O ciclo da ciência e o investimento em pesquisa

Fernanda Marques 8 de abril de 2022


Realizar a prospecção de pesquisas sobre a zika, analisando a produção científica sobre a doença no Brasil e no exterior, era o objetivo da equipe do doutor em ciência da informação Ricardo Sampaio, pesquisador da Fiocruz Brasília e um dos coordenadores da Plataforma Zika – projeto coordenado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs / Fiocruz Bahia). Nesta entrevista, Ricardo explica como foi feita essa prospecção e como ela pode contribuir para um melhor direcionamento dos recursos, sobretudo para que o Brasil aprimore sua capacidade de desenvolver pesquisas de ponta e se torne menos dependente de tecnologias importadas. Ela aborda, ainda, outras questões de política científica e colaboração internacional. Confira na última edição do “Fala aê, pesquisador – Especial Plataforma Zika”.

 

O que é prospecção de pesquisa?

A prospecção de pesquisa está muito relacionada com uma espécie de revisão bibliográfica, e permite saber exatamente o que está acontecendo na pesquisa sobre determinado tema. Na prospecção, a gente faz não só esse levantamento do que está sendo produzido – as publicações científicas –, mas também compreende o contexto dos pesquisadores envolvidos. Isso contribui muito no direcionamento e no apoio de políticas públicas para investimento em pesquisas, identificando áreas que deveriam ter maior incentivo e fortalecendo-as.

 

E como a inteligência artificial é usada nesse processo?

A inteligência artificial, às vezes, soa como algo muito distante, mas ela diz respeito ao aprendizado de máquina. Quando a máquina faz a mineração dos textos das publicações científicas, identifica palavras-chave e classifica essas publicações conforme as áreas, o que se chama clusterização, estamos utilizando inteligência artificial. Outra possibilidade, que ainda não chegamos a implementar, seria a máquina fazer um resumo dos textos e, a partir dessa “interpretação”, traçar modelos causais, indicando, por exemplo, os tratamentos mais efetivos. Seria uma forma mais ágil de ler e sistematizar as evidências científicas.  

 

Quais os resultados da prospecção relacionada à zika?

Fizemos um estudo da produção científica sobre zika no mundo. Utilizamos diferentes bases de dados e identificamos o número de publicações por área, os países que mais publicam e os níveis de colaboração científica. Os que têm mais colaborações internacionais são Estados Unidos e países da Europa, como França e Inglaterra. O Brasil se destaca pelo grande número de publicações científicas sobre zika, mas ele não tem tanta colaboração internacional. Você compartilha o conhecimento gerado, transfere de um lugar para outro as informações que estão surgindo. Quando houve o surto de zika, vários pesquisadores de países desenvolvidos vieram para cá coletar dados inéditos, mas não houve tanta colaboração no sentido de disponibilizar os recursos de pesquisa deles.

 

O que mais observaram em relação à produção científica sobre zika?

Analisamos a produção científica sobre zika dos diferentes países. Antes de 2015, havia muitos estudos sobre o mosquito Aedes aegypti, relacionados à dengue. Em 2015, começam os estudos sobre saúde pública. Logo depois, entre 2015 e 2016, ocorre um boom das publicações, um crescimento vertiginoso, e o Brasil está no centro das pesquisas – porque é onde estão acontecendo os casos da doença. São realizadas muitas pesquisas sobre os aspectos clínicos e epidemiológicos. Já em 2017 e 2018, países com maior tradição de investimento em pesquisa, sobretudo os Estados Unidos, já estão fazendo pesquisas em biologia celular e molecular, e nessa pesquisa de ponta o Brasil não se destaca. E é aí que entra a questão das políticas públicas: sem investimentos nessa área, o Brasil não desenvolve insumos, medicamentos e afins, e a nossa indústria farmacêutica fica dependente de resultados e insumos de outros países.

 

A prospecção científica sobre a zika foi um caso peculiar?

Ela permitiu visualizar o funcionamento do ciclo da ciência. Surgiu uma necessidade urgente, crianças que nasciam acometidas pela síndrome da zika, e houve um boom de pesquisas à época. Os centros de ciência foram sugados pela “novidade”, todos queriam ser pioneiros na produção de artigos, pois quem publica primeiro tem mais chance de ser citado por outros autores. O Brasil se torna notório na pesquisa epidemiológica porque tem muitos casos da doença. Mas, conforme as pesquisas avançam, são os centros que têm recursos para trabalhar com pesquisas de ponta que se destacam. E, nesse aspecto, o Brasil perde para outros países do mundo que têm esses recursos e essa competência tecnológica. A gente teve e tem muita inovação no Brasil, se comparado com outros países do Hemisfério Sul, mas a maioria da pesquisa brasileira acaba sendo relacionada ao estudo dos casos e do impacto na população, o que é importante, só que faltam investimentos para desenvolver medicamentos e outras soluções tecnológicas. Nessa área, a nossa competência tecnológica é bem menor se comparada à de países desenvolvidos.

 

Em que consiste a Plataforma e-Lattes?

Outra frente de trabalho do nosso grupo foi conhecer os pesquisadores no Brasil que pesquisavam sobre zika. Para isso, partimos do conjunto de informações disponíveis na Plataforma Lattes, que é a maior do mundo. Criamos, então, o e-Lattes, uma ferramenta capaz de buscar dados dos pesquisadores na Plataforma Lattes e apresentá-los de forma amigável. Quando você vai fazer uma análise, define os filtros – como grande área, tema, período e titulação – e a ferramenta lista os pesquisadores com aquelas características, o que eles têm de produção científica, as orientações acadêmicas, os eventos de que participaram, as redes de colaboração etc. São dados que estão no Lattes, mas são apresentados de forma agregada conforme o universo de análise que você definiu. O e-Lattes foi feito pensando-se na zika, embora ela sirva para análises sobre pesquisadores com outros focos de atuação. Trata-se de um grande filtro da base de dados Lattes, com possibilidade de gerar gráficos dos resultados da análise.

 

Qual a importância desse filtro?

Pensando em uma instituição de ensino e pesquisa, ela consegue avaliar como está seu universo de colaboradores, a produção do seu corpo docente e discente, e ainda acompanhar a atuação de seus egressos, por exemplo. Os laboratórios ou grupos de pesquisa podem verificar o que está sendo estudado em seus respectivos campos, quais as novidades e onde estão os pesquisadores com quem podem estabelecer colaborações.

 

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