“Precisamos entender a realidade de cada município”, diz diretor do Denasus

Fiocruz Brasília 30 de agosto de 2021


Por Heloisa Caixeta

 

Fiocruz Brasília vai mapear a situação atual do Sistema Nacional de Auditoria do SUS

 

Com o intuito de conhecer a realidade da auditoria em saúde nos estados e municípios brasileiros, o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) firmou parceria com a Fiocruz Brasília para a realização da pesquisa nacional (Re)conhecer para Fortalecer a Auditoria do SUS: SNA em foco. O objetivo principal do estudo é subsidiar as novas estratégias de acompanhamento e fortalecimento da atuação do Sistema Nacional de Auditoria (SNA) do Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta visa à aplicação de boas práticas, de modo a contribuir de forma assertiva para o bom funcionamento da atividade de auditoria interna no âmbito do SUS e, consequentemente, para a melhoria da prestação dos serviços de saúde pública no Brasil.

 

A pesquisa será conduzida pelo Colaboratório de Ciência, Tecnologia e Sociedade, coordenado pelo pesquisador Wagner Martins, da Fiocruz Brasília. O estudo é participativo e contará com a cooperação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A calibragem dos instrumentos de pesquisa será realizada em parceria com o estado de Goiás, que receberá o projeto-piloto do estudo.

 

Criado por meio da Lei nº 8.080/90 (Lei do SUS) e regulamentado pelas leis subsequentes, o SNA tem a função de auditar e fiscalizar a aplicação de recursos públicos e políticas de saúde, sendo o Denasus órgão central deste Sistema. Considerando que muitas mudanças aconteceram ao longo desses 30 anos de SNA, é necessário conhecer a atual realidade dos agentes que atuam na atividade de auditoria do SUS. Em um país com proporções continentais como o Brasil, antes de qualquer medida, é importante identificar as boas práticas de auditoria em saúde já utilizadas nos municípios e que poderiam ser incorporadas aos demais componentes.

 

Em entrevista à Fiocruz Brasília, o diretor do Denasus, Cláudio Azevedo Costa, explica quais as intenções da pesquisa e fala sobre o que esperar para o futuro do SNA.

 

Qual o objetivo da aplicação da pesquisa (Re)conhecer para Fortalecer a Auditoria do SUS: SNA em foco?

Cláudio Azevedo Costa: Um dos objetivos centrais do Denasus com a aplicação da pesquisa é de natureza normativa: alterar o Decreto nº 1.651/1995, que regulamenta o SNA no âmbito do SUS. Busca-se promover o apoio e a orientação para que as auditorias internas no âmbito do SUS funcionem efetivamente como instâncias de governança, nos moldes estabelecidos pelo Decreto nº 9.203/2017. 

 

O que motiva esse objetivo de revisão do Decreto que regulamenta o SNA?

Cláudio Azevedo Costa: Um dos fatores que motivam a alteração normativa é a necessidade de poder facultar, em certos casos, a constituição de uma unidade de auditoria em saúde compatível com a realidade do município, haja vista que temos cidades cuja população e quantidade de unidades de saúde não justificam, pelo custo-benefício, a existência dessa unidade. Por exemplo, em um município com três mil habitantes, como exigir que tenha uma auditoria em saúde, se ele não tem condição financeira e operacional para sustentar tal estrutura? Ou o que essa unidade irá auditar se não houver prestação de serviços de saúde públicos no município? Então, a legislação necessita ser ajustada para que haja uma adequação da exigência, compatibilizada com a realidade socioeconômica do município.

 

Em que consistiriam esses ajustes? 

Cláudio Azevedo Costa: Uma possibilidade seria estabelecer uma linha de corte para definir quais municípios teriam condições de instituir a unidade de auditoria em saúde, e buscar outras alternativas para os municípios menores, uma vez que alguns, hoje, já aplicam o modelo de regiões de saúde ou de consórcios municipais de saúde. Precisamos trazer essas questões para poder definir quem deverá ter unidade de auditoria em relação à realidade local. Para isso, precisamos fazer essa pesquisa, no sentido de que seja possível compreender as diferentes realidades e construir a melhor solução possível. A norma hoje vigente acaba impondo aos municípios menores uma obrigatoriedade inviável, pois seu custo-benefício não justifica tal medida.

 

Que outros desafios podem ser destacados?

Cláudio Azevedo Costa: Outro objetivo central da pesquisa é de natureza operacional. Quando a Lei do SUS criou e as leis subsequentes definiram o funcionamento do SNA, a ideia era que os três entes trabalhassem como um sistema. Só que hoje a realidade indica que estamos aquém do que foi pretendido normativamente, onde o Denasus, pelas suas limitações de pessoal e operacionais, consegue dar apoio a um número muito reduzido de componentes. Então, se estamos falando de um Sistema Nacional em sentido amplo, é necessário aperfeiçoar a orientação e a atuação dos componentes, cabendo ao Denasus, como órgão central, coordenar tais medidas. Essa interação é imprescindível para dar uma maior abrangência de atuação e evitar sombreamentos, pois, se o Denasus está auditando um determinado hospital municipal, não há a necessidade de que a auditoria daquele município faça o mesmo trabalho – basta que compartilhem seu planejamento. Além disso, os trabalhos realizados pelos entes necessitam de maior transparência quanto à sua divulgação, para que o cidadão possa acompanhar como os recursos de saúde estão sendo fiscalizados, independentemente de qual seja o ente fiscalizador. Em termos de auditoria interna como instância de governança, há uma distância muito grande entre o real e o ideal. O Denasus deve apoiar os componentes do SNA para orientar e fazer com que a atividade de auditoria interna seja exercida conforme desenhado no modelo atual de governança pública. O que temos hoje é uma situação precária, pelo tamanho do Brasil e pela falta de coordenação e interação entre os três entes de auditoria interna (União, estados e municípios).

 

Há diferença entre o momento atual do SNA e quando ele foi criado?

Cláudio Azevedo Costa: O diferencial deste momento, em relação ao momento em que o Sistema foi criado, é que hoje falamos em auditoria interna como instância de governança, quando, lá atrás, auditoria era uma instância de gestão. Há uma mudança operacional nos dois momentos. A auditoria interna como instância de governança hoje tem a função de avaliação, e não para funcionar como unidade de fiscalização como parte da gestão, que atua somente na conformidade. Este é um momento importante para adequar a maneira de atuação da auditoria às práticas internacionais. Essa é a grande diferença, que pode ser verificada, inclusive, nos normativos anteriores do SNA, onde os procedimentos de auditoria estavam muito focados na conformidade e na execução dos procedimentos clínicos, ou seja, situavam-se muito na linha de gestão, como agente fiscalizador do gestor da política pública.

 

Qual a importância da participação dos estados e municípios na pesquisa (Re)conhecer para Fortalecer a Auditoria do SUS: SNA em foco?

Cláudio Azevedo Costa: Somente poderemos construir um SNA efetivo se nos conhecermos. Qual a nossa identidade? Quem é o SNA hoje? Quantos são? Quais são? Para isso, necessitamos desse estudo para levantar, além das informações estruturais, qual o nível de maturidade com relação à atividade de auditoria, sendo, portanto, fundamental a participação dos estados e municípios no sentido de mostrar a situação real em que se encontram. Para que haja efetividade na participação dos componentes, é importante também o apoio do Conass e do Conasems nesse trabalho, incentivando estados e municípios a encaminharem suas respostas. Tudo isso servirá como subsídio para o redesenho do SNA, pois, na lógica da autoavaliação, buscamos garantir o pleno funcionamento do SNA, onde o Denasus, como órgão central do Sistema, deve atuar para esse objetivo.

 

Quais os resultados esperados da pesquisa?

Cláudio Azevedo Costa:  Independentemente dos números, a resposta servirá de subsídio para a estratégia a ser construída, bem como para a definição de linhas de atuação do Denasus para o fortalecimento, a capacitação ou o apoio à constituição da auditoria em saúde no ente federativo. Neste projeto com a Fiocruz Brasília, a ideia é dar a efetividade que a Lei do SUS almejou quando foi editada. Com a evolução do processo de auditoria, e considerando o modelo de governança do setor público, a auditoria interna assumiu um relevante papel no sentido de estar alinhada ao alcance dos objetivos como órgão de assessoramento à alta administração. Então, faz-se necessário que todo esse movimento de adequação às estruturas de governança seja levado a estados e municípios, garantindo, com isso, que as políticas do SUS e a política de saúde como um todo sejam fiscalizadas de forma efetiva. Porque nós estamos falando de uma das políticas mais importantes dentro das políticas públicas, que é a de saúde.

 

Os estados serão auditados? Eles precisam se preocupar com isso?

Cláudio Azevedo Costa: Não se trata de nenhum trabalho de auditoria. A pesquisa tem a finalidade apenas de contribuir para o planejamento futuro, a reconstrução de um normativo, linhas de cooperação entre estados e municípios, e melhoria da atividade de auditoria interna. Ela é um pré-requisito para a melhoria na política de auditoria do SNA do SUS.

 

O que será feito com o resultado da pesquisa?

Cláudio Azevedo Costa:  A proposta de pesquisa não é somente saber qual a realidade como um ponto estático, mas utilizá-la como instrumento que dê subsídio à transformação do SNA. A expectativa é que o estudo possa ser materializado na mudança do Decreto, em linhas de apoio e capacitação, e no redesenho das formas de atuação, com compartilhamento de trabalhos e resultados, devidamente divulgados entre todos.

 

Você poderia nos dizer o que é o SNA do SUS na visão do Cláudio auditor?

Cláudio Azevedo Costa: Como Sistema Nacional, o SNA teria de atuar de forma integrada. Porém, por diversos motivos, como as questões de falta de pessoal, capacitação ou condição financeira, muitos dos entes, sejam eles estaduais ou municipais, não conseguiram implementar suas unidades de auditoria ou não tiveram oportunidade de entender o seu papel como órgão integrante do SNA, dentro da estrutura de governança local. Por essa razão, temos hoje um Sistema com estruturas totalmente diferentes. Sob a ótica de atuação, elas não compreenderam ou não tiveram a oportunidade de atuar naquilo que o SNA precisa, ou seja, em uma ótica de auditoria mais apropriada, fiscalizando efetivamente a aplicação dos recursos em saúde e de suas políticas.

 

E qual a sua visão como cidadão?

Cláudio Azevedo Costa: Como cidadão, minha visão não olha só para o SUS, mas para toda a política de saúde, onde o SNA e a auditoria em saúde privada poderiam construir uma atuação conjunta, onde o aprendizado por meio do compartilhamento de expertises e de formas de trabalhar contribuiria para a melhor aferição da prestação dos serviços de saúde ao cidadão.  

 

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