Segurança alimentar e nutricional na primeira infância é tema de audiência pública em Brasília

Nathállia Gameiro 28 de maio de 2019


Nayane Taniguchi

Vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira, ressalta a importância da criação de territórios saudáveis e sustentáveis e da ciência cidadã durante debate

 

Cerca de 261 mil crianças vivem em regiões com renda domiciliar baixa no Distrito Federal, e fazem parte de famílias que não possuem condições de prover as três refeições básicas durante o dia. 45 mil famílias do DF encontram-se em situação de Insegurança Alimentar e Nutricional, que possui ainda 6 mil famílias em situação de insegurança crítica. Os dados acima foram apresentados durante audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira, 27 de maio, pelo vice-presidente da Comissão de Fiscalização, Governança, Transparência e Controle da Câmara Legislativa do DF (CLDF), deputado Leandro Grass (Rede).

 

A vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira, coordenadora do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da instituição, foi uma das convidadas a participar do debate, sobre o tema Segurança Alimentar na Primeira Infância, que reuniu representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), da Universidade de Brasília (UnB), dos Conselhos Federal de Nutricionistas, Conselho de Alimentação Escolar e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outras instituições. A audiência abordou duas temáticas: hábitos alimentares e o contexto do DF, incluindo a produção rural. 

 

De acordo com Grass, no que diz respeito à infância e à juventude, o DF possui realidade semelhante ao restante do país, cujas regiões mais pobres são as que concentram, proporcionalmente, a maior população infantojuvenil. “Nós temos aqui no Brasil e no DF um sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, e isso inclui a promoção, a defesa e o controle das políticas. No que diz respeito à promoção, estamos falando dos projetos, programas e dos serviços que garantam os direitos das crianças. E um dos direitos mais importantes é o da alimentação. Toda criança tem direito a uma alimentação saudável, isso segundo a Constituição, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entre outras legislações”, contextualizou o parlamentar, que presidiu a mesa. 

 

Para a vice-diretora da Fiocruz Brasília, as políticas públicas devem atuar transformando sistemas e ambientes alimentares. Ela afirma que, atualmente, existem várias iniciativas sobre taxação de alimentos, rotulagem, publicidade, mas defende que as abordagens não podem estar centradas no indivíduo, seja ele criança, adulto ou adolescente. “Devemos pensar em territórios que possam agregar todo esse arcabouço que trabalha esse modus operandi da vida. É claro que o ambiente escolar é fundamental, mas ele não está sozinho dentro de uma estrutura, e sim dentro de um território”, contextualiza. Conforme a pesquisadora, seja o ambiente escolar, o de saúde, ou qualquer sistema e ambiente que faça parte dessa rede, é ele que deve ser objeto de uma ação mais eficiente.

 

Denise afirmou que as discussões que relacionam nutrição, infância e segurança alimentar devem superar alguns paradigmas, como o da culpabilização, que desconectam o indivíduo da realidade alimentar, fragilizando os indivíduos. “Essa é a principal preocupação, que instituímos como um momento de divisão de percepção. Nós da Fiocruz olhamos a nutrição infantil e segurança alimentar dentro de uma perspectiva de criação de territórios do bem viver”. Ela sugere ainda o investimento na ciência cidadã, que tem potencial de transformação. “Acreditamos que essas iniciativas são extremamente valiosas, consideramos o território escolar e o território de saúde extremamente importantes, mas nós sabemos que se não atuarmos na criação de territórios saudáveis e sustentáveis para o bem viver, faremos novas audiências e muito pouco estaremos transformando”, avaliou a vice-diretora. 

 

De acordo com o diretor geral da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano, as experiências nutricionais no início da vida podem ter consequências duradouras, ou mesmo definitivas, no futuro de uma criança. A mensagem, por meio de carta lida pelo assistente representante da ONU, Gustavo Chianca, que o representou na audiência pública, destacou ainda que “a alimentação é um tema tão importante e sensível que está diretamente ou indiretamente relacionada a todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 das Nações Unidas”.

 

 

Conjuntura

A vice-diretora da Fiocruz Brasília avalia o atual momento vivido no país como desafiador. Segundo Denise, a linha do tempo da segurança alimentar e nutricional trouxe avanços, indica o Brasil como pioneiro e um país que apresentou contribuições extraordinárias, mas que atualmente tem que “amargar de forma bastante triste o fato da extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Sabemos da importância do Conselho, e sua ausência diminui o eco entre governo e sociedade”.

 

Conforme Graziano, a desnutrição é um fenômeno estritamente relacionado à desigualdade e pobreza, e quando as famílias são afetadas pela fome, as crianças são as principais vítimas, por terem o crescimento e desenvolvimento profundamente comprometidos quando recebem uma alimentação insuficiente. “Essa insuficiência, porém, não se restringe ao tema da fome. A insuficiência nutritiva também toca um outro extremo da questão. Junto as mudanças que os sistemas alimentares sofrem nas últimas décadas, como um novo ciclo da alimentação desde a produção até o consumo, as camadas mais pobres passaram a optar por produtos alimentícios mais baratos, consumindo comidas com alto teor de gordura, açúcar e sal. Essa se tornou a parcela da população mais exposta a epidemia da obesidade. O sobrepeso e a obesidade se tornam a maior ameaça nutricional na América Latina e no Caribe”. Segundo estudos recentes da FAO, apresentados pelos representantes da ONU, 250 milhões de pessoas vivem com excesso de peso, o que corresponde a 60% da população regional. Enquanto um em cada 4 adultos é obeso, 3,9 milhões de crianças menores de cinco anos de idade da região apresentam sobrepeso, um número que excede a média de 5,6%, segundo estudos recentes da FAO. 

 

“É preciso uma abordagem multisetorial para garantir acesso a alimentação e a alimentos equilibrados e saudáveis, abordando simultaneamente outros fatores sociais que também impactam essas formas de desnutrição, como o acesso à educação, à agua, ao saneamento básico e aos serviços de saúde. Ao mesmo tempo em que precisamos apresentar sistemas alimentares sustentáveis e eficientes, é preciso mais que oferecer, e sim educar a população sobre o consumo de alimentos saudáveis, nutritivos e acessíveis, garantindo um ambiente mais seguro para o desenvolvimento das crianças”, enfatizou Graziano.

Confira a transmissão completa do evento

Fotos: Câmara Legislativa do Distrito Federal