Fala aê, mestre: saúde para todos

Nathállia Gameiro 23 de junho de 2023


Ampliar o acesso às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e garantir atendimento de qualidade à população. Este é um dos objetivos da Estratégia Saúde da Família (ESF), que permite conhecer a realidade das famílias de um determinado território, dos grandes centros às áreas mais remotas. Para isso, ela olha não apenas a pessoa, mas todo o meio no qual está inserido: o ambiente familiar, social, geográfico, demográfico e epidemiológico.

A principal premissa da ESF é tratar a saúde com ações de prevenção e promoção da qualidade de vida, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, a partir da proximidade com a população. Com o programa, mesmo as pessoas que, devido à distância não vão com frequência até o posto de saúde, recebem a visita de profissionais de saúde nas comunidades.

Cada equipe de Saúde da Família é responsável por até 4 mil pessoas, sendo considerado o grau de vulnerabilidade das famílias daquele território. Ou seja, quanto maior o grau de vulnerabilidade, menor deverá ser a quantidade de pessoas que a equipe acompanhará. A ESF permite ainda o acompanhamento com a mesma equipe, para dar continuidade e resolutividade às ações de saúde. Esses profissionais são a ponta do atendimento à população. A equipe multiprofissional é composta, no mínimo, por médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Os profissionais oferecem a primeira assistência, e conforme a necessidade, são agendados atendimentos em unidades básicas de saúde ou em outras unidades para serviços de maior complexidade, como ambulatórios especializados e hospitais.

O tema foi abordado pela enfermeira Valquiria Alves na dissertação do Mestrado Profissional em Saúde da Família (ProfSaúde) – Polo Brasília. Em seu trabalho, a egressa analisou a efetivação do Plano de Conversão do Modelo Tradicional para Estratégia Saúde da Família (ESF) e identificou as mudanças relacionadas à ampliação do acesso à saúde no Distrito Federal. Confira os resultados da pesquisa na nova entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”.


Quais são as principais diferenças entre o acesso das pessoas à saúde com o modelo de atenção tradicional e a ESF?

Valquiria Alves – A Estratégia Saúde da Família (ESF) veio para levar a saúde ao ambiente familiar, ou seja, mais próximo possível do convívio das pessoas. A grande diferença é: a ESF trabalha para que o acesso seja facilitado, isso acontece porque cada equipe atua no território definido e com a população cadastrada. O fato de não existir as temíveis filas para agendamentos, que anteriormente foi praticado pelo modelo tradicional, a ESF trabalha para que as pessoas possam ser atendidas em um tempo de espera menor, evitando assim a cronificação (tornar uma doença crônica) e as complicações que podem ocasionar na piora da saúde e consequentemente na superlotação das unidades hospitalares.  

 

O acesso facilitado diz respeito também ao contato “olho no olho” do usuário com o profissional, o fato das pessoas serem ouvidas e acolhidas em suas necessidades de saúde pode representar um importante diferença na condução dos agravos e na celeridade do tratamento.

 

Qual a avaliação do usuário das UBSs analisadas sobre o acesso à saúde antes e após a implantação da ESF?

Valquiria Alves – De acordo com a maioria dos usuários entrevistados, observa-se maior índice de satisfação em relação a ESF, com a expressão “melhor agora”. Anteriormente à ESF, relatam que foram tempos ruins, enfrentavam dificuldades relacionadas aos agendamentos das consultas. Observa-se que com a implantação da Estratégia Saúde da Família as pessoas gradativamente estão compreendendo o funcionamento da nova lógica de atendimento.

 

E qual a visão dos profissionais de saúde?

Valquiria Alves – Os profissionais de saúde compreendem que a nova lógica de assistência é a melhor forma de acesso em relação ao modelo anterior, embora compreendam que existe a necessidade de qualificação dos profissionais das equipes para melhorar a qualidade da assistência.


A partir da pesquisa, quais foram as principais dificuldades encontradas nos atendimentos?

Valquiria Alves – A pesquisa aconteceu numa época em que as pessoas buscavam as UBS somente em casos extremamente necessários, ou seja, por situações inadiáveis. Quando as pessoas permitiam a minha aproximação por muitas vezes aproveitavam para falar das suas impressões acerca da ESF, entre elas, a dificuldade de acesso em relação às especialidades médicas quando são encaminhados. De acordo com a fala do usuário, a espera pelo Sistema Nacional de Regulação (SISREG) em relação às demandas de especialidades são grandes. Outra dificuldade mencionada, foi em relação ao absenteísmo (ausência de trabalhadores), que, seja por qualquer causa, não há suporte de outras equipes para certas demandas.

 

Que papel a Estratégia de Saúde da Família teve durante o ápice da pandemia?

Valquiria Alves – A ESF teve e está exercendo um papel primordial durante a pandemia. Inicialmente observa-se um cenário desolador, as UBS esvaziadas pelo medo das pessoas em buscar atendimento e se contaminar. Mas, aos poucos isso foi mudando, a UBS continuou exercendo o seu papel de primeiro acesso para todos os agravos e ações de promoção. Em relação à Covid-19, os profissionais foram capacitados para realizar as testagens das pessoas sintomáticas e para os atendimentos de menor gravidade.

 

Com a chegada da vacinação, a UBS assumiu todo o processo de vacinação, houve reformulação e adaptação da estrutura física para viabilizar os atendimentos da triagem, das testagens e da vacinação.

 

Nestes tempos pandêmicos, embora as maiores demandas fossem relacionadas aos atendimentos para a Covid-19, todos os atendimentos das linhas de cuidados foram mantidos em funcionamento, apesar das sérias dificuldades.

 

Durante as entrevistas da sua pesquisa, qual a faixa etária identificada com maior predomínio na utilização dos serviços das UBS no DF? E qual o perfil de comportamento?

Valquiria Alves – Durante as entrevistas, observou-se que a faixa etária de maior predomínio foi de pessoas entre 30 e 60 anos, ou seja, os adultos. Nesta fase, foi observado que a maior procura pela UBS foi para a realização das testagens para Covid-19. A entrevista ocorreu na fase da segunda maior incidência de casos novos, oriundo da variante ômicron, conhecida pelo seu enorme potencial de transmissibilidade. Observou-se que os atendimentos mais procurados foram para os segmentos das doenças crônicas, renovação das receitas e o pré-natal.

 

Com o seu estudo, que mudanças você acredita que ainda são necessárias para a melhoria da atenção primária à saúde?

Valquiria Alves – A realização deste estudo foi muito gratificante, um grande aprendizado, fui favorecida no seguinte aspecto: sair do meu ambiente de trabalho e conhecer a realidade dos colegas e das demais unidades. Contudo, sabemos que a Atenção Primária à Saúde (APS) é o nível de atenção de maior demanda e precisa ter resolutividade na vida das pessoas. É fato, quando há uma prestação de serviço de qualidade e com resolutividade, as pessoas obtêm melhores resultados, adquirem bons hábitos, autonomia no autocuidado, cura e a compreensão da responsabilidade em relação a si próprio e da coletividade em relação ao controle e prevenção dos agravos.

 

A falta de qualificação faz com que as demandas tomem outros destinos, ou seja, a cronificação ou a complicação do caso. Desta forma, ainda temos que avançar muito como agentes promotores de saúde. O nível secundário, mais precisamente conhecido como atenção especializada, exerce um importante papel na continuidade da assistência e na resolução das demandas da APS, contudo, deve manter-se na retaguarda apoiando a APS e atuando com base no princípio da equidade.

 

A dissertação pode ser acessada aqui.


Valquiria Luiz dos Santos Alves é autora da dissertação intitulada “Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal: acesso no período pós-conversão para a Estratégia Saúde da Família segundo profissionais e usuários”, aprovada em 25 de julho de 2022 no Mestrado Profissional em Saúde da Família (ProfSaúde) – Polo Brasília, sob a orientação do professor Swedenberger do Nascimento Barbosa.


O ProfSaúde é um programa de pós-graduação stricto sensu em Saúde da Família, apresentado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e aprovado em 2016. O mestrado é oferecido por uma rede nacional constituída por 26 instituições públicas de ensino superior lideradas pela Fiocruz. 

 

Confira aqui as outras entrevistas com resultados de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos da Escola de Governo Fiocruz – Brasília

 

Fotos: Alemir de Moraes/PMM e Tony Wingston/Agência Brasília