Fala aê, mestre: empoderamento e agricultura sustentável

Fernanda Marques 15 de março de 2024


Flexeiras e Palmeiras – duas comunidades rurais do município de Chã Grande (PE) – foram o cenário de uma pesquisa realizada pela cientista social Maria da Conceição Paiva de Santana, egressa do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. Maria da Conceição, a Solô, como é mais conhecida, analisou as estratégias de educação popular desenvolvidas entre 2020 e 2022 pelo projeto Direitos e Desafios para Alimentação Adequada e Saudável, do Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP), onde ela trabalha há 17 anos. Ao sistematizar as atividades do projeto, elencando seus pontos fortes e fracos, a pesquisadora apresenta uma compreensão ampliada da execução e do alcance das estratégias de educação popular desenvolvidas, favorecendo a socialização das experiências acumuladas. Nesta entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”, Solô destaca como a participação social e o empoderamento de trabalhadoras e trabalhadores rurais contribuem para a segurança alimentar, bem como para uma alimentação saudável e uma agricultura sustentável.

 

O que motivou a escolha do tema de sua dissertação?

Solô Paiva: A modalidade do Mestrado Profissional e a minha experiência na organização da sociedade civil Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP), onde trabalho há 17 anos como coordenadora e educadora de projetos, me fizeram escolher esse tema, que possui estreita relação com a minha prática profissional e com o meu compromisso político e de cidadania.

 

Quando, onde, por que e por quem o projeto Direitos e Desafios para Alimentação Adequada e Saudável foi desenvolvido? Quais eram os públicos do projeto?

Solô Paiva: O projeto foi desenvolvido durante os anos de 2020, 2021 e 2022, no bairro de Dois Unidos, na cidade do Paulista, Região Metropolitana do Recife, e em duas comunidades rurais, Flexeiras e Palmeiras, na cidade de Chã Grande, Região da Zona da Mata Sul de Pernambuco. Embora o projeto tenha sido realizado em territórios urbanos e rurais, minha dissertação de mestrado teve como foco a experiência realizada no território rural, com a população do campo. A instituição responsável pelo projeto, onde trabalho, é o CNMP, organização da sociedade civil com mais de 30 anos de atividades. O público do projeto, em Chã Grande, é formado por homens e mulheres, agricultores e agricultoras, que possuem pequenas propriedades rurais, produzem para o autoconsumo da família, e comercializam em feiras orgânicas e agroecológicas do Recife. Já no território urbano, o público do projeto é constituído por mulheres de baixa renda, predominantemente chefes de famílias, em situação vulnerabilidade econômica e social, vivendo na periferia e convivendo com marcantes desigualdades de gênero e classe social, racismo ambiental e dificuldades de acesso à alimentação, que representam estágio de insegurança alimentar. Os territórios da ação do projeto se ressentem da ausência do Estado e convivem com os impactos das mudanças climáticas.

 

Quais as principais estratégias e atividades realizadas pelo projeto? Quantas pessoas se beneficiaram direta ou indiretamente?

Solô Paiva: Foram duas as estratégias realizadas. A primeira estratégia educativa ocorreu no período mais intenso da pandemia de Covid 19, entre março de 2020 e março de 2021, quando a recomendação sanitária previa distanciamento social. Nessa fase, o caráter das estratégias foi mais organizativo, com o objetivo de aprender a usar as ferramentas do trabalho remoto. Houve reuniões e seminários online sobre a Covid-19; produção de material físico e virtual com informes e orientações sobre os cuidados necessários para a proteção de si e das pessoas em seu entorno; lives e pequenos vídeos para as redes sociais; participação em programas de rádio e podcast sobre os temas pertinentes ao projeto, como, por exemplo, o recrudescimento da fome. Todas as ações buscavam reforçar o cuidado com as pessoas em sua integralidade e o fortalecimento de vínculos, mesmo que de forma remota. Já a segunda estratégia educativa foi realizada de forma presencial entre abril de 2021 e dezembro de 2022. As atividades incluíram diagnóstico participativo; plantio de coletivo em ações de reflorestamento; visitas de assessoria técnica; oficinas ambientais e nutricionistas; intercâmbio de saberes e troca de conhecimentos; parcerias; ações de incidência política com a participação social; avaliação externa; seminários, reuniões e rodas de diálogos; e produção de material pedagógico. O público beneficiário direto das atividades em Chã Grande foi de 74 agricultoras e agricultores (49 mulheres e 25 homens), além de aproximadamente 400 pessoas beneficiadas indiretamente.

 

Quais os pontos fortes da experiência analisada?

Solô Paiva: Entre os pontos fortes, destacam-se: a mudança de atitudes e práticas orientadas para o fomento de sistemas alimentares sustentáveis; a redução do uso de agrotóxico; os cuidados com as nascentes; a preservação ambiental; a adoção de melhores práticas de plantio e conservação do solo; e melhora na alimentação. Observou-se o despertar para a relação intrínseca entre o direito à alimentação adequada e a preservação ambiental de forma sustentável. Houve também implicação das lideranças, com maior atuação no controle social e participação popular. E a experiência como um todo se tornou campo de prática para estudantes do curso técnico e da graduação em Agronomia do Instituto Federal de Pernambuco, campus Vitória de Santo Antão. A produção de uma cartilha (produto técnico e pedagógico) deu materialidade ao instrumental teórico e prático para a promoção do direito à alimentação adequada e saudável. Constata-se que as estratégias educativas utilizaram caminhos metodológicos pautados na criticidade, no diálogo, no compartilhamento dos saberes e no protagonismo dos(as) participantes em ações de incidência políticas e emancipatórias em seus contextos de vida, confirmando a lógica dos movimentos sociais de conceber os processos educativos para novas práticas sociais. A capacidade do CNMP em dialogar com as comunidades de base, compartilhando conhecimentos alicerçados na teoria e na prática, demonstrou flexibilidade para atender às necessidades dos diferentes públicos a partir de suas especificidades.

 

E os pontos fracos?

Solô Paiva: O processo pandêmico interferiu negativamente na execução das atividades de cunho dialógico e problematizador. Embora a equipe do projeto tenha impulsionado resultados positivos, os recursos humanos disponíveis não foram suficientes para uma atuação mais frequente e sistemática junto às comunidades.

 

Como a sua pesquisa pode contribuir para a comunidade do projeto ou para o desenvolvimento de outras iniciativas similares?

Solô Paiva: A sistematização da experiência contribui com a produção de conhecimentos teóricos a partir de uma experiência prática do CNMP, favorecendo a replicação do projeto por outros setores dos movimentos sociais ou até mesmo como estratégias de políticas públicas. Há potencial para a continuidade do trabalho, uma vez que os grupos estão mobilizados e engajados na proposta e se sentem motivados a continuar participando. Para isso, é importante garantir que não haja descontinuidade.

 

Maria da Conceição Paiva de Santana é autora da dissertação intitulada “A educação popular como estratégia para a garantia de direito à alimentação adequada e saudável: uma experiência em município do Nordeste brasileiro”, defendida em 27 de junho de 2023, no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, sob orientação de Jorge Mesquita Huet Machado e coorientação de Mauricéa Maria de Santana.

 

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