Saúde, democracia e consolidação dos princípios do SUS pautam discussão na 8ª + 8

Nathállia Gameiro 5 de agosto de 2019


 Nayane Taniguchi

 

No dia em que se comemora o nascimento de Oswaldo Cruz, pesquisadora da Fiocruz Brasília afirma, durante debate na 16ª Conferência Nacional de Saúde: “Para se ter saúde, tem que lutar para se ter democracia”


De que forma os trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS), gestores, pesquisadores, demais profissionais do setor e a própria sociedade civil podem atuar em seus territórios para contribuir para a consolidação do SUS? A partir deste questionamento, os participantes da 16ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, iniciaram as atividades na manhã desta segunda-feira (5/8).

 

A mesa de debate “Consolidação dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)” contou com a participação da pesquisadora da Fiocruz Brasília, Maria do Socorro de Sousa, da representante do Movimento de Saúde Jussara Cony; do professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e representante da Rede Unida Alcindo Ferla, e foi moderada pelo membro da mesa diretora do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Moysés Longuinho de Souza.

 

Os três participantes ressaltaram não só o tema central da 16ª edição da Conferência, “Democracia e Saúde”, o mesmo que conduziu as discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde, mas também a conjuntura atual do país, que, conforme os debatedores, impõe uma série de desafios para a manutenção dos direitos sociais da população e da própria democracia.

 

“Conseguimos fazer uma 16ª Conferência à altura do movimento indicado. São delegados, a juventude, trabalhadores recém-ingressos, gente de todo o país dividindo espaço nessa arena para mandar a mensagem principal, de que a democracia se faz ouvindo e respeitando o povo”, enfatizou Socorro, destacando ainda a atuação do Conselho Nacional de Saúde na organização e condução da atividade. “A CSN aproximou a grande mensagem da 8ª Conferência Nacional de Saúde para a atual conjuntura brasileira, voltando ao imaginário das pessoas para mostrar que a luta é necessária, e colocar que se faz democracia com capacidade de unidade e compromisso”, acrescentou.

 

Para Socorro, é possível mudar o atual cenário. “Temos 330 propostas apresentadas, muitas propostas para defender o SUS, a saúde pública, mas, mais que reiterar todas as propostas, temos que recuperar valores éticos, políticos, de cidadania, porque essa foi a grande capacidade da 8ª Conferência”. Conforme a pesquisadora, a 8ª CNS foi bem sucedida por ter a capacidade de unir quem fazia saúde, produzia saúde e ciência, conhecimento, e quem fazia a luta nos mais variados segmentos da sociedade. “A grande capacidade da 8ª foi juntar todo mundo numa arena para construir um Estado que não fosse autoritário, que respeitasse a vida como dignidade e direito fundamental. O que deu legitimidade e credibilidade à 8ª foi a capacidade de juntar vários atores e sujeitos para discutir questões centrais no Brasil. A 8ª não discutiu só saúde ou SUS, a 8ª discutiu valores, princípios, sonhos, projetos de vida”, relembrou.

 

Conhecida por ter sido a primeira representante dos usuários e mulher à frente da maior instância do controle social na área da Saúde – o Conselho Nacional de Saúde (CNS) – a pesquisadora da Fiocruz Brasília falou sobre o que significa, na 16º edição da Conferência, representar a instituição. “É uma emoção representar a Fiocruz, que tem mais de 100 anos de história construindo a saúde pública, a ciência, a tecnologia, a inovação em saúde. Uma instituição que na 8º CNS, na pessoa de Sérgio Arouca, coordenou a grande conferência que fez história na democracia brasileira. Estou muito emocionada de falar como pesquisadora da Fiocruz depois de tantos anos como movimento social ajudando a construir o controle social da saúde”, ressaltou Socorro, no dia em que se comemora o nascimento do fundador da Fiocruz, o pesquisador Oswaldo Cruz (1872-1917).

 

Em sua fala, Jussara Cony fez um resgate dos processos históricos que resultaram na criação do Sistema Único de Saúde, e uma avaliação dos desafios apresentados pela atual conjuntura. Ao afirmar sua origem como movimento da reforma sanitária, a representante do Movimento de Saúde destacou a composição da mesa, formada por homens e mulheres, “juntos, na busca dos nossos direitos”. “Quando as mulheres se emancipam, se emancipa toda a sociedade”, defendeu, ao acrescentar que o SUS é composto, majoritariamente, por mulheres.

 

Sobre o formato da Conferência, que reúne atores de diferentes segmentos da sociedade, Jussara mencionou o educador Paulo Freire, ao afirmar que não existe maior ou menor conhecimento, e sim conhecimentos diferentes. “Esse legado vem da nossa diversidade humana e cultural que está presente nessa Conferência”, acrescentou.

 

“Não estamos e temos a certeza de que não podemos estar inertes nesse momento. A 8+8 é um processo cujo mais elevado elemento é a participação popular, porque este é o cerne da construção do SUS, dos seus princípios e diretrizes, doutrinários e organizativos. Esta é uma conferência histórica”, complementou. Ainda de acordo com Jussara, o SUS tem como origem dois pilares básicos: o estado democrático de direito e a seguridade social. “Saúde é democracia e democracia é saúde. O SUS é democracia e democracia é SUS”, sintetizou, ao fazer referência ao tema central do evento.

 

Para Jussara, é preciso reformular políticas para superar gargalos, e assim garantir a integralidade na atenção à saúde. “É necessária a democratização das decisões, dar protagonismo aos usuários, trabalhadores e gestores comprometidos com o SUS, investir no cotidiano das nossas ações, nas necessidades básicas de saúde, promoção e recuperação da saúde”, disse, ao falar sobre a consolidação dos princípios do SUS. Entre outras sugestões, a representante do Movimento de Saúde mencionou a formação e capacitação para definição de políticas que materializem os princípios, regulamentações e financiamento do SUS e a formação de estudantes e profissionais acerca dos modelos de atenção e qualificação do Sistema com visão estratégica do papel do Estado.

 

Alcindo Ferla, representante da Rede Unida, propôs uma série de reflexões sobre as contribuições para consolidação e defesa do SUS, destacando, ainda, a atuação dos trabalhadores de saúde e os desafios da consolidação do Sistema na atual conjuntura. Ao atribuir à 8ª Conferência Nacional de Saúde sua percepção sobre a real função de um trabalhador da saúde, Ferla falou com emoção sobre sua participação da mesa. “Vivemos um momento muito semelhante ao que vivemos em 1986, período da 8ª CNS, que aconteceu porque tinha que ter muita mudança. Esse é o contexto que estamos vivendo, também, agora”, afirmou.

 

Para Alcindo, a consolidação do SUS precisa ser uma política de Estado, mas também um processo civilizatório, conforme defendido pelo sanitarista Sérgio Arouca, na abertura da 8ª CNS. “Sem políticas públicas democráticas não é possível consolidar o SUS”, complementou, ao afirmar ainda que o SUS é uma política de Estado brasileiro, que deve estar acima de qualquer interesse de eleição ou de governo.

 

“O trabalho em saúde se expressa com gente cuidando de gente, e da aliança entre trabalhadores e usuários”, afirmou. Para Alcindo, as políticas públicas de austeridade agravam doenças na população, inclusive nos trabalhadores, precarizam as condições de trabalho e a condição dos trabalhadores. “É preciso valorizar e cuidar da saúde dos trabalhadores da saúde; considerar que o trabalho em saúde é mais complexo, mesmo quando requeira menor densidade tecnológica; reconhecer e fortalecer a educação e treinamento em saúde, preservar as universidades públicas. Os trabalhadores de saúde e serviços de saúde fazem diferença nos níveis de saúde da população”, defendeu.

 

Ao concluir, Ferla afirmou acreditar na retomada do processo civilizatório e na potência para reconduzi-lo, ainda que a conjuntura pareça semelhante com a vivida nas décadas de 1970 e 1980. Ao parafrasear o escritor Mário Quintana (1906 – 1994), finalizou: “todos que estão atravancando o caminho do SUS, eles passarão; e nós que estamos aqui para defende-lo, nós passarinho”.

 

Programação

Ainda pela manhã, foi realizada a mesa de debate “Financiamento adequado e suficiente para o SUS”, que contou com a presença de representantes do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, da Comissão Internacional de Orçamento e Financiamento (Cofin) do CNS, Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e do Ministério da Saúde.

 

Fiocruz Brasília promove atividades

Além dos pesquisadores da Fiocruz Brasília que representam a instituição na 16ª edição da Conferência, a instituição promoverá, na tarde de terça-feira (6/8), a Oficina Fake News, Democracia e Saúde (Sala 8 – AAG 30). Sobre o mesmo tema, também está disponível para visitação a Exposição Desenho e Humor Gráfico, com ilustrações de diversos países sobre o tema Fake News e Saúde, organizada pela Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília.

 

Uma adaptação da instalação Morar em Liberdade: 15 anos do Programa de Volta para Casa, do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da Fiocruz Brasília também está disponível para visitação, próximo à entrada principal do evento. 

 

Na tarde desta segunda-feira (5/8), está sendo realizada a Roda de Práticas e soluções em saúde: participação social é democracia, organizada pelo IdeiaSUS e pela Fiocruz. No domingo (4/8), foi exibido o documentário O que nos move, seguido de debate.


Saiba mais aqui