Das salas de aula ao mercado de trabalho: o racismo que permanece na sociedade

Nathállia Gameiro 22 de julho de 2020


Roda de conversa virtual aborda tema e propõe reflexões acerca da mudança de comportamento que estrutura e mantêm condições de desigualdade

 

Nayane Taniguchi

 

Reconhecer a presença do racismo, admitir privilégios e buscar atitudes que podem, individualmente, mudar comportamentos coletivos estruturantes da nossa sociedade. Estas foram algumas das reflexões propostas na roda de conversa virtual “Racismo e Mercado de Trabalho/Racismo no Trabalho”, realizada na tarde desta terça-feira (21/7) pela Fiocruz Brasília. “Tratar de racismo na sociedade brasileira é algo muito delicado. O brasileiro percebe que a sociedade é racista, mas nunca se percebe enquanto racista, e nem se percebe como parte dessa estrutura que fomenta esse racismo, presente em todas as práticas do nosso dia a dia”, afirmou Keilla Vila Flor, convidada para a atividade.

 

Relatos sobre situações de racismo em sala de aula e no mercado de trabalho, além das pressões para adotar “padrões de beleza” em diferentes situações do cotidiano reforçam que, mesmo que políticas públicas tenham sido implementadas de modo a reduzir as desigualdades históricas no país, muito ainda precisa ser feito, ainda que as discussões tenham sido democratizadas e crescentes com o advento da internet e das mídias sociais.

 

Para a historiadora, muitos constatam que o racismo existe, que prejudica pessoas não brancas, mas não se veem como parte desse processo. “Quando falo de pessoas não brancas, não estou falando só de pessoas negras, mas de todos aqueles que não são tidos socialmente como brancos. Pensando no nosso Brasil muito miscigenado, existem pessoas que não sabem onde se encontram, se são brancos, se são negros, pardos, o que é ser este pardo, e vivem nesse eterno não lugar”, disse. Para Keilla, essas pessoas encontram uma série de dificuldades de adequação para entrar no mercado de trabalho, sejam negras, indígenas ou “nesse limbo, tentando se adequar ao que é necessário para estar ali”.

 

Segundo a professora, essa situação também está presente no ambiente escolar, apesar dos recentes movimentos da internet, da presença de mulheres em transição capilar e do empoderamento característico do grupo conhecido como geração tombamento. “A gente tende a pensar que as gerações de agora estão sofrendo menos com o racismo, mas, no dia a dia na escola, a gente percebe que não, que elas estão sofrendo na mesma medida”, contou. Como exemplo, Keilla mencionou meninas de 12 anos que começam a alisar os cabelos em fases de transição, em momentos da vida que querem ser notadas por outras, no desejo de viver experiências de namoro e relacionamentos, mas se percebem diferente da estética do “padrão branco”, alisando os cabelos para se adequarem. “No caso do mercado de trabalho, acontece algo parecido, nos anúncios que dizem ‘é necessário ter boa aparência’. Sabemos o que isso significa, aquela boa aparência nem sempre é a nossa aparência, por ser diferente do ideal do padrão branco, em que as pessoas raramente têm nariz largo, boca larga e cabelo crespo”, acrescentou.

 

Keilla reforçou aspectos relacionados à representatividade, segundo ela, outro debate em alta e “bastante esvaziado”, principalmente na internet. “Parece que representatividade é uma mera imagem vazia. É só o estar ali, uma presença. A presença faz toda a diferença, é política, mas essa questão da representatividade está diretamente ligada tanto a construção de caráter dos mais novos quanto a oportunidade de emprego para os mais velhos”, explica.

 

A professora fez ainda um resgate histórico do racismo nos séculos XIX e XX e pontuou algumas estratégicas usadas na tentativa de extermínio da população negra, entre elas o incentivo à vinda de populações europeias para o Brasil, como os italianos, o fechamento do mercado de trabalho para a população negra pós abolição da escravatura, e que incluíam, ainda, internações em manicômios, dado o incômodo social presente na sociedade.

 

Ao comentar sobre o que fazer sobre as questões raciais, Keilla afirmou: “as pessoas sabem que o racismo existe e admitem privilégios, mas não avançam no debate do que isso significa. Aprenda a usar esse privilégio para diminuir a distância com quem não tem os mesmos privilégios que você”.

 

Para a vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira, que abriu a atividade, a discussão do tema ocorre em um momento importante, que “hoje tem uma série de processos de reflexão que revela o quanto o nosso país ainda tem um longo caminho para superar questões históricas da escravidão, do povo de origem de matriz africana, o quanto isso perpetuou em quatro séculos de escravidão e o quanto isso tem nuances importantes que trazem várias características de recortes, interseccionalidades, nas questões de gênero, classe social e da nossa origem étnica”, explica.

Confira a roda virtual aqui.

Projeto Conviver: 365 Dias de Consciência Negra

A Roda de Conversa integra as iniciativas do projeto da Fiocruz Brasília Conviver: 365 Dias de Consciência Negra (saiba mais aqui). “Hoje a gente retoma as nossas rodas de conversa de uma maneira diferente, virtual, com um tema muito importante. Agradecemos a participação da Keilla e de todos que estão conosco nesse diálogo”, afirmou Daniela Garcês Viana, representante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz Brasília, e coordenadora do Serviço de Gestão de Pessoas (Segest) da instituição.

 

Lançado em 20 de novembro de 2019, o projeto da Fiocruz Brasília prevê 365 dias de Consciência Negra. A iniciativa propõe a inclusão de pautas relacionadas à população negra em atividades promovidas pela instituição e específicas sobre o tema a serem realizadas ao longo do ano. Além de rodas de conversa, foi realizada uma atividade cultural com estudantes de escolas públicas do Distrito Federal e a instalação de painéis, na área externa da Fiocruz Brasília, com informações sobre 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, composto ainda por poemas, e imagens de Dandara, liderança feminina negra que lutou contra o sistema escravocrata do século XVII, e Zumbi dos Palmares, ícone da resistência negra à escravidão e líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos das fazendas no Brasil Colonial. O dia da sua morte, 20 de novembro, foi escolhido para marcar, oficialmente o dia da Consciência Negra no país.