Fala aê, especialista: o acesso à saúde da pessoa com deficiência

Nathállia Gameiro 20 de agosto de 2021


A Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência trouxe grandes avanços no acesso da pessoa com deficiência (PCD) a serviços de saúde no Brasil. No entanto, ainda existem vários desafios que atravessam esse cuidado, como o próprio contexto histórico da saúde, marcado por uma assistência limitada à prevenção de doenças infectocontagiosas e à reabilitação, muitas vezes sob responsabilidade de instituições filantrópicas e associações beneficentes.

 

Nesta entrevista, que inaugura a série “Fala aê, especialista”, a terapeuta ocupacional Bruna Almeida traz dados da sua pesquisa sobre os itinerários da pessoa com deficiência e seus cuidadores em uma Região Administrativa do Distrito Federal. O estudo foi apresentado como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Saúde Coletiva da Fiocruz Brasília. Bruna analisou os caminhos percorridos por essas pessoas na busca de cuidados em saúde, sob as influências de diversos fatores e contextos.

 

Como é o acesso da pessoa com deficiência à saúde no Brasil?

Bruna Almeida: Embora os pertencimentos das pessoas na sociedade sejam múltiplos (gênero, etnia, condição econômica, religião, identidade cultural e tantos outros), essa diversidade é permeada por estigmas, estereótipos e desigualdades, e isso está intrinsecamente relacionado ao cuidado em saúde. O direito à saúde das pessoas com deficiência é cada vez mais afetado pelas configurações de biopoder, pautado no biológico e no controle da sociedade capitalista em que vivemos. Soma-se a violência institucional, marcada pelo poder biomédico, que impõe normas e comportamentos para as pessoas com deficiência e seus familiares, imprimindo nessas pessoas uma concepção universalizada e sistematizada de opressão, o capacitismo. 

 

Quais são os fatores que limitam o acesso à saúde das pessoas com deficiência?

Bruna Almeida: Antes de falar desses fatores, destaco a importância das narrativas das vivências individuais, no contexto social e de saúde, de modo que cada pessoa seja capaz de traduzir suas afetações subjetivas e, somente a partir delas, podemos refletir acerca das limitações de acesso. Essas barreiras podem ser organizacionais (que abrangem tanto a oferta de serviços como os processos de trabalho), socioeconômicas, arquitetônicas, de comunicação e relacionais. Na minha pesquisa, proponho pensarmos em outras questões transversais limitantes, para além do campo da saúde, que também interferem significativamente no dia a dia das pessoas com deficiência, como a mobilidade urbana, a acessibilidade, os fatores socioeconômicos e as barreiras ao lazer, à educação, ao trabalho e ao engajamento social. Enfatizo que, se tais questões impactam o cotidiano, então elas também têm efeitos na produção da saúde.

 

Qual o papel e a importância dos cuidadores e da rede de apoio das pessoas com deficiência?

Bruna Almeida: São, em sua maioria, cuidadoras (do gênero feminino) e têm muita importância e diversas funções no cotidiano da pessoa com deficiência: apoio emocional, companhia social, orientação cognitiva e tantas outras. Muitas vezes, elas são familiares consanguíneos, mas minha pesquisa mostrou que não podemos generalizar e que grande parte dessa rede de apoio também é constituída pelos amigos próximos. É importante não romantizar esse papel social que muitas cuidadoras assumem: em suas narrativas, o cuidado de si próprias aparece negligenciado – elas deixam de lado seus compromissos e anulam suas vontades em prol da pessoa cuidada. Também percebo a grande limitação do acesso dessas cuidadores à saúde e a urgência extrema de implementar políticas públicas para essas mulheres que exercem o papel de cuidar.

 

O território influencia o processo de cuidado à saúde?

Bruna Almeida: Quando pensamos na Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, regida pela integralidade do cuidado, podemos chegar à conclusão de que o setor saúde não é capaz de responder a essa demanda sozinho. É necessário que o território, que é vivo, se comprometa com o cuidar integral dessas pessoas e de suas famílias. É necessário que todos os dispositivos estejam comprometidos com o cuidado. Que os dispositivos educacionais estejam integrados aos de saúde, que estes estejam integrados aos de mobilidade urbana, lazer e trabalho, e que todos estejam integrados aos dispositivos da sociedade civil. Acredito que somente a partir dessa base podemos construir debates sólidos sobre inclusão, em um território integrado. Na minha visão, somente com a articulação deste território vivo aos territórios subjetivos de cada pessoa podemos alcançar um cuidado integral. 

 

Com base no seu estudo, como é possível facilitar o acesso das pessoas com deficiência a dispositivos de serviços, lazer, mobilidade urbana, educação e trabalho?

Bruna Almeida: Proponho em meu trabalho uma ferramenta tecnológica, um guia interativo, capaz de mapear todos os dispositivos possíveis para o cuidado em saúde em um território. Essa ferramenta possibilitaria um sistema de avaliação e monitoramento, além de promover uma cultura de responsabilidades compartilhadas, em um território integrado, agregando tecnologias leves de interação e relacionais.

 

Bruna Sousa de Almeida é autora da pesquisa “Tecendo Redes: o território que pulsa acerca do cuidado às pessoas com deficiência de uma Região Administrativa de Brasília – DF”, apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Saúde Coletiva da Fiocruz Brasília, com orientação da professora Maria Renata Bernardes David.

  

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