Saúde do homem é tema de Conferência do ex-ministro José Gomes Temporão na Fiocruz Brasília

Nathállia Gameiro 18 de novembro de 2019


Durante atividade que integra as ações da Fiocruz Brasília do Novembro Azul, Temporão destacou a  importância das políticas de proteção à primeira infância para garantir a efetividade das políticas de saúde das próximas gerações

 

Nayane Taniguchi

 

Aumentar os cuidados na primeira infância para possibilitar uma mudança estrutural na sociedade, com políticas de saúde que interfiram em dinâmicas sociais capazes de mudar comportamentos e padrões. Para o ex-ministro da Saúde, pesquisador e professor da Fiocruz, José Gomes Temporão, o grande problema da sociedade brasileira é uma “obscena desigualdade estrutural que se assenta no escravagismo, no patrimonialismo e exclusão” que se mantém até hoje e impacta, também, nos resultados das políticas de saúde, deixando-as com atuação limitada.

 

Ao abordar a saúde do homem durante a Conferência Promoção à Saúde Integral do Homem, na manhã desta segunda-feira (18/11), na Fiocruz Brasília, Temporão enfatizou que o tema é muito mais abrangente que ressaltar a importância do acompanhamento médico e de manter os exames em dia. Segundo dados apresentados pelo ex-ministro, em quase todos os países do mundo os homens têm maior probabilidade de morrer antes dos 70 anos em relação às mulheres, além de terem uma taxa de mortalidade por causas externas quatro vezes maior e um risco sete vezes maior de serem vítimas de homicídio; além disso,  36% das mortes entre homens são evitáveis, em comparação com 19% de mortes entre mulheres.

 

A pesquisa mostra também que mais de um terço dos homens não têm o hábito de ir ao estabelecimento de saúde para cuidar da própria saúde e quase metade dos homens que disseram não procurar os serviços de saúde relataram que o motivo principal é acreditar que não precisam. Entre as razões que fazem com que os homens não se cuidem e não procurem os serviços da saúde estão as barreiras socioculturais, como estereótipos de gênero, o medo de se descobrir doente, o papel de provedor; e institucionais (estratégias de comunicação que não privilegiam os homens e inadequação dos serviços de saúde, relacionadas ao horário de funcionamento, dificuldades de acesso e acolhimento).

 

Temporão afirmou que os homens cometem mais suicídio, têm expectativa de vida menor, são maioria em situação de rua, e são mais usuários de drogas e álcool. “Existe um processo que constrói esse padrão: meninos não choram, não podem sentir tristeza, não podem sentir pena, não podem sentir dor. A negação e o despreparo para estas questões que são necessariamente parte da vida promovem uma imensa fragilização”, explicou.

 

Conforme o ex-ministro, outros estudos, feitos em instituições renomadas como a Universidade de Harvard, demonstra que políticas de proteção à primeira infância têm um impacto dramático na redução de violência, de dependência à droga, alcoolismo e redução de suicídio. “Diria, ainda, na redução de comportamentos tóxicos, do machismo, do feminicídio. O momento da gravidez até o segundo, terceiro ano de vida, é absolutamente fundamental para estabelecer o que vai ser o futuro da sociedade em 10, 15, 20 anos. O que estamos fazendo hoje é enxugando gelo na outra ponta. Enquanto não tratarmos essas questões, estamos criando uma geração de indivíduos que terão suas vidas impactadas negativamente mais adiante”, disse. Como exemplo, Temporão citou que, atualmente, cerca de 18 milhões de crianças e adolescentes no Brasil  vivem em situação de vulnerabilidade com menos de R$ 200 por mês, em ambientes marcados pela violência sexual, alcoolismo dos pais e em condições de vida totalmente inadequadas. “Política de saúde que não tenta dar conta de toda essa complexidade não é efetiva, ela terá impacto reduzido em determinadas direções. Enquanto não focarmos nas questões estruturais, a potência das políticas de saúde será limitada. É importante, temos que continuar, é fundamental, ajuda, mas não resolve”, opinou. 

 

Acerca do envolvimento dos pais no pré-natal, nascimento e cuidado com a criança, dados de 2017 indicam que aproximadamente um terço dos homens nunca recebeu orientação sobre planejamento familiar; um de cada quatro homens da pesquisa realizada pela Coordenação Nacional de Saúde do Homem (mais de 7,5 mil homens) não acompanharam a sua parceira nas consultas de pré-natal; de cada cinco homens que não acompanharam a sua parceira nas consultas de pré-natal, aproximadamente quatro deles relataram que o principal motivo foi por conta do trabalho; dos homens que acompanharam a parceira nas consultas de pré-natal, a maioria informou que o profissional de saúde deu instruções e informações apenas para a mãe/gestante; e aproximadamente quatro de cada cinco homens que acompanharam as parceiras nas consultas pré-natal relataram que o profissional de saúde não solicitou exames de rotina para eles. Ainda sobre a pesquisa dos homens que acompanharam o nascimento do filho, apenas metade participou do momento do parto; e aproximadamente metade relatou não ter tirado a licença paternidade, e, entre os motivos, está o trabalho autônomo.

 

Para Temporão, o envolvimento dos homens em tarefas de cuidado e na paternidade reduz a ocorrência de violências contra pessoas próximas, contribui para a saúde das mulheres e para uma gestação saudável, reduz a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, além de contribuir para a formação de crianças com atitudes equitativas, através da relação entre pais e filhos baseada no afeto.

 

Durante a conferência, o ex-ministro abordou a saúde do homem em três dimensões: o próprio desenvolvimento humano e a maneira de se perceber no mundo para homens e mulheres; institucional, relacionada aos serviços de saúde, que indicam despreparo para lidar com esse público, embora haja avanços, visto que os “serviços de saúde historicamente sempre voltadas para cuidados das mulheres e materno-infantil”; e da comunicação e informação, considerada uma dimensão preciosa por Temporão, dado o atual contexto de disseminação das fake news.

 

Novembro Azul na Fiocruz Brasília

A Conferência proferida por Temporão integra as atividades da Fiocruz Brasília alusivas ao Novembro Azul, mês de conscientização sobre os cuidados integrais com a saúde do homem, e também as comemorações aos 120 anos da Fiocruz, em maio de 2020. A vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira, abriu a Conferência destacando o trabalho do ex-ministro com a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, afirmando ser uma contribuição importante para a saúde pública. 

 

Denise relembrou ainda a importância de Temporão para a Fiocruz Brasília, dada a construção do prédio da instituição durante a sua gestão, que em 2020 completa 10 anos. “Para nós é uma celebração importante, e antecipadamente já te convidamos para estar aqui conosco e celebrar esse momento fundamental para nós da Fiocruz Brasília”, afirmou a vice-diretora.

 

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem

Lançada em 2009, durante a gestão de José Gomes Temporão, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem tem como eixos prioritários: acesso e acolhimento; paternidade e cuidado; doenças prevalentes na população masculina; prevenção de violência e acidentes; saúde sexual e reprodutiva; educação e informação. “Só três países no mundo têm política de saúde do homem estruturada”, afirmou. Temporão considera a implementação da política um grande marco, um avanço, mas “ela deve ser vista nessa visão mais ampla, e estar aberta a esse olhar mais amplo para que possa avançar, se consolidar e ter um impacto efetivo, que é o que nós queremos”.