Saúde no Brasil: direito resultante de conquistas

Nathállia Gameiro 6 de junho de 2019


Segundo dia da 10ª Conferência Distrital de Saúde destaca os eixos temáticos do encontro: democracia, saúde como direito, consolidação e financiamento do SUS

 

Nayane Taniguchi

 

A saúde como direito, e um direito resultante, sobretudo, de conquistas. 33 anos após a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, e 16 anos após a 12ª Conferência Nacional de Saúde, em dezembro de 2003, o que se discute, em 2019, é como a sociedade deve se organizar para evitar a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS) e o desmonte do Estado brasileiro.

 

A contextualização foi feita pelo assessor da Fiocruz Brasília e docente da Escola Fiocruz de Governo da instituição (EFG), Swedenberger Barbosa, durante exposição que marcou o segundo dia de atividades da 10ª Conferência Distrital de Saúde, nesta quinta-feira (6/6). Ao iniciar sua exposição acerca do eixo temático Saúde como Direito, Barbosa fez uma saudação àqueles que lutaram pela democracia e participação social no país, fazendo menção ao médico sanitarista Sergio Arouca, ao médico e militante David Capistrano, e ao educador Paulo Freire.

 

“Hoje estamos em um ambiente diferente do que esperávamos que seria a continuação da 12ª Conferência de Saúde, a Conferência Sergio Arouca. Vínhamos de um processo em que se estava discutindo como é que estava o SUS e quais os ajustes para melhorar e ampliar o Sistema. Olha em que situação nos encontramos da 12ª para a 16ª Conferência: a de fazer uma discussão sobre democracia, resistência, luta. Não é nem para fazer o ajuste para continuar a situação de direito. É anterior a isso. É não permitir a privatização do SUS, não permitir o desmonte do Estado brasileiro. Essa é a situação que nós estamos vivendo”, ressaltou.

 

Segundo o assessor da Fiocruz Brasília, a saúde como direito envolve um marco temporal, composto por quatro momentos destacados por ele: a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), a Declaração de Alma-Ata (1978), a 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) e a Constituição Federal (1988). Para Barbosa, a discussão desses temas tem que estar relacionada ao movimento político e social das suas respectivas épocas. “Nós não conseguimos construir e defender o SUS na Constituição a troco de nada. Nós viemos de um movimento de massa crescente contra a ditatura militar, de um processo pelas Diretas Já, viemos pela discussão de mobilização da sociedade por direitos, e vivemos uma situação de que não era mais sustentável as condições vividas pela população brasileira. Existe um processo político que determina aquelas lutas”.

 

Em sua exposição, o docente da EFG enfatizou os direitos fundamentais e o direito à saúde, além do direito à vida. Conforme Barbosa, em 1945, 27% das Constituições em vigor falavam sobre direito à vida; atualmente, 77% das Constituições no mundo incluem esse direito, anterior ao direito à saúde. “Quando falamos de direito, obrigatoriamente falamos de democracia. Só é possível direito em estados democráticos. Porque o direito nada mais é do que a imposição da sociedade civil para que o Estado possa garantir as suas necessidades”, disse.

 

Para ele, as conferências e fóruns coletivos que possuem a participação da sociedade nas discussões são fundamentais para o processo vivido hoje no país, e foram responsáveis, assim como os conselhos de políticas públicas em geral, para que avanços nas políticas públicas fossem alcançados, impondo várias situações ao Estado para que realizasse suas obrigações. “É por isso que vamos tratar a saúde como direito e um direito resultante, sobretudo, de conquista. Direito não é dádiva”, complementou.

 

Barbosa ressaltou, ainda, as conquistas e desafios ao longo dos 30 anos do SUS, apresentou a conjuntura atual dos Sistemas Universais de Saúde em outros países, como Reino Unido e Itália, além do Brasil, criticou as privatizações, apresentando dados sobre a reestatização, no qual 884 serviços no mundo tiveram as privatizações revertidas nos últimos anos em países como França, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Estados Unidos, e a Emenda Constitucional 95/2016, que limita os gastos públicos durante 20 anos.

 

Como oportunidades e desafios a serem enfrentados no contexto da 10ª Conferência Distrital de Saúde DF, o assessor destacou a necessidade de mobilização e luta acerca da democracia, do SUS universal e democrático, da revogação da EC 95/2016, contra a reforma da Previdência e seu regime de capitalização, contra os retrocessos na política de saúde mental, pela revogação do decreto que extingue colegiados com participação social, pela manutenção do Fundo Nacional de Educação Básica (Fundeb), pelo fortalecimento dos Conselhos de Saúde e pelo cumprimento imediato das resoluções da 10ª Conferência.

 

Além da discussão sobre Saúde como Direito, também foram abordados os temas Democracia e Saúde: saúde como direito, consolidação e financiamento do SUS, pela professora e pesquisadora de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Maria Fátima de Souza; Democracia e Saúde, pelo representante do Conselho Nacional de Saúde Antonio Lacerda; e Financiamento adequado e suficiente para o SUS, pela diretora de Planejamento e Orçamento da Secretaria de Saúde do DF, Christiane Braga. A mesa foi coordenada pela presidente do Conselho de Saúde do DF, Lourdes Piantino.

 

“Lutar pela saúde é lutar pela democracia”, afirmou Antonio Lacerda, durante sua exposição, que ressaltou ainda a importância do enfrentamento para a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). “É preciso lutar pela construção do Estado Democrático, pela soberania, vontade popular e o respeito às minorias. É preciso lutar pelo Estado de Direito, e o direito à cidadania por meio das políticas públicas. Os enfrentamentos em um ambiente democrático permitem que as diferentes forças sociais consigam importantes vitórias na defesa do SUS e da democracia”, afirmou.

 

Para o representante do CNS, o acesso e direito à saúde e o fortalecimento e financiamento do SUS são eixos que devem estar articulados quando se trata de democracia e saúde. “Ao falar sobre democracia e saúde é necessário falar dos modelos de desenvolvimento no país. Que modelo de Estado defendemos?”, questionou.

 

Fátima Souza destacou que o SUS não foi construído por acaso, sendo uma conquista da sociedade brasileira. “Esse é o lugar desse sistema de saúde”, disse. Para a pesquisadora, falar de direito é elevá-lo à condição de direito de todos, para todos, com o sentido da dignidade e com responsabilidade do Estado.


10ª Conferência Distrital de Saúde 
Etapa preparatória para a 16ª Conferência Nacional de Saúde, a ser realizada em agosto deste ano, a 10ª Conferência Distrital de Saúde – 10ª CDS – é realizada em Brasília entre os dias 5 e 7 de junho. Tem como tema central “Democracia e Saúde”, e como eixos temáticos: Saúde como Direito, Consolidação dos Princípios do SUS e Financiamento do SUS, em consonância com o Decreto nº 39.654, de 5 de fevereiro de 2019. A abertura foi realizada na manhã do dia 5 de junho, e contou com a participação de mais de 200 pessoas, entre usuários da rede pública de saúde, trabalhadores e gestores da área. Durante os três dias de atividade, são esperadas cerca de 500 pessoas.

 

As Conferências de Saúde são espaços democráticos de participação social e institucional e responsáveis por avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para as políticas de saúde no âmbito federal, estadual e municipal.

 

Um total de 338 delegados, entre eles 56 natos da etapa distrital e outros 332 escolhidos nas etapas regionais, irão representar os gestores, trabalhadores e usuários na Conferência Distrital. Desse total, 68 serão escolhidos para a etapa nacional.

 

Confira a matéria no site da Fiocruz Brasília.