Importante estratégia para superar os desafios da Atenção Primária à Saúde, a telessaúde foi tema de uma dissertação de mestrado defendida no Mestrado Profissional em Saúde da Família (ProfSaúde), polo Escola de Governo Fiocruz-Brasília. Realizado pela enfermeira Naipy Abreu Brunozi, o estudo analisou os serviços de telessaúde na Rede de Atenção à Saúde de Mato Grosso (MT), com enfoque na Região de Saúde Sul-mato-grossense. Na pesquisa, foram coletadas evidências em documentos como relatórios e outras produções técnico-científicas, bem como foram aplicados questionários, com participação de 18 gestores municipais e 101 coordenadores de equipes de saúde da família. Verificou-se que quase 40% das equipes nunca haviam utilizado os serviços ofertados pelo Núcleo Telessaúde MT e que a maior parte delas não possuía os equipamentos necessários à implantação dos serviços de telediagnóstico. “Apesar dos benefícios e potenciais da telessaúde, há uma incipiente utilização dos serviços na Região de Saúde Sul-mato-grossense”, conclui Naipy na dissertação. Entrevistada para a série de divulgação científica “Fala aê, mestre”, a egressa do mestrado comenta as vantagens da telessaúde, explica as principais causas da baixa utilização em MT e traz algumas recomendações no sentido de consolidar os serviços na região. 

Conte um pouco das suas motivações para a realização da pesquisa.

Naipy Brunozi: O interesse para a realização desta pesquisa surgiu devido a inquietações vivenciadas no dia a dia do trabalho com saúde da família. Há diversos desafios para a qualificação da atenção à saúde, dentre os quais destaco a ausência de integração entre os serviços, a consolidação dos atributos da Atenção Primária à Saúde (APS) e a organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Ainda que a coordenação do cuidado seja um atributo essencial da APS, na prática, isso não é uma realidade ou, por vezes, é uma realidade confusa. Ocorrem situações em que as equipes da APS não conseguem realizar a continuidade do cuidado porque não têm acesso a exames (não entregues ao cidadão) ou por falta de contato com profissionais da atenção especializada, dentre outras situações. A ausência de integração entre serviços e sistemas de informação é um problema que impacta na qualidade da assistência em saúde, para o qual investimentos em tecnologias digitais de informação e comunicação podem trazer soluções. Diante da vivência com serviços de telessaúde implementados no município onde trabalho, da convivência com a central de regulação e da pesquisa na literatura, enxerguei o uso da telessaúde como um potente serviço para promover a coordenação do cuidado e a consolidação da RAS, podendo quebrar essas barreiras.

O que é a telessaúde?

Naipy Brunozi: Telessaúde consiste no uso de tecnologias de informação e comunicação para a oferta de serviços na área da saúde, o que inclui hardwares, softwares e sistemas de comunicação e informação, principalmente para a oferta de serviços a distância, como consultas e laudos de exames que não podem ser realizados presencialmente, seja pela ausência de um profissional especializado ou pela dificuldade em transportar a pessoa que recebe o atendimento.

Quais os principais benefícios que a telessaúde pode trazer para o SUS, no geral, e para a Atenção Primária à Saúde (APS), em especial?

Naipy Brunozi: Diante dos desafios enfrentados para a consolidação do SUS, a telessaúde pode contribuir para mitigar barreiras de acesso, como vazios assistenciais e educacionais na área da saúde. Vivemos em um país de dimensões continentais e a telessaúde pode reduzir a distância entre as pessoas que utilizam os SUS e diversos profissionais, principalmente especialistas. A telessaúde também reduz a distância entre os profissionais, favorecendo a colaboração em saúde e a educação profissional no ambiente de trabalho. Colabora com a redução de filas de espera para consultas e exames nas centrais de regulação, o que chamamos de demanda reprimida. E, ainda, colabora com a redução de gastos, melhor aproveitamento de recursos financeiros e humanos. Seria possível citar muitos mais benefícios específicos, considerando que o uso dessas tecnologias pode trazer várias facilidades tanto para os profissionais como para os cidadãos. A Atenção Primária à Saúde (APS) pode alcançar todos esses benefícios, visto que ela tem como atributo ser a coordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Em especial, eu diria que a telessaúde contribui para o fortalecimento dos atributos essenciais da APS: acesso de primeiro contato, integralidade, longitudinalidade (ou acompanhamento do usuário ao longo do tempo) e coordenação do cuidado. Toda população se beneficia de uma APS com esses papéis consolidados.

Sua pesquisa mostrou que a telessaúde ainda não é muito usada pelo SUS na região sul-mato-grossense. Quais seriam as principais causas dessa baixa utilização?

Naipy Brunozi: Quanto à Atenção Primária à Saúde (APS), as principais causas são a falta de equipamentos, o acesso precário ou a falta de acesso à internet, a dificuldade dos profissionais em incluir a telessaúde no processo de trabalho da equipe, a ausência de protocolos institucionais e de linhas de cuidado que incorporem a telessaúde, e a falta de apoio dos gestores. Quanto ao núcleo de telessaúde, as causas incluem limitações como a descontinuidade da plataforma nacional de telessaúde e o número insuficiente de teleconsultores e técnicos para atender à demanda do estado.

Os gestores municipais e coordenadores de equipes de Saúde da Família que participaram da pesquisa se mostraram interessados em aplicar mais a telessaúde no seu cotidiano de trabalho?

Naipy Brunozi: A maior parte dos participantes se mostrou interessada em novas informações e treinamentos sobre telessaúde. Esse é um dos pontos positivos da pesquisa, que também contribuiu para a divulgação do tema e dos serviços já ofertados no estado de Mato Grosso.

A partir do seu estudo, quais seriam as suas recomendações para consolidar a telessaúde na região?

Naipy Brunozi: A colaboração interinstitucional é essencial para o avanço da telessaúde. Secretarias municipais e estaduais, universidades, escolas, serviços de saúde: todos precisam se envolver para executar os projetos e atividades. Esse tem sido um diferencial do Núcleo Telessaúde Mato Grosso, como apontou a pesquisa. Entretanto, no momento, esse Núcleo passa por um momento de vulnerabilidade, com ações fragmentadas e paralisadas, buscando se reestruturar e implementar novos serviços. Há desafios políticos e técnicos que precisam ser revistos ao se repensar o acesso à telessaúde no estado. Também destaco a importância do interesse e da participação dos gestores municipais nas comissões instituídas e em seus municípios. É primordial a aquisição dos equipamentos necessários (como computadores, câmeras, dermatoscópio etc.), a elaboração de protocolos institucionais que incluam a telessaúde nas rotinas de trabalho e o incentivo dos gestores nas pequenas esferas, visando mudanças favoráveis no processo de trabalho das equipes.

Naipy Abreu Brunozi é autora da dissertação intitulada “Telessaúde Mato Grosso: um estudo de caso com enfoque na Região de Saúde Sul Mato-grossense”, aprovada em 15 de dezembro de 2022 no Mestrado Profissional em Saúde da Família (ProfSaúde), polo Escola de Governo Fiocruz-Brasília, sob a orientação do professor Armando Raggio.

Confira aqui as outras entrevistas da série de divulgação científica