Trabalhadores da saúde e biossegurança: cuidando de si e do outro

Fernanda Marques 30 de abril de 2020


Fernanda Marques

 

O programa Conexão Fiocruz Brasília desta quinta-feira (30/4) discutiu medidas de biossegurança voltadas aos trabalhadores da saúde que estão na linha de frente no enfrentamento da pandemia de covid-19, com destaque para os que atuam na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS). “Na véspera do dia dos trabalhadores, ressalto o quão é importante não só discutir esses desafios da atenção psicossocial, mas também identificar e compartilhar soluções que garantam a segurança de todos. Os trabalhadores precisam ser cuidados para seguir adiante cuidando de quem precisa neste contexto de pandemia”, enfatizou a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio. A edição, realizada em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, contou com perguntas feitas por usuários de Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).

 

A ida aos CAPs, para muitos usuários, era uma das poucas oportunidades de sair de casa e estabelecer uma interação social. Mas ficar em casa, neste momento, é necessário. “É preciso criar condições para que isso não seja um castigo, mas entendido como um mecanismo de proteção”, disse Victor Grabois, médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz. “O ficar em casa precisa ser ressignificado com outras narrativas. É importante que os profissionais construam estratégias com as famílias, como, por exemplo, versões de oficinas para serem feitas em casa. São estratégias que ajudam a preservar o que já foi conquistado por aquele usuário, sem recaídas”, complementou Ionara Rabelo, psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Quando as redes de apoio familiar e comunitária são ativas, maiores são as chances de manter o isolamento”, reforçou.

 

É preciso estar atento para que as medidas de controle da covid-19 não acarretem o agravamento de doenças crônicas, o que reforça o cuidado com os usuários assistidos pelos CAPs. “O que se enfatiza é a possibilidade de teleconsultas e atendimentos remotos, mas isso não significa que os atendimentos presenciais e as visitas domiciliares estejam proibidas”, afirmou Grabois. Pessoas em crise psíquica e outros casos de emergência em saúde mental vão exigir atendimentos presenciais. Portanto, segundo Grabois, há que se considerar os critérios de priorização de casos, a distância de segurança, a preferência por locais abertos e arejados e o uso dos equipamentos de proteção individual, os chamados EPIs – com o desafio adicional de que haverá, sim, usuários com dificuldade de colocar a máscara e que precisarão ser acolhidos e treinados. “Um aspecto fundamental é a frequente e sistemática lavagem das mãos. Nada substitui a correta higienização das mãos”, completou a médica sanitarista Marta Maria Alves da Silva, do Hospital das Clínicas da UFG e da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia.

 

O planejamento prévio para lidar com as emergências e outras situações é fundamental, de acordo com Ionara. “Antes que um usuário do CAP ou familiar seja diagnosticado com covid-19, é preciso que eles já estejam orientados sobre como proceder, considerando a realidade do domicílio, para as medidas possíveis de isolamento. Igualmente, se um profissional do serviço se contaminar, é importante que já exista um plano de cuidado”, exemplificou.

 

Não se sabe ao certo o número de profissionais de saúde já atingidos pela covid-19. O que se observa é que os profissionais estão bastante atentos e até receosos em relação ao atendimento presencial dos pacientes. No entanto, nos intervalos ou quando estão somente com outros profissionais, acabam relaxando nas medidas protetivas. “Ficam sem os EPIs e, por vezes, nem observam os cuidados necessários no momento de retirar os equipamentos de proteção. Nesse sentido, é fundamental uma mudança de comportamento, porque a prevenção é necessária em todos os momentos”, frisou Ionara.

 

Para além da disponibilidade e da correta utilização dos EPIs, que são indispensáveis, a gestão das unidades de saúde também merece atenção. “Um dos grandes problemas relacionados ao novo coronavírus é, justamente, que as unidades não estavam preparadas para a não aglomeração em salas de espera, por exemplo”, comentou Grabois. Isso exige que se reorganizem os fluxos: pacientes que chegam sem sintomas respiratórios, pacientes sintomáticos e profissionais, em suas diferentes funções, da recepção ao atendimento médico em leitos de UTI. A higienização dos ambientes é outro aspecto essencial. “Os trabalhadores da limpeza precisam estar protegidos com EPIs e também com acesso a orientações e informações seguras”, pontuou o sanitarista.

 

Lições do ebola

A psicóloga Débora Noal, que esteve no Congo durante a epidemia de ebola, em 2012, também participou do Conexão Fiocruz Brasília, contando um pouco de suas experiências. “Foi a primeira vez em que, como psicóloga, precisei fazer atendimentos mantendo distância das pessoas”, disse a pesquisadora da Fiocruz. Em uma região muito pobre e com pouquíssimos recursos de comunicação, Débora buscava estabelecer uma conexão socioafetiva entre pacientes em hospital de campanha e suas famílias. Para isso, visitava as famílias nas periferias, fazia registros e os levava de volta ao hospital, onde era necessário o uso de mais de uma dezena de EPIs. “Como profissional de saúde, havia pessoas com medo de mim, havia o estigma de que eu poderia contaminá-las”, comentou.

 

Um contexto extremo como esse revela a importância do que Débora chamou de “biossegurança psicossocial”, isto é, a estabilidade psíquica do profissional da saúde para que ele possa produzir cuidado para o outro. “Temos que isolar o vírus sem jamais isolar o afeto humano, por nós e pelo outro”, destacou. “Você pode pintar um sorriso na máscara, colocar um adereço engraçado na touca. Tem que trazer criatividade para o processo de cuidado. Tem que ser reconhecido como um ser humano por trás dos EPIs”, exemplificou. “Dor e angústia as pessoas já têm. Elas precisam de leveza. Leveza no processo de trabalho não é relaxamento das medidas de biossegurança. Essa leveza aumenta a imunidade e ajuda no tratamento. Acredito que seja uma das maiores contribuições da atenção psicossocial nesse contexto”, concluiu.