Regulação de ultraprocessados desafia políticas no Brasil

Fiocruz Brasília 27 de setembro de 2018


Chile, Peru e Uruguai têm enfrentado os interesses das indústrias e regulado as embalagens de produtos ultraprocessados, com advertência frontal nos recipientes. Na Europa, Portugal alcançou uma redução de 5,5 toneladas de consumo de açúcar desde que aumentou a tributação incidente sobre bebidas açucaradas como, por exemplo, os refrigerantes. O Reino Unido proibiu a disposição de guloseimas próximas aos caixas dos supermercados. Em 2016, a Índia aprovou uma taxa de 14,5% em todos os produtos de fast food comercializados no país.

No Brasil, a regulação de alimentos ultraprocessados está nos documentos, mas pouco é feito na prática. Essa é uma das conclusões sobre o panorama brasileiro de regulação apresentada pelo consultor jurídico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Igor Britto e pela pesquisadora em nutrição Gisele Bortolini, da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde (CGAN/MS). Para eles, são necessárias, por exemplo, políticas de controle de preços para garantir que produtos saudáveis sejam mais acessíveis que os ultraprocessados.

“Sai muito mais em conta para uma família comprar refrigerante de dois litros no lugar de comprar um suco natural de um litro. Esse custo faz toda a diferença no consumo da população, principalmente para os mais pobres”, afirma a vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira, coordenadora do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin/Fiocruz), que mediou o debate.

Britto explica que o Chile foi o primeiro país da América do Sul a adotar um modelo de advertência frontal nos rótulos. A legislação chilena proíbe a produção de publicidade direcionada a crianças, caso haja alguma advertência. Nesse caso, também fica proibido utilizar personagens infantis nas embalagens. Foi assim que um conhecido leão dócil e forte deixou de ser exibido nas embalagens de cereal matinal vendido no país. “Já está provado que medidas como essa não causam uma tragédia econômica, como o lobby das indústrias sustenta. Pelo contrário, o país gasta menos em problemas de saúde de sua população”, afirma o consultor do Idec.

Ele ressalta que o discurso das indústrias para inibir a regulação dos ultraprocessados é o mesmo utilizado, à época, pelas de cigarro quando o Brasil implementava medidas da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, tratado internacional que dispõe de ações para a redução da epidemia do tabagismo no mundo.

Rotulagem no Brasil – a rotulagem frontal dos alimentos no Brasil está sob a responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que tem realizado estudos a partir de outros modelos adotados por países distintos. Neste ano, a Agência promoveu uma consulta pública para receber sugestões das empresas interessadas, de entidades civis e da população em geral. O trabalho está em fase de consolidação e será divulgado à sociedade para aprovação tão logo concluído. Atualmente, três modelos estão em estudo pela Agência: alertas em preto, um octogonal, encaminhado pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, do Governo federal, outro triangular, encaminhado pelo Idec; e o modelo colorido, enviado pelo setor produtivo.

“É necessário um alerta frontal nas embalagens, anunciando o alto teor de um determinado ingrediente”, defende Gisele. Para Britto, é importante que o poder público ocupe espaço em parte das embalagens dos alimentos ultraprocessados a fim de garantir o equilíbrio entre os interesses do setor econômico e da sociedade, já que as empresas possuem total liberdade para confeccionarem as embalagens, podendo utilizar técnicas de persuasão da publicidade.

Britto destacou o direito dos brasileiros de exigir do Estado a defesa da população contra possíveis abusos praticados por empresas na comercialização de produtos. “O Brasil é o único país no mundo em que o direito do consumidor é um direito humano fundamental”.

Ações de regulação como medidas fiscais para desestimular a compra de alimentos ultraprocessados, proteção do ambiente escolar contra a alimentação prejudicial à saúde, imposição de limites à publicidade de alimentos não saudáveis direcionada a crianças e a adoção de uma rotulagem nutricional clara, que alerte os consumidores quanto à presença de ingredientes em excesso como sal, açúcar e gordura não estão concretizadas no Brasil. “Essas agendas são um desejo da sociedade civil engajada, do Ministério da Saúde e da Anvisa”, garantiu Britto. Contudo, segundo ele, as multinacionais vêm atuando para impedir a regulação por meio de recursos econômicos e humanos, como também da larga experiência em influenciar a tomada de decisões políticas para impedir a efetivação dessas medidas, o lobby.

O Ciclo de Debates é promovido pelo Núcleo de Estudos em Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília). As atividades deste semestre acompanham os temas do Observatório de Regulação Internacional de Fatores de Risco Associados às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, projeto coordenado pelo Núcleo de Estudos. A Organização PanAmerticana da Saúde (Opas) apoia a realização das sessões. Acesse as sessões anteriores aqui.

Veja abaixo a apresentação de slides dos palestrantes:

Pesquisadora em nutrição Gisele Bortolini, da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde (CGAN/MS).
Consultor jurídico Igor Britto, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).