como o reconhecimento de suas falhas também fizeram parte da apresentação. Demo ressaltou que a universidade, apesar de ser um espaço de pensamento crítico, não aceita bem as críticas, e isso deve mudar, para que ela forme profissionais que estejam conectados com as necessidades atuais dos alunos. “Enquanto o estudante não for autor, ele não está aprendendo. Aprendizagem como autoria é algo que não brota espontaneamente na cabeça. É preciso educar pela pesquisa, na educação básica mesmo, tal como fazemos nos programas de iniciação científica, mestrado e doutorado onde o aluno de graduação entende os métodos e vai cursando seu caminho autoral, ” afirmou.
Formar professores para melhorar a educação básica
O pesquisador da UnB afirmou que o tipo de avaliação do ensino nos formatos internacionais, como o PISA, baseado no sistema chinês de educação é um modelo autoritário e desrespeitoso com o estudante, focado na competitividade e produtividade, deixando de lado o sentido de aprender algo, que é um processo autoral, biológico, sem uma receita de bolo padronizada para todos os alunos. “ O professor não ensina o aluno a aprender, mas media os processos de aprendizagem. Não basta só um repasse de informações e atividades repetitivas para se decorar conceitos, pois assim não se produz um aluno que pensa e critica a própria realidade, “ disse.
Os dados do Brasil de 2005 a 2017 mostram que tanto escolas públicas quanto privadas estão estagnadas no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), cujos pontos a mais devem vir pela aprendizagem dos alunos, não pela militarização das escolas, como os asiáticos fazem. Ele comparou dados de alunos das idades iniciais com os de ensino fundamental e médio e se percebe que, as crianças menores tem desempenho melhor, e uma pista para se explicar isso está no fato de que o ensino inicial é dado pelo pedagogo, que desenvolve mais vínculo com a criança, enquanto o licenciado chega, dá a sua aula e vai embora, limitando o ensino à transmissão de informação. O resultado? No Exame Nacional de Ensino Médio 2019, apenas 53 estudantes dentre os 4 milhões de inscritos alcançaram a nota máxima na redação, e 143.736 obtiveram a nota zero. O aluno que não produz nem elabora nada na escola, de maneira autoral, é um fracasso na redação.
“A escola, tal como se tem hoje, não consegue resolver o problema da aprendizagem. Dá aulas inúteis, com alunos que não aprendem nada. Isso é o instrucionismo, não educação”, disse. Ele afirmou também que a língua portuguesa vem sendo massacrada, devido a uma escola que não corresponde ao padrão mínimo da norma culta.
Na mesa de abertura, a diretora da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, Luciana Sepúlveda, lembrou que essa palestra traz um sentido da educação que se quer na instituição. O papel dos docentes na condução da Escola foi ressaltado pela diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, que reafirmou a necessidade de se pensar a sala de aula e a construção da realidade não só na teoria, mas também na prática. “Os alunos trazem as realidades do SUS que precisam de intervenção,” disse. Ela também destacou a importância de não se tornar vítima da sala de aula, encarando a aprendizagem como direito e pensando novas propostas pedagógicas e didáticas para se analisar criticamente as políticas públicas do país.
A coordenadora da especialização em saúde coletiva, Tatiana Novais aproveitou a ocasião para comentar sobre a faixa de boas-vindas no hall de entrada: Escola de Governo Fiocruz Brasília: território afetivo para troca de saberes e de práticas, consolidação do Sus e transformação social. A frase foi construída coletivamente entre os alunos. Segundo ela, a imersão dos alunos num território do Distrito Federal busca melhorar a compreensão de como ocorre a determinação social da saúde, como se dá o acesso das pessoas aos bens e serviços públicos, pensar a relação serviços-comunidade, identificar soluções para os problemas locais, e contribuir para a transformação econômica, sanitária, socioambiental e cultural dos territórios.
Clique aqui para acessar a galeria de fotos produzidas por Sérgio Velho Jr.
A atividade foi transmitida pelo Núcleo de Educação à Distância da Fiocruz Brasília e está disponível neste link.